quarta-feira, 29 de julho de 2009

A rapidez do castigo depois do descarrilamento na Croácia

Este pequeno comentário pretende recolher as informações disponíveis sobre as prováveis causas do descarrilamento de um comboio pendular na Croácia, perto de Split.
1 – o descarrilamento deu-se por excesso de velocidade relativamente ao estado da via (chama-se a atenção para que a velocidade é excessiva sempre em relação a qualquer coisa, e, no caso das velocidades elevadas, a exploração só é segura se o projecto, a execução e a manutenção da via férrea, forem correctos e adaptados a essas velocidades)
2 – o excesso de velocidade deveu-se, provavelmente, à presença de uma substancia lubrificante entrando na composição de um liquido retardante de chama, que tinha sido aplicado havia poucas horas antes; esse líquido retardante é eficaz na protecção contra a ignição de ervas secas em tempo quente; porém, aplicada por vaporização depositou sobre os carris uma camada lubrificante que impediu a travagem
3 – não obstante o que antecede, os próprios técnicos dos caminhos de ferro já tinham informado que o estado da via existente não é compatível com os comboios pendulares; em reforço desta afirmação, temos que no ano passado tinha havido um descarrilamento no mesmo local, sem a projecção mediática deste, no qual morreram turistas; o próprio comboio de socorro ao comboio agora descarrilado, em chegando ao mesmo local, entrou em velocidade excessiva e descarrilou (é uma fatalidade dos caminhos de ferro: originalmente construidos para velocidades de 60 km/h, suportam agora velocidades duplas – isso tem que ver principalmente com a estabilidade do leito de via e com a escala ou inclinação nas curvas para compensar a força centrífuga) ;
4 – já se encontram detidos responsáveis pelos caminhos de ferro e pela firma que vendeu o produto; quem mandou prender não se interrogou por que não mandou prender ninguém no ano passado; tampouco se interrogou por que na Croácia não se segue o método usado nos países anglo-saxónicos do gabinete oficial de investigação de acidentes fazer o seu trabalho fornecendo as informações factuais que for obtendo à medida que a investigação progride. Dito de outro modo, é essencial que se faça uma investigação isenta e precisa após cada acidente. Só assim se podem evitar as suas repetições. Deixemos o pelourinho no seu sítio histórico: a Idade-Média.
5 – em resumo, o transporte ferroviário é uma resultante com muitos componentes que interferem uns com os outros, requerendo que a cada alteração num dos componentes (por ex, alteração de velocidade, aplicação de um produto novo mesmo que aparentemente nada tenha com o assunto – recordo o perigo corrido no metropolitano de Lisboa quando se adoptou o processo de soldadura por arco eléctrico dos cabos de retorno nos limites dos circuitos de via, processo esse já abandonado) se faça uma reanálise de segurança de todo o sistema; é esta a mensagem que nos chega da Croácia.
PS - Relativamente aos perigos de utilização de produtos químicos nos carris, considerar também os líquidos e as massas lubrificantes para diminuir o atrito entre a roda e o carril que por um lado reduzem o perigo de gripagem e galgamento do carril nas curvas, reduzem também o ruído nas curvas, mas por outro lado podem aumentar as distancias de travagem. É imperativo que o aplicador do líquido ou massa o faça apenas no verdugo da roda (a coroa circular saliente relativamente à periferia de apoio da roda no carril) de modo a não escorrer para a mesa de rolamento. É aliás uma boa prática calcular as distancias de travagem para condições de má aderencia, como a presença de folhas mortas e humidas sobre os carris. No caso do pendular que descarrilou na Croácia, teria sido boa ideia pôr no caderno de encargos o requisito de travagem electromagnética (binário resistente devido a campos magnéticos entre o carril e electroimans a bordo).

terça-feira, 28 de julho de 2009

O Café Martinho da Arcada



Do caso do Martinho da Arcada, café aberto ao público desde 1778 e referência na obra de Fernando Pessoa, permito-me retirar informação que julgo útil para técnicos de transportes.
Referiu o pobre proprietário (pobre no sentido de vítima da política cultural deste país) que junto da sua esplanada passavam 150 autocarros por hora.
São 24 segundos entre autocarros sucessivos.
O que quer dizer que só os clientes mais rápidos conseguem engolir uma bica entre dois autocarros.
Assinale-se, com base no relato do próprio proprietário, a reacção primária (primária no sentido de não ter havido tempo para pensar noutros parâmetros do problema antes de fazer o comentário) do senhor presidente da câmara de Lisboa quando posto perante a questão de um autocarro de 24 em 24 segundos: que se conseguisse que fossem a gás melhoraria.
Não, não melhoraria. Como se costuma dizer, a questão não é essa.
Primeiro – quando se estreitam as vias de comunicação ribeirinhas, e se desloca o transito de autocarros para o interior, vai agredir-se esse interior. Se fossem eléctricos “rápidos” também havia agressão. É por isso que os transportes de massas são, nos centros das cidades, enterrados. O facto de passarem 150 autocarros por hora significa que o transporte é mesmo de massas e requer o sistema metropolitano.
Segundo – As pessoas convenceram-se que é fácil opinar sobre questões de transportes e ignoram as rasteiras que as “contas” podem conter. O caso dos 150 autocarros por hora significa que estão a passar por um funil (neste caso as ruas da Alfandega e do Arsenal). É como algumas ideias que por aí já circulam. Querer servir Lisboa com linhas de eléctricos rápidos (só de nome, só podem ser rápidos se atropelarem um cidadão por dia) e depois enfiá-los em fila nos túneis do Metro. Acumular-se-ão os atrasos e as esperas pela vez de cada linha
Terceiro – Mexer nos sistemas urbanos e de transportes não pode ser decidido com esta ilusão, de quem não precisa de usar os transportes colectivos para se deslocar em Lisboa. O problema da Baixa ribeirinha de Lisboa é de facto muito complicado e exige soluções muito caras. O plano director municipal de 1962 previa um túnel rodoviário que evitava a Baixa passando por baixo de Alfama, da Avenida, e do Bairro Alto. Mais tarde tentou-se fazer um túnel rodoviário simultaneamente com as linhas de Metro da Praça do Comércio. À boa maneira, escolheu-se a tecnologia errada da tuneladora para terrenos de aluvião, ocorreu o acidente de Junho de 2000 e desistiu-se do túnel rodoviário. Voltou a perder-se uma boa oportunidade de ganhar terreno ao rio e afastar o transito automóvel dos torreões do Terreiro do Paço quando se fizeram as obras de consolidação dos terrenos envolventes do túnel do Metro. Mas surgiu, à boa maneira burocrática, o Instituto do Património Arquitectónico proibindo que a Praça fosse alterada , embora já tivesse havido uma alteração com a infeliz estação de Sul e Sueste de Cotinelli Telmo (infeliz no sentido de arquitectonicamente não conseguir integrar-se na Praça).
Quarto - Ainda existem soluções para salvar a Baixa e o Martinho da Arcada. São muito caras, mas valia a pena. O Terreiro do Paço é mesmo bonito. Precisava de ser libertado dos modos de transporte agressivos, que não são só o transporte individual, mas também o tráfego pesado de mercadorias e passageiros, mesmo que movidos a gás ou electricidade. Precisava de alterações, de investimento, mas justificava-se para uma sala de visitas de uma capital de um país soberano…
Quinto – Mas não há comissão de notáveis nem iluminados que possam resolver isso. Têm de ser seguidos os métodos de participação ampla das entidades envolvidas e dos técnicos das especialidades afins, em debates técnicos alargados (não, o método Prós e Contras não serve, pode fazer-se, mas não serve do ponto de vista de qualidade técnica), sem que os critérios políticos prevaleçam. Como provavelmente as pessoas não quererão que sejam seguidos os métodos pombalinos ou os do general De Gaulle, pela minha parte sugiro os métodos que vêm explicados na”Sabedoria das Multidões” de James Surowieck. Editora Lua de Papel.
Sexto - Eu sei que é muito difícil convencer as pessoas seja do que for, especialmente quando o que ouvem não é o que querem. Mas é uma pena, se não nos convencemos que afinal o problema do Martinho da Arcada é principalmente, no contexto actual, um problema de transportes.
Já imaginaram um autocarro a passar de 24 em 24 segundos ao lado da cadeirinha em que bebem descontraídos uma cerveja, enquanto tentam seguir num ecran exterior a transmissão das canções de Mozart a que o Presidente da nossa República teve o prazer de assistir em Salzburgo?
Pensem nisso.

PS (post scriptum) - Já que falo nisso, e para que o sacrifício do nosso Presidente ao ouvi-las não tenha sido em vão, gostaria que não perdessem as canções de Mozart. Normalmente vêm em 2 CDs, com interpretação por soprano, tenor e piano (e nalgumas também bandolim). São normalmente temas simples da vida quotidiana, como convem a quem não quer armar em génio ou talento salvador. Pedindo na discoteca encontram facilmente. A edição que eu tenho é da Naxos e permite o acesso a "sites" complementares. Vá lá, façam o sacrifício.


sexta-feira, 24 de julho de 2009

Gestionarium IV - Os decisores e os técnicos

Objectivamente falando, há divergências entre os decisores e os profissionais. Subjectivamente falando, os decisores desvalorizam essas divergências.
Mas voltando a falar objectivamente, será maior a probabilidade de ser a correcta a estratégia proposta pelos profissionais , por deterem mais conhecimentos de pormenor da realidade.
Repassemos exemplos:
1 – uma juíza presidente diz que o novo “campus” judiciário não é funcional. O senhor ministro desvaloriza;
2 - a saída do Tribunal da Boa Hora (alimentando assim o novo “campus”) contribui para a desertificação da Baixa; o senhor presidente da Câmara de Lisboa não acha grave a saída do Tribunal;
3 – o senhor ministro da Administração Interna revê-se satisfeito nos seus regulamentos e nas suas estatísticas; mas o general comandante da GNR não consegue esconder a sua discordância, especialmente quanto ao subdimensionamento do quadro de efectivos, e também sobre a inconsciência das consequências da extinção da Brigada de Transito na sinistralidade rodoviária (claro que a evolução da sinistralidade é no bom sentido, mas é demasiado lenta para ser aplaudida)
4 – um médico cirurgião pediátrico clama que o fecho do Hospital da Estefania é um disparate internacional; o programa inflexível dos decisores impõe a integração no novo grande hospital central para adultos (lembram-se do triste caso da morte do bebé por falta de formação da enfermeira que o submeteu a alimentação intravenosa em vez de naso-gástrica? Não pode mesmo poupar-se na formação do pessoal…)
5 – um juiz desembargador afirma que a justiça em Portugal é diferente para ricos e para pobres; o senhor ministro acha que não
6 – eu, humilde e insignificante técnico de transportes, faço propostas que são rejeitadas pelos decisores; sinceramente, acham que a minha auto-estima ficaria bem se os decisores concordassem comigo? Ou eu teria de ver bem onde estava a errar…
7 – os decisores, coitados, só podem:
7.1 – tentar formar um grupo de técnicos que lhes validem as soluções; normalmente só funciona se os técnicos forem honestos e as propostas tecnicamente correctas
7.2 – desvalorizar a gravidade do erro ou desviar a atenção para outros problemas
7.3 – desautorizar e desmerecer dos técnicos – é a solução usada para desacreditar os professores, os funcionários públicos, os médicos (a Dra Leonor Beleza foi a primeira a abrir esta caixa de Pandora e continua muito segura de si própria); acaba por não dar resultado porque no fundo, a estratégia é a de desacreditar eleitores; não parece dar.
Por isso eu sugeria aos decisores que dêem mais importância aos pareceres dos técnicos com experiência nos domínios concretos.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Exmo Senhor Presidente da Câmara de Lisboa (email aberto ao senhor Presidente)

O signatário, munícipe com o ID 231131, tira o chapéu à excelência dos contributos para a Carta Estratégica de Lisboa e para o PDM de uma cidade do futuro.
Mas desde a sua insignificância (sua do munícipe 231131), manifesta a sua descrença e falta de confiança na eficácia da doutrina a que se chegou, pese embora o mérito do método SWOT seguido e dos seus participantes.
Talvez porque o nível a que a linguagem utilizada se alçou está para além da sua (sua do munícipe 231131) compreensão.
A presente missiva tem assim o ambicioso desígnio de o informar, senhor Presidente, que para alguns munícipes como eu existe este divórcio de linguagem entre uma realidade comezinha, dura e triste, que é a de a população do município de Lisboa ter baixado de 800.000 para 500.000 habitantes em cerca de 20 anos e de continuarem a morrer crianças em incêndios de prédios degradados e em acidentes de viação.
A tarefa para inverter estes factos é imensa, de facto; nem de perto nem de longe se lhe pode assacar, a si, que é uma pessoa bem intencionada, essa responsabilidade, mas falha-me o ânimo para acreditar que estejamos no caminho certo.
No fundo, as certezas e o ar seguro dos autores das intervenções ou dos textos-guia, sinceramente convencidos de que são boas as soluções que apresentaram, criam distancia relativamente aos destinatários.
E receio que a distância seja também à realidade (ou ao contexto, como piedosamente agora se diz, quando se vê alguém com responsabilidades públicas fazer afirmações de quem terá sido mal aconselhado).
Como poderá um plano intitulado “a coroa das novas centralidades” fazer-se realidade? Porque são excelentes projectos de arquitectura os seis projectos estruturantes? Uma arquitectura com “eléctricos rápidos”? Como poderá trazer de volta as empresas se os tribunais e os ministérios saem da Baixa? (ah! sim, a miragem do aproveitamento da desafectação dos espaços públicos… vejam a realidade, por cada serviço que sai da Baixa fecha um restaurante).
E para além dos seis projectos existe ainda a ameaça do terminal de cruzeiros de luxo no Jardim do Tabaco: tem de ser de luxo, primeira classe não chegava? O projecto é compatível com uma marginal rodoviária? (pergunto, porque não é obrigatório, em termos de PDM duma cidade capital, haver uma marginal rodoviária, mas não havendo, será obrigatória uma ligação rodoviária em túnel como já previa o plano director de 1962); e quando decidiram localizar o terminal de cruzeiros no Jardim do Tabaco rejeitaram definitivamente a utilização de Alcântara para isso? Pobre Almada Negreiros, a tua gare só serve para discoteca? Isto é, rejeitaram as conclusões de vários grupos de especialistas que concluíram pela localização correcta do porto de contentores no fecho da Golada, que até tinha a vantagem de acabar com a perda de areia na Caparica (ah! sim, o argumento de que custava muito dinheiro…só os ricos podem adoptar as soluções correctas…).
Como poderá uma carta estratégica vencer a nossa inércia crónica, a nossa incapacidade de compreensão da topologia da cidade, a nossa fé cega em que a próxima lei das rendas vai ser uma panaceia e o nosso marasmo um ano depois quando verificámos que a reabilitação foi uma palavra vã, a nossa dificuldade em nos organizarmos em equipas eficazes de trabalho para a reabilitação sem que nos surjam os reencarnados do Marquês de Pombal?
Como poderá uma carta estratégica ter sucesso se não consigo encontrar nela (espero que por incapacidade minha, que ela lá esteja) uma proposta de fusão de municípios da grande Lisboa?
Falha-me mais uma vez a confiança, agora na autoridade metropolitana, que não é a mesma coisa que a câmara de Lisboa agrupando as áreas hoje dispersas por vários municípios (sabia que há 100 anos havia uma câmara de Belém que abrangia Carnide? a tendencia sã é o agrupamento, não será?).
É verdade que desapareceriam os lugares de destaque autárquicos que premeiam os militantes dedicados, mas a teoria das sinergias talvez funcionasse. Não quererão experimentar o exemplo de Londres? Não sugiro o de Madrid, que me parece um pouco conflituoso e, como dizia o antigo presidente não executivo do metropolitano de Madrid, Manuel Melis, demasiado pomposo…
Como pode uma carta estratégica inverter a desertificação da cidade e melhorar a eficiência energética através dos transportes colectivos se não define as ligações indissociáveis entre o planeamento das redes de transportes urbanos ferroviários em sítio próprio, a política de educação dos jovens da cidade e periferia, e a política de urbanismo (isto é, em linguagem corrente: como resolver o paradoxo de termos andares de qualidade perto do centro de Lisboa, digo na Belavista, junto duma estação de metropolitano, de um parque verde maravilhoso apesar das agressões dos grandes espectáculos ao ar livre e das ameaças de construção de um hospital na linha de vista para o rio, de uma grande superfície comercial, e os cidadãos e cidadãs, apesar dos preços razoáveis, deixam os andares vagos e vão viver para a periferia por preconceito da marginalidade de Chelas?).
Assistiu o signatário a sucessivas intervenções do presidente da minha câmara municipal que, sinceramente, do ponto de vista técnico de transportes, me chocaram (provavelmente, eu terei uma sensibilidade de activação por pouca coisa), quando, possivelmente seduzido pelo museu d’Orsay, propôs o fecho de Santa Apolónia, ou quando se envolve em discussões de pormenor sobre a terceira travessia do Tejo em vez de questionar a incorrecção da sua implantação (não obstante o plano director municipal de 1948 ser muito claro na implantação: Poço do Bispo-Montijo), ou quando numa primeira fase critica o nó ferroviário de Alcântara, esse verdadeiro atentado à lógica integrada de transportes (a localização correcta do porto de contentores é no fecho da Golada; a ligação da linha de Sintra e do Estoril sobrecarrega a linha da cintura) e à técnica construtiva de estações subterrâneas (não bastou o acidente do túnel do metro do Terreiro do Paço?), para depois consentir.
Vem agora a minha câmara dizer que não quer agredir o subsolo e, por isso, vai dar prioridade aos “eléctricos rápidos” em detrimento do metropolitano.
Senhor presidente: vou invocar o novo estatuto do metropolitano de Lisboa, não para o incomodar com o incidente da omissão da CML, que certamente poderá resolver-se, mas chamar a atenção de que o metropolitano não explora só subsolo. Também pode ter os comboios a andar em viadutos (por exemplo, entre o Senhor Roubado e Odivelas, parte do glorioso trajecto em que o senhor presidente, montado num burro, ultrapassou o Ferrari - ou Maserati? abençoado burro - e prestou um serviço ao sistema de transportes e aos habitantes da grande Lisboa, ou até mesmo em trincheiras à superfície, como no Campo Grande (bom, terá de se gastar algum dinheiro com barreiras acústicas, mas é o que a Brisa faz sistematicamente, não é verdade?).
E sendo assim, sendo até que o custo da construção em viaduto é cerca de um quinto da construção em túnel, por que se insiste com a ideia dos “eléctricos rápidos”?
Será o exemplo do metro ligeiro do Porto? Já estudaram os acidentes ocorridos, entre atropelamentos e colisões, para não falar nas distracções dos automobilistas que investem pelos túneis em Gaia? E já repararam como várias linhas de eléctrico, quando chegam a um troço comum de túnel obrigam-se entre si a ter intervalos de frequência enormes?
Será o exemplo do metro ligeiro do sul do Tejo? em que o inquérito ao atropelamento mortal não conclui por uma coisa muito simples: o atropelamento ocorreu porque os decisores acharam que era preferível agredir o solo e os passantes do que agredir o subsolo.
Será que acha bem sujeitar os peões aos riscos dos “eléctricos rápidos”?
Não acredite, senhor Presidente, quando especialistas lhe disserem que é possível atenuar os riscos.
Não é.
A circulação à superfície, por mais “sítio próprio” que lhe esteja dedicado, será sempre fonte de colisões e de atropelamentos, e de atrasos devidos aos cruzamentos (o veículo ferroviário tem sempre de abrandar à aproximação porque tem distâncias de travagem superiores aos veículos de pneus).
Já há acidentes no metro clássico que não se conseguem evitar; no metro ligeiro ou “de eléctricos rápidos” muitos mais haverá. Não queira ser responsável por isso.

Peço-lhe, senhor Presidente, que aceite os melhores cumprimentos de um munícipe que neste momento se encontra muito desanimado com o futuro da cidade e que lhe deseja as melhores felicidades, à cidade e ao senhor Presidente.

Fernando Santos e Silva
R.Cipriano Martins, 12
1700-108 LISBOA
ID munícipe 231131

domingo, 19 de julho de 2009

Economicómio XVI – Hartmud, o Viking

Hartmud, o Viking, assim chamado por ser grande e de bigodes ruivos, já não vinha a minha casa há 35 anos.
Esteve comigo pouco depois do 25 de Abril de 1974. Era militante do partido comunista da RDA e tinha vindo estudar a nossa revolução.
Quando lhe perguntei por que os alemães da parte ocidental eram tão orgulhosos da sua economia florescente que encaravam com desdém os seus compatriotas de leste, respondeu-me que as leis da história e do desenvolvimento económico eram compatíveis com isso mas que acabariam por se impor.
Não pude retribuir a visita porque tinha sido admitido havia pouco no metropolitano de Lisboa. Mas a minha mulher pôde retribui-la. O que mais a impressionou foi ver as pessoas que habitavam pequenas povoações no interior, com o ar mais normal do mundo, com o mesmo aspecto das que viviam na cidade, de aspecto pacífico, tranquilo, satisfeito.
Sabemos agora que a gestão da coisa pública padecia de afastamento das realidades e que não era sustentável. Também não era aceitável morrer gente junto do muro de Berlim, nem aceitáveis eram os métodos da Stasi.
Porém, o facto era que as pessoas tinham segurança social e acesso ao emprego, que são dois dos direitos da declaração dos direitos do homem que actualmente os economistas que nos governam acham que não é preciso cumprir.
Por isso Hartmud insistia que o problema não era da essência do modelo, que ele podia ser modificado para melhor, mas que a grande questão era que as pessoas também tinham de se modificar, e isso podia levar ainda gerações.
Possivelmente Hartmud tinha estudado os intangíveis de Keynes (Keynes justificou a grande depressão por razões intangíveis da psicologia das multidões: que de repente acharam que a economia estava a piorar e cortaram nos consumos, gerando excesso de produção) e intuiu que o socialismo exige a adesão das pessoas e que às pessoas lhes custa libertar-se dos seus genes egoístas. Ou, como se diz em coloquial português, sem socialistas não pode haver socialismo.
Verdade que Hartmud se referia mais às pessoas do lado ocidental, pelo que terá ficado muito desiludido com a queda do muro de Berlim.
Mas o mundo continuou a dar as suas voltas e eis que Hartmud está de novo em minha casa.
- Fascinante, toda esta evolução – disse Hartmud - a capacidade produtiva em extensão e em qualidade técnica evoluiu de tal maneira no último quartel do século XX que nenhum modelo matemático de economia podia simular a realidade. As pessoas não aderiram ao ideal socialista, mas as leis do processo histórico e da economia, agora a um outro nível mais elevado, funcionavam. Os países do mundo ocidental produziram uma economia mais forte do que do lado do Comecon, a gestão do problema da energia deste foi catastrófica e ineficiente, a formidável máquina de propaganda ocidental moldou a opinião das pessoas: crimes contra a humanidade era tudo a leste.
Entregue à ideologia neo-liberal ou ultra-liberal em período de abundância do petróleo, a economia continuou a evoluir de acordo com as leis da economia, como não podia deixar de ser, passe a redundância.
A globalização de sentido único (por exemplo, os USA e a EU têm restrições à importação de produtos agrícolas de África, mas esta nem condições tem para impor restrições), sabe-se agora, quase 20 anos depois da queda do muro, conduziu a um fosso maior entre ricos e pobres, apesar do extraordinário progresso técnico (Marx dizia que o progresso técnico servia para aliviar o esforço necessário de quem trabalha, desde que as mais valias não se acumulassem desigualmente…).
O mercado a funcionar não cumpriu a profecia de Adam Smith. O interesse individual não pode beneficiar o interesse colectivo, como na fábula do lobo e do cordeiro (este, por mais que demonstre que bebendo água do regato a jusante, não pode estar a prejudicar o lobo, acaba na barriga dele). Basta uma pequena assimetria de informação e o mercado está distorcido.
- É verdade - assenti eu – ainda hoje noticiaram o julgamento do antigo presidente da Telefónica espanhola. Antes de ser presidente da Telefónica, foi presidente de uma empresa, a Tabacalera. A dado passo, em período de alta, vendeu as acções que detinha. Depois, anunciou o negócio de venda a uma grande empresa, dando a entender que o objectivo desta era fechar a Tabacalera. As acções da Tabacalera vieram naturalmente por aí abaixo, que é para o que serve a Bolsa, para dar a cotação que as pessoas do meio têm do valor de uma empresa. Voltou a comprar as acções, agora a um preço muito inferior, e resolveu conservá-las e manter a Tabacalera a funcionar. Ganhou quase 2 milhões de euros com o negócio. O tribunal considerou provado o crime de inside trading, mas não o condenou porque o crime prescrevera entretanto. O homem há-de pensar, com uma certa razão, que o comum dos cidadãos é tonto.
- É isso mesmo, as mais valias geradas com a venda de acções são muitas vezes imorais, mas não se pode provar a ilegalidade, porque existe assimetria de informação. Eu penso que os beneficiários de mais valias elevadas sabem que esse é um benefício que não pode ser generalizado a toda a população. É um prémio que só sai a alguns. Portanto é uma assimetria, uma desigualdade, e essa é a essencia do ultra-liberalismo no que tem de anti-democrático. Só alguns podem ter o prémio. É o contrário do que diz o lema da revolução francesa - "égalité".
Outros exemplos de que a economia não pode funcionar muito tempo em regime ultra-liberal foram os casos da economia de casino dos sub-prime, das contas off-shore e das promessas de remunerações elevadas de fundos de investimento piramidais.
Tudo consequências do “laissez faire, laisser passer”.
- E contudo, as próprias pessoas, intoxicadas ou não pela propaganda das virtudes do mercado, apoiavam essas formas de actuação. E continuam a votar em partidos de direita, como se estivessem à espera de que lhes saia o prémio.
-Sim, mas só apoiaram as práticas até ser demonstrada a insustentabilidade do esquema, só até esgotarem a capacidade de absorção pelo sistema dessas práticas.
Já tinha acontecido com a grande depressão de 1929. Voltou agora a acontecer. Pode ser que os economistas dos governos, agora que já não estamos em abundância de petróleo barato, desenvolvam políticas de investimento, com mais contenção das grandes empresas, que abandonem o dogma dos limites do défice e combatam a correlação entre o custo de vida e o desemprego (a curva de Philips: para conter a subida dos preços, aumenta-se o desemprego para diminuir o poder de compra e, consequentemente, diminuir a procura e baixar os preços).
E também pode acontecer que as pessoas aprendam com a repetição da história, embora muitas vezes votem contra os seus próprios interesses.
Por exemplo, as últimas sondagens indicam que os alemães de leste acham que viviam melhor no tempo da RDA, e os do lado ocidental dizem o mesmo, relativamente ao lado ocidental, claro. A comunicação social não divulgou muito os resultados porque contraria o preconceito de que tudo na RDA estava mal.
Talvez a questão não seja de ideologia, mas de questões técnicas de qualidade de vida sustentável.
Repara que as pessoas votam em políticos de direita porque eles até tomam algumas decisões correctas no meio desta confusão.
O problema é que a correcção no meio da barafunda pode ser o que fez agora a Califórnia, a 10ª economia mundial, à beira da falência. Fez o mesmo que o subdesenvolvidissimo Afeganistão: promoveu a produção e distribuição de marijuana como principal actividade económica do estado (depois de a legalizar, para “fins medicinais”, claro), à frente de silicon valley, de Hollywood, do vinho californiano. As receitas dos impostos que estão a ter estão a equilibrar as contas públicas. É a nacionalização do vício.
- Meu caro Hartmud, ainda bem que o muro caiu. Assim deixou de ser o socialismo a ter a culpa de tudo, a ter de andar a violar direitos humanos.
- É, só que é como os intangíveis do Keynes. As pessoas também têm de mudar.
- Claro. O problema da marijuana na Califórnia e no México, do ópio no Afeganistão, da cocaína na Colômbia, é exactamente o obstáculo que isso representa à educação das crianças desses países. Era por aí que a humanidade podia progredir, mudar um bocadinho, educar as crianças, todas.
E agora que já sabemos como se resolvem os problemas do mundo, Hartmud, vamos tomar um café. Eu depois mando-te um email com os resultados das nossas eleições.

sábado, 18 de julho de 2009

Nó de Alcantara e concessão do terminal de contentores - O TC também discorda

Que prodígio.
Eu a concordar com os burocratas líricos do Tribunal de Contas(sem ofensa, a actuação do TC tem grande valor para a qualidade da sociedade).
O negócio do terminal de contentores de Alcantara foi nocivo para o interesse comum.
Discorda do TC o senhor ministro Mário Lino e eu talvez compreenda por que ele discorda.
Porque a compensação pela "entrega" da concessão será a construção do "nó de Alcantara". Como o "nó de Alcantara" é um perfeito disparate, é evidente que o negócio é nocivo para a comunidade.
Mas se o senhor ministro Mário Lino acredita que o "nó" não é um perfeito disparate, também é evidente que então acredita que o negócio foi bom.
Embora eu julgue já ter apresentado algumas razões para justificar porque é um disparate (não, senhor presidente da Câmara de Lisboa, o nó de Alcantara não é positivo, o senhor não é técnico de transportes e provavelmente anda mal aconselhado neste tema), eu repito:
1 - a geologia do terreno em Alcantara é má (aluvião e aterro); recordo o acidente do tunel do Terreiro do Paço; os desnivelamentos em Alcantara deveriam ser em niveis superiores, em viadutos e não em subterrâneo (aliás, duvido que a Mota-Engil não venha a desistir da construção da mega estação enterrada; duvido também que não venha a descobrir "n" razões para não suportar a totalidade dos custos dos desnivelamentos, necessariamente caros devido à natureza dos terrenos);
2 - a solução técnica correcta para a localização do terminal de contentores não é em Alcantara, mas sim na Trafaria com o fecho da Golada (eu sei que é cara a ligação ferroviária à linha do sul em Corroios, mas estou a responder à questão: "onde é a localização tecnicamente correcta do terminal de contentores?", e não à mais barata, e, mesmo assim, não estou a contabilizar os benefícios da diminuição da perda de areias na Caparica graças ao fecho da Golada);
3 - a ligação das linhas suburbanas de Estoril e de Sintra através de Alcantara e da linha da cintura parte do pressuposto errado de que a capacidade desta (linha da cintura) é infinita, o que eu penso estar dispensado de demonstrar que não é; para ligações entre linhas suburbanas em meios urbanos costuma-se usar linhas de metro.
Recomenda-se fortemente o artigo do Eng.Cerejeira a explicar por que a solução do fecho da Golada é a correcta: http://www.anmpn.pt/informacoes/2008/informacoes20081025.htm

Bruxelas ardeu

Facto 1: no ano passado, o tecto falso do parlamento europeu, em Estrasburgo, abateu; não estava ninguém no hemiciclo, pelo que ninguém morreu
Facto 2: este ano ardeu parte do edifício da presidência da União Europeia, revelando incumprimento grave na utilização de materiais na sua construção
Facto 3: descobriu-se também este ano que a cobertura do parlamento europeu, para alem do colapso do tecto falso, contem materiais inflamáveis anti-regulamentares; concluiu-se que o empreiteiro executou mal o trabalho e tentou enganar o cliente

Conclusão: algo vai mal nos orgãos máximos da Eurocracia, primeiro porque as virtudes da livre concorrência conduzem muitas vezes à baixa qualidade de execução, e segundo porque os ditos órgãos máximos não o querem reconhecer. Acreditarão em regulamentos, cadernos de encargos bem feitos, projectos completos, fiscalização rigorosa.

Mas eu, que tenho pouca experiência destas coisas, mas não posso dizer que não tenho nenhuma, afirmo que só com empreiteiros honestos, profissionalmente qualificados e só razoavelmente preocupados com o lucro poderão as obras ser bem executadas.
Não peçam demais à fiscalização nem regulamentem demasiado (como eu gostaria que o Tribunal de Contas me ouvisse), nem esperem que seja possível elaborar um projecto antes do concurso sem que alguma coisa fique esquecida.
As coisas só funcionam se do lado do cliente estiver um técnico honesto e do lado do empreiteiro também; a honestidade não se decreta nem se regulamenta (nem, raciocinando por simetria, se poderá por regulamentação garantir o sucesso da luta contra a corrupção, até porque ninguém assina um recibo de luvas, tanto quanto eu saiba).

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Energis IV – As curvas de Hubbert

Com a devida vénia, comento o que aprendi num livrinho que um amigo me recomendou: O fim do petróleo (J.H.Kunstler – ed.Bizancio).
Eu diria que o livro tende para o pessimismo e para o quase catastrófico. Não tem em consideração alguns progressos nas tecnologias que melhoram a eficiência da conversão de algumas formas de energia de maior utilização no futuro. Mas a visão sobre a necessidade de racionalizar a utilização dos combustíveis fósseis não renováveis é muito lúcida.
Lucidez não é a qualidade mais apreciada pelos eleitores e pelos abstencionistas, mas será um critério para analisar a questão da energia.
O livrinho explica umas curvas curiosas, as curvas de Hubbert, relativas à produção de petróleo, e relaciona-as com as perturbações políticas e militares.
Pormenorizando:
Curva da evolução da descoberta de poços de petróleo nos USA: a descoberta de poços de petróleo no território dos USA começou significativamente no início do século XX, atingiu um máximo nos anos 30 e decaiu desde então até valores insignificantes, exceptuando-se a descoberta no Alasca nos anos 60;
1ª curva de Hubbert ou o pico da produção de petróleo nos USA – a curva da evolução da produção de petróleo nos USA segue a curva da descoberta com uma desfasagem de cerca de 40 anos. Isso quer dizer que o pico da produção do petróleo nos USA ocorreu nos anos 70 (i.é, a produção anual decaiu depois desses anos para cerca de metade), com a agravante do pico ter coincidido com a data a partir da qual a produção de petróleo nos USA é inferior à procura.
Curva da evolução da descoberta de poços de petróleo no exterior dos USA – a descoberta de reservas de petróleo atingiu o seu máximo nos anos 60, com o Alasca e o Mar do Norte, embora actualmente se verifiquem algumas descobertas de poços exploráveis (i.é, em que é possível retirar mais energia do petróleo extraído do que a energia necessária para ao extrair).
2ª curva de Hubbert ou o pico da produção de petróleo no exterior dos USA – extrapolando, com o que isso tem de falível, mas de provável, se a curva do pico acompanhar com uma desfasagem de 40 anos a curva das descobertas, teremos o pico da produção mundial na primeira década do século XXI. (por curiosidade, a Rússia atingiu o pico em 1986, o Mar do Norte em 2004 com as perturbações que suscita na Inglaterra, a Venezuela nos anos 70…)
E, de facto, há indícios de que a produção mundial de petróleo está a decair e é expectável deixar de contar com o petróleo depois do meio do século XXI.
Por outras palavras, a produção anual mundial de petróleo tem tendência a baixar até ao ponto em que o petróleo restante não é rentável (haverá sempre crentes que acreditarão em milagres de melhorias de rendimento de extracção; porém essas melhorias não inverterão as tendências), e esse ponto estará provavelmente a 40 anos de distancia.
Mas os economistas, os políticos e os eleitores comportam-se calmamente reivindicando gasolina mais barata para os seus automóveis.
Interpretam o direito à mobilidade como o direito a desperdiçar petróleo queimando gasolina no transporte individual. Todo o conceito de transporte automóvel individual tem de mudar (por exemplo, na Holanda, a velocidade máxima nas auto-estradas é 90 km/h).
Talvez os economistas já tenham percebido que têm de conter o desenvolvimento económico para evitar o aumento da procura de um bem não renovável que cada vez se produz menos… O que seria demasiado maquiavélico: como o principal combustível deixou de ter capacidade de resposta à procura, vamos arrefecer a economia, baixamos os PIB, aumentamos o desemprego para conter a inflação, com a inflação contida podem fazer-se guerras …
Dir-se-ia que é urgente mudar de combustível. Já mudámos para o gás, temos de voltar ao carvão, renováveis é para continuar, e do nuclear não escapamos.
Tinha razão o professor Ilharco, a energia é o problema fundamental da humanidade.
Se não pudermos contribuir para a resolução dos problemas, ao menos que os compreendamos.
E, por favor, não me interpretem mal. Não estou a dizer que não devemos andar de automóvel nem consumir combustíveis derivados do petróleo. Estou apenas a sugerir que o devemos fazer de modo a prolongar o seu uso, reservando-o cada vez mais para fins específicos (aviação comercial, p.ex) e a poder preparar-se calmamente a transição para outras fontes de energia, provavelmente com critérios de economia de consumo diferentes. De modo a que as novas gerações não tenham o desgosto de ver secar a torneira,

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Energis III – O rotulamento da EDP

Aconteceu uma coisa extraordinária.
Que todos podem ver.
Todos, os que têm um contracto com a EDP.
Que receberam um folhetozinho assim intitulado: “Rotulagem de energia eléctrica”.
É extraordinário, acreditem. É um progresso.
Já sabemos qual é a contribuição de cada forma de produção de energia, a sua quota, para a energia eléctrica que consumimos.
Eu devia estar contente. Há anos que precisávamos disso para avaliar a “pegada ecológica”, como se diz agora, do passageiro de transportes colectivos em ferrovias electrificadas.
Mas por isso mesmo faço essa reflexão melancólica: há 5 anos pedi formalmente à EDP esta informação, enquanto técnico de uma empresa de consumo intensivo. Chegou agora a minha casa no âmbito de clientes particulares. Só posso aplaudir o respeito pelo direito à informação dos cidadãos e das cidadãs, mas a verdade é que durante 5 anos não foi respeitado o direito à informação de uma empresa utilizadora intensiva de energia eléctrica, pelo que aqui registo o facto.
Já sabemos qual é a nossa contribuição doméstica para a produção de CO2, oxido nítrico e outros que tais. Juntamente com o CO2 por km dos nossos carros, já estamos mais perto de saber quantas árvores tínhamos de plantar para tornar inocente a nossa passagem pelo planeta Terra.
Observo ainda que será um pouco estranha a designação: rotulagem. Alguém achou, provável mente aconselhado por consultores de comunicação, que quotas, peso, parte, distribuição (“share” como dizem os especialistas de TV) em função da origem da energia não era bonito, e que rotulagem é que era. Não ter saído labelização terá sido sorte.
Como quem põe “n” rótulos na energia recebida: 14% para a energia hídrica, 21% para o carvão, 5% para a energia nuclear. Ups, energia nuclear. Repararam no ar cândido com que a EDP informa que se trata de parte da energia importada, e que os resíduos radioactivos ficaram no país de origem. Engraçado. Dir-se-ia que tínhamos direito a 5% de resíduos. Mas isso é outra discussão, por mais que as pessoas mais crentes em fadas acreditem que as energias renováveis vão chegar para os consumos futuros (mau sinal, se chegassem, queria dizer que os consumos seriam reduzidos). E pode ser que esta informação contribua para nos habituarmos à ideia de que mais cedo ou mais tarde vamos ter uma central nuclear com o cortejo de críticas com a ciência fora da equação como de costume.
Quanto ao gás natural, são cerca de 41% (falta a EDP explicar as quotas de produção por fuel e por gás na cogeração por regime especial, o que configura outras burocracias).
Assinale-se ainda o peso da energia eólica: cerca de 10%, com hipóteses de aumentar e de ser utilizada de forma mais eficiente na produção de hidrogénio e na bombagem em albufeiras (nesta, ao menos o doutor Pinho acreditava).
Em termos médios, serão 400 g CO2/kWh, o que não é muito mau. Como 1 kWh que o Metropolitano de Lisboa consome (incluindo edifícios) serve para transportar 8 passageiros.km, quer dizer que cada km percorrido por 1 passageiro emite 50 g de CO2 (o nosso carrinho a acelerar para o Algarve, com 2 pessoas a bordo, emitirá o dobro por pessoa e por km, sem contar a energia necessária para manter e abastecer os postos de combustível, nem a energia necessária para manter a auto-estrada…) .
Nada mau, como disse, mas é uma pena ser só a EDP a controlar este indicador. Deve ser possível obter uma convergência inter-sectorial…
Enfim, numa palavra, a rotulagem é um progresso.
Mais informação sobre "rotulagem" no sítio da ERSE: http://www.erse.pt/pt/desempenhoambiental/rotulagemenergetica/Paginas/default.aspx
Aqui se refere a lei 51/2008 que obriga a facturação a indicar a origem da energia primária de que derivou o nosso consumo de energia eléctrica. É uma lei concisa e clara, que deixou para a ERSE ou para a EDP o odioso da criação deste barbarismo: "rotulagem"...

terça-feira, 14 de julho de 2009

Economicómio XV – o deficit das contas públicas

Leio hoje no DN que o deficit nos USA atingiu cerca de 800 mil milhões de euros. Como sou ignorante em Economia, fiquei sem ter a certeza de que este valor será a diferença entre as despesas e as receitas desde o inicio do ano (a menos das variações dos activos e da moeda, dizem os manuais).
Mas o que interessa para o caso, como não temos bem a noção precisa da grandeza (o deficit em Portugal será este ano cerca de 6 mil milhões de euros e o PIB de 160 mil milhões de euros?), é que os economistas dos USA começam a preocupar-se com as ameaças de inflação (pudera, com aquele esforço de guerra) e de aumento das taxas de juro.
Nós por cá, desde o sr Trichet do BCE, achamos que que o que é bom é taxas de juro baixas e inflação nula.
Eu, que sou ignorante em Economia e não tenho habilitações para fazer afirmações técnicas da especialidade, diria que esse é um comportamento lesivo do nosso bem estar futuro, agravado pelas dificuldades de abastecimento energético.
Mas tudo isso é muito discutível e a altura é para comemorar o projecto Nabuco.

Vietnam, Vietnam ... Afeganistão, Afeganistão ...

A imagem que reproduzo é a do monumento inaugurado em Washington para homenagear as vítimas da guerra do Vietnam, nos 50 anos das primeiras vítimas americanas.
Morreram 59 mil norte-americanos e 2 milhões de vietnamitas.
Para além das mortes, ficaram registados os efeitos das bombas napalm, dos desfolhantes laranja e das dioxinas.
O principal ideólogo da guerra foi o secretário de Estado Robert Mc Namara.
Argumentava-se na altura que era preciso conter o perigo vermelho.
Se utilizarmos critérios meramente economistas, dir-se-ia que era preciso evitar que os meios de produção do Vietnam fossem predominantemente públicos.
Se utilizarmos conceitos adam smithistas, dir-se-ia que era preciso garantir a liberdade económica e a iniciativa privada.
Diriam uns, na altura, porque outros sempre consideraram a guerra do Vietnam uma agressão, e erradamente fundamentada, mesmo com aqueles pressupostos.
Porque outros, na altura, exprimiam claramente a sua oposição à guerra e cantavam “All you need is love” e passeavam o símbolo da paz “Make love not war”.
Os filhos da burguesia do nosso país, já ameaçados pela nossa guerra colonial, apanhavam o avião para Londres e assistiam ao musical Hair e à sua representação da crucificação de mais um soldado norte-americano vítima da guerra (www.youtube.com/watch?v=EhbxI5eVnM4).
When the moon is in the Seventh House
And Jupiter aligns with Mars
Then peace will guide the planets
And love will steer the stars
Era o tempo em que os filhos da nossa burguesia (alguns, claro) contemplavam maravilhados o movimento da primavera marcelista, ouvindo os nossos economistas falar sobre o fim do condicionamento industrial, sobre a necessidade de canalizar os meios desperdiçados com a guerra colonial para a reindustrialização do país: Alqueva, o porto de Sines. Mas o doutor Marcelo preferiu dar ouvidos, receoso, à parte da tropa que ficou conhecida como brigada do reumático, que estava desligada da realidade, e que não gostava de canções de intervenção.
Por isso os filhos da nossa burguesia se deixavam encantar pelos cantores de intervenção contra a nossa guerra colonial e contra a triste ideologia que insistia na sua manutenção: José Afonso, Adriano, Fanhais, José Mário Branco, Manuel Freire, José Jorge Letria, Intróito, Fausto, Ary dos Santos.
Os crentes das virtudes quase divinas do adam smithismo sempre tiveram alergia aos cantores de intervenção. A polícia política da altura também lhes tinha alergia. Também os proibia de cantar nas pequenas colectividades de cultura e recreio por esse país fora.
Até que ponto este pequeno e discreto movimento contribuiu para abrir os olhos aos tenentes e capitães que executaram a revolução de 25 de Abril? Curioso, ter havido um espectáculo com os cantores de intervenção no Coliseu dos Recreios, em 30 de Março, menos de um mês antes… registado no relatório da polícia política como sem problemas.
E como o código genético dos norte-americanos é o mesmo do nosso, também a guerra do Vietnam teve um fim.
O ideólogo Mc Namara teve depois tempo para analisar o que tinha feito e escreveu, 30 anos depois:
“Estávamos horrorosamente enganados”.
Este facto é extremamente importante na história do século XX. O reconhecimento, a trinta anos, do erro da guerra.
Mc Namara compreendeu finalmente que as guerras se ganham na economia (quanto mais não fosse por razões etimológicas: oikos, a nossa casa), com os povos a produzirem e a trocar. Não com dioxinas teratogénicas.
Mas o mal estava feito.
O problema é que continua a fazer-se.
Sintetizando, havia umas pessoas com poder de fazer a guerra em 1959 que a queriam fazer e fizeram.
Havia outras pessoas que não queriam que a guerra se fizesse e passaram os anos seguintes a protestar até que a guerra acabou.
Mais uns anos, e as pessoas que tiveram o poder para fazer a guerra reconheceram que estavam erradas.
Dir-se-ia que estamos todos de acordo.
Mas não, o embuste continua, porque já chegámos todos à conclusão de que a guerra do Iraque foi um erro (não havia as tais armas de destruição maciça, pois não? Foi embuste) embora para isso tivesse sido preciso eleger como presidente dos USA uma pessoa que fosse dessa opinião, mas, e o mas é do tamanho do planeta Terra, mas agora temos a guerra do Afeganistão.
Bom, sintetizando outra vez, agora temos umas pessoas que têm o poder de fazer a guerra e dizem que tem de se fazer a guerra do Afeganistão.
E há outras pessoas que continuam a usar o símbolo e o lema da Paz, “Make love, not war”, e pedem o fim da guerra.
Claro que quem defende o fim da guerra do Afeganistão é agora acusado de tudo.
Mas já temos tanta experiência de sermos acusados de tudo… confesso que corremos o risco de cair no erro do método indutivo: apesar de na situação “n” estarmos certos em condenar a guerra “n”, e no momento “n+1” voltarmos a estar certos em condenar a guerra “n+1”, é sempre possível que na situação “n+j” estejamos agora errados.
E contudo, como é possível haver uma guerra justa? E muito menos santa, claro. Não é verdade que se ensina nas Academias militares que os soldados existem para defender, não para atacar? Podemos divergir na interpretação do que é defesa. Por exemplo, uma granada defensiva está programada para matar num raio superior ao do raio de uma granada ofensiva. Dir-se-ia que será mais uma razão para ninguém atacar ninguém.
Além de que “j” está tomando uma grandeza colossal.
Permitam-me recordar.
1 - Benjamim Franklin foi nomeado embaixador dos jovens USA em França, no período revolucionário. Os sucessivos relatórios que enviou para Washington foram classificados como irrealistas (será que a análise de Henrique Granadeiro é de aplicação mais abrangente do que parecia? Que desempenhar cargos governativos afasta do contexto e da realidade?), até que surgiu a ordem de demissão do embaixador. O comportamento do governo dos USA prejudicou ambos os países, a França e os USA.
2 – o embaixador dos USA em Angola, antes de Novembro de 1975, recomendou insistentemente ao seu governo que apoiasse o MPLA. Gerald Ford e Henry Kissinger acharam que não podia ser porque no MPLA eram todos comunistas. Uma das consequências deste afastamento da realidade foi a guerra civil de Angola.
3 – quanto ao Iraque, é do domínio público. Não havia as tais armas de destruição maciça, havia sim a necessidade de obtenção de petróleo (é do domínio publico a ligação da família do vice-presidente dos USA da altura à empresa de comercialização do petróleo iraquiano), que é de facto um problema fundamental para qualquer povo. Para além das mortes de soldados das forças de intervenção e dos civis e soldados iraquianos, existe outro dano irreversível que parece perseguir os exércitos americanos: perdeu-se uma parte demasiado grande do património do Museu de Bagdad. O valor do que se perdeu, só por si, justificava não se ter feito a guerra. O irónico é que em universidades dos USA existem especialistas do património histórico que são desta opinião. No próprio exército de intervenção houve oficiais que conseguiram salvar alguma coisa. Mas o balanço geral, do ponto de vista museológico, é uma catástrofe (recordo aqui que os edifícios de Pompeia foram danificados, por ordem crescente de destruição: 1-pela erupção do Vesúvio no que não foi conservado pelas próprias cinzas, 2- pela intervenção popular ao longo dos séculos, 3-pelo terramoto que ocorreu poucos anos antes da erupção, 4-pelo bombardeamento pela aviação aliada em 1943).
Como foi possível bombardear as ruínas de Pompeia?
Como foi possível destruir parte do Museu de Bagdad, memória do nascimento da nossa cultura? (revejam os manuais de história: a nossa civilização nasceu centrada entre os dois rios Tigre e Eufrates; isso é sagrado para qualquer especialista nas universidades dos USA).
Então, para que “j” não me deixe ficar mal, tenho de fazer votos para que os historiadores das universidades dos USA expliquem ao seu presidente o teorema dos imperadores romanos:
A distancia das fronteiras do império à capital é definida pela quantidade de energia alimentar (recorda-se que na altura o factor de produção mais importante era a escravatura que dependia da alimentação) que pode retirar-se do interior das fronteiras e distribuir pela população do império, versus a energia militar necessária para conquistar e manter as fronteiras.
Isto é, só deviam ampliar-se as fronteiras se a energia cerealífera que pudesse retirar-se dessa ampliação fosse superior à energia necessária para manter os exércitos e a paz das populações no interior das fronteiras mais a energia necessária para transportar e distribuir a energia cerealífera.
Então, novamente então, talvez os historiadores das universidades dos USA consigam convencer o seu presidente que só é útil, do ponto de vista energético, ocupar o Afeganistão se, e só se, a energia que se retirar dessa ocupação for suficiente para pagar o esforço militar e beneficiar as populações ocupada e dos USA.
A experiência da história universal ensina que raramente (outra vez o problema da incompletude de “j”, i.é, como poderei demonstrar que se “n” é, se “n+1” é, então “n+j” também é?) um esforço militar desta ordem não provoca uma pressão inflaccionista insuperável.
No caso do Afeganistão essa pressão será naturalmente extensiva aos aliados.
Até ao momento em que Washington se convencerá de que a situação será insustentável e dirá: “estávamos enganados”.
“Horrorosamente enganados”. Com consequências irreversíveis.
Horrorosamente, também, pobre Afeganistão.
Porque as suas professoras são assassinadas nas escolas.
Porque as suas mulheres polícias são assassinadas nas ruas.
Porque as meninas são assassinadas no percurso para a escola.
Porque os assassinos só serão vencidos quando uma nova geração for educada acreditando que as mulheres têm direito à educação. As mulheres e os homens. Perde-se tempo com a guerra, quando o problema é de escolas. De escolas onde se ensine que Khadidja (primeira mulher de Maomé) e Aisha (a última mulher de Maomé) eram mulheres livres e instruidas, como todas as mulheres muçulmanas devem ser. Para que todos possam cumprir a lição de todas as guerras anteriores: que é necessária a Paz para produzir e trocar os bens.
Esse, o das escolas, é que deve ser o teatro de operações.
Não a guerra.
Pode ser que os historiadores das universidades dos USA consigam explicar isso.
Ou será que agora, finalmente, sou eu que estou enganado, e o problema não tem mesmo solução? Que estamos perante uma incompletude trágica?







terça-feira, 7 de julho de 2009

Economicómio XIV – O estranho caso da GM

O estranho caso da GM mostra como é mesmo estranho o mundo dos automóveis.
Quando seria de esperar uma racionalização e uma contenção nos custos dedesenvolvimento e nos consumos, eis que que os grandes fabricantes aumentam a potência dos seus novos modelos. Isto é, convertem as melhorias de eficiência energética em desperdício por maiores acelerações.
Isto a propósito da nacionalização da GM. A partir de hoje, a GM norte americana passa a ser propriedade do governo americano (60%), do governo canadiano (12%) e de sindicatos de trabalhadores (18%).
Há uma analogia com o estranho caso de Benjamim Button. A GM em vez de envelhecer, rejuvenesce, chega aos tempos de Marx e nacionaliza-se. Ainda por cima com um brinde quase cooperativo (mais parceria) de dar sociedade aos sindicatos.
Como se costuma dizer, o que é bom para a General Motors é bom para os USA.
Logo, nacionalize-se, abram-se parcerias com os trabalhadores (será uma sugestão para a Auto-Europa?) e internacionalize-se a posse dos factores de produção (neste caso veja-se a detenção pelo governo chinês de obrigações do Tesouro dos USA).
Como estão calados os arautos que ainda há pouco mais de um ano escreviam nos jornais que o Estado tinha de se ir embora (deixa o menino dormir um soninho descansado?). Nunca perceberam a diferença entre Estado e comunidade. E é a comunidade que deve organizar-se no seu próprio benefício e tomar posse dos meios de produção sempre que isso for do seu interesse. Porque diabolizaram a palavra Estado? (talvez porque efectivamente está sujeita ao desfrute e à violação por grupos de políticos e de quem tenha dificuldade em “conhecer os contextos e as realidades “ – passe o modesto tributo a Henrique Granadeiro).
Mas não estou contente. Estou quase como a noiva de segunda escolha. Não era assim que eu queria ver uma empresa como a GM nacionalizada. Foi preciso a noiva da primeira escolha, a do sub-prime, do Madoff e dos off-shores ir dentro, por um tempo superior ao prazo de frescura da noiva, para o governo dos USA desposar a GM.
Ora, ora, nada que a Tatcher não tenha feito em plena euforia neo-liberal dos anos 70, a nacionalizar parte da Chrysler inglesa e da BP.
Mas não é esse o cerne da questão. O problema é que a nacionalização da GM tem todo o aspecto de ser a socialização dos prejuízos para ver se ainda pode privatizar-se algum benefício.
Para já, a GM europeia, amputada da casa mãe, está na praça da jorna, em leilão: ou fica para os canadianos da Magna, ou vai para os chineses, para transferência de tecnologia seguida de fecho (foi precisamente o que aconteceu à Rover há uns anos, depois de terem vulgarizado o motor de gasolina de 1400 cc de maior rendimento; fechou em Inglaterra, o caso está nos tribunais por suspeita de falência fraudulenta, e novos e clonados Rovers circulam animadíssimos na China. Na altura, todos os jornalistas arautos do neo-liberalismo convenceram os seus leitores de que as empresas que não conseguiam lucros deviam fechar; uns leitores convenceram-se e outros não).
O problema é mesmo grande, porque o que se está a socializar no caso da GM é uma estratégia de produção de automóveis que ainda não quer ver que tem de ser radicalmente alterada no sentido não apenas da eficiência energética, mas da economia de energia.
Os automóveis não deviam ser modelos apelativos que convidam a acelerar (começam a aparecer modelos de marcas de luxo que, mesmo sem serem híbridos, conseguem rendimentos energéticos muito bons graças à geração de energia eléctrica durante as travagens que vai carregar uma bateria responsável pela alimentação da parte eléctrica do automóvel, e graças à desligação do motor quando parado. Mas a potência do motor é tal que o convite a acelerar e gastar energia em valor absoluto é irresistível).
A coisa até é perversa. A Toyota conseguiu que o Prius seja o modelo mais vendido no Japão. Por ser o modelo mais eficiente energeticamente? Infelizmente não, porque o motor diesel neste momento tem melhores rendimentos e o Prius é de gasolina. Mas porque o governo japonês prescindiu de impostos. Até no Japão a Ciência é deixada de fora da equação graças à força da Economia.
A triste realidade é que, apesar do crescimento da China e da Índia, por um lado não é sustentável (energética e ambientalmente falando) continuar a produzir tantos automóveis, e por outro, não há mercado para absorver a produção de tantas marcas diferentes e de tantos modelos apelativos (o vício que os economistas têm de querer sempre vender cada vez mais).
A opinião pública também não ajuda. Vai-lhe custar muito a aceitar que as velocidades máximas passem a ser nas cidades da ordem de 45 km/h (valor acima do qual a probabilidade de morte por atropelamento é quase 100%) e nas estradas de 80 km/h, e tudo com acelerações máximas da ordem de 1 m/s2 (que é como aceleram os comboios do metro). E se o presidente do ACP descobre que eu escrevo isto, expulsa-me do clube e contrata fotógrafos para me apanharem na auto-estrada para o Algarve a 160 km/h.
Mas pode ser que a opinião pública se vá modificando, à medida que o preço dos combustíveis subir, que o custo do estacionamento nas cidades aumente, que seja preciso pagar portagem para entrar em Lisboa, que os transportes colectivos de massas se desenvolvam.
Pode ser.

domingo, 5 de julho de 2009

Educação IV - O ódio desajustado segundo a senhora ministra da Educação

A senhora ministra disse que a oposição à sua (sua, dela, ministra) acção é um ódio desajustado.
Uma acção que, disse ela, pretendeu ser de continuidade.
Primeiro: quem, como eu, e são muitos neste país, se opôs à política da senhora ministra não lhe tem ódio, nem deseja nada de desajustado. Tive uma experiencia pessoal com o falhanço de um sistema de avaliação (e não é só a questão das quotas); informei-me sobre os factores determinantes do insucesso escolar (a seu tempo, não foi agora) e verifiquei que a política do ministério ignorava esses factores.
Isto é ódio?
Os erros num ministério de Educação aparecem 5 anos depois, com o comportamento em fim de adolescência. Se a política de Educação falhou, essa geração vai falhar. É o salto geracional com que o outro senhor justificava o aumento da criminalidade juvenil.
Ódio desajustado por dizer isto? E que dizer dos principais órgãos do país, a dizer para deixar trabalhar a senhora? Só me faz lembrar o residente não executivo da PT: “Pelo que dizem, ou estão fora do contexto ou estão fora da realidade”. Choisissez!
Segundo, continuidade? Então a política deste ministério não era a das reformas? Infelizmente, concordo, foi de continuidade. As políticas infelizes de Educação já vinham de trás, e este ministério deu continuidade. Nisso concordamos.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Educação III -Novo sistema de avaliação nas escolas

Só faltavam 5 minutos para terminar a aula quando o menino Manelinho, que estava no quadro a ser interrogado para ver se subia a nota, desagradado com um comentário do menino Zézinho, reagiu de forma menos própria.
O menino Zézinho gritou logo: “Setôra, aquele menino fez-me um gesto feio”.
Toda a turma fez um bruá-á-á, entusiasmadíssima com a diversão porque o problema que estava a ser resolvido até era complicado e obrigava a usar a cabeça.
A professora tentou impor a calma e conseguiu que o menino Manelinho pedisse desculpa ao menino Zezinho.
Mas já dois ou três meninos e uma menina tinham filmado o episódio nos seus telemóveis ea as imagens já estavam na Internet.
O director da escola, recem-eleito para substituir o conselho executivo, e que estava com o seu Magalhães a pesquisar casos nas escolas, apanhou logo as imagens e mandou chamar o menino Manelinho.
O menino Manelinho foi logo ali, no gabinete do director, expulso da escola.
Deste episódio fez o gabinete de avaliação do ministério da Educação uma grelha de avaliação das escolas, para a qual se pede a colaboração do leitor, enviando em comentários a sua (sua dele, leitor) avaliação do comportamento de cada interveniente, com a seguinte escala e referências:
0 – comportamento claramente reprovável
1 – comportamento vulgar mas aceitável
2 – comportamento claramente de aprovar
Menino Manelinho – M
Menino Zézinho – Z
Professora - P
Alunos que filmaram o episódio – A
Director – D
Por exemplo, se o leitor acha que todos têm comportamento reprovável, a avaliação seria:
M0 Z0 P0 A0 D0

Não se iniba, avalie.
Quer ver a minha avaliação?
M1Z0P2A0D0
Estuda-se a hipótese de sortear um cabaz de fruta não normalizada pelos respondentes.

Obrigado.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Os pepinos da tia de Bruxelas

Ontem, dia 1 de Julho, foi um dia grande.
Terminou a regulamentação sobre a curvatura do pepino, da banana e da cenoura que impedia a venda dos menos dotados de beleza por Pomona (quem não souber quem é a Pomona dirija-se à estação do metro de Lisboa de Picoas e saia pelo lado Norte, ali mesmo ao lado da sede da empresa que não pode comprar 30% da TVI).
Já podemos comprar pepinos curvos, bananas curvas e cenouras curvas.
Os cidadãos, penhorados e reconhecidos, agradecem aos regulamentadores de escrúpulos excessivos mas agora nisto contidos, que tal nos permitem.
E já agora, vejam lá, os regulamentadores, se aprendem alguma coisa com a prática dos cidadãos que exercem a agricultura de subsistência e de troca, longe da estatística e da dependência do petróleo.
Se aprendem, não se descobrem mais maneiras de a extinguir ou de dificultar a vida dos cidadãos.

Economicómio XIII – As lojas Valentim deCarvalho

Também as lojas da Valentim de Carvalho faliram (só as de venda de discos, que apesar de tudo a edição musical neste país, popular ou clássica, lá vai singrando, mesmo a de música erudita contemporânea).
Os economistas fartaram-se de apregoar as virtudes da concorrência.
Mas os actores da dita comportam-se como na metáfora de Orson Wells.
Atira-se da amurada uns restos de peixe ensanguentados. Na metáfora o sangue, que representa o lucro, começa a atrair tubarões que se vão mordendo uns aos outros, aumentando a presença de sangue nas águas, atraindo assim tubarões cada vez maiores até que algum triunfa.
Orson Wells faz no filme uma cara muito feia para explicar isto.
Então, pelos vistos, neste país só a FNAC pode vender discos (para além dumas pequenas, resistentes e pouco numerosas “tabacarias” familiares).
Também se vende pela Internet, mas é preciso cartão de crédito (os bancos ainda não perceberam que há muita gente que não quer ter cartão de crédito?), quando já podiam ter sido mais aplicados os programas que criam referências multibanco para pagamento pela internet.
Continuo a achar que Melo Antunes tinha razão.
Não são mecanismos teóricos de regulação que podem garantir “transparência” (peço desculpa, mas não acho que o conceito de transparência esteja bem definido enquanto aplicação à economia).
A comunidade deve garantir actores económicos para que a cultura não saia a perder (acredito que a FNAC tem uma política cultural válida, mas são “eles” que a definem…) e que nesses actores económicos os debates sejam abertos e as contribuições também, de modo que todas as correntes de pessoas ligadas às várias especialidades se revejam nos produtos finais (as pessoas existem, que eu sei que existem, ouço-as, vejo-as).
Porém, parece que tem de se alterar o critério de nomeação de dirigentes desses actores económicos (o critério actual é em função do partido que ganha as eleições).
Basta fazer como dizia o general Garcia Leandro: que essas pessoas não estejam muito ligadas aos corredores dos gabinetes ministeriais. E, já agora, fazer como eu digo, que os métodos de tomada de decisões nesses actores sejam de acordo com os critérios estudados em livrinhos que eu gostava de ver mais disseminados: “A sabedoria das multidões”, “Freakonomics”, etc., etc., a coisa é difícil de lá ir, mas aos poucos talvez se consiga.
As coisas que uma pessoa diz, só porque lhe acabaram com a loja onde ela comprava discos, também vendiam partituras de bolso para se seguir a sinfonia durante o concerto, há 49 anos atrás, na Rua Nova do Almada, a descer para o largo da Boa Hora, em frente do Chiado…