domingo, 30 de maio de 2010

Uma das últimas coisas que se devam fazer é anular um concurso



Esta fotografia foi tirada à mesa do meu almoço de há dias.
Não é um restaurante de luxo onde se coma risoto de lagosta (antigamente dizia-se arroz de lagosta, como ainda se diz no Pavão, na rua da Estefânia).
É apenas uma pequena cafetaria gerida por umas senhoras prendadas, onde às vezes como uma tarte de espinafres ou um quiche lorraine com uma salada, no ultimo piso do centro comercial do Chiado.
Ao longe, assinalado, o depósito de combustível pintado de xadrêz, do cais da Quimigal do Barreiro. Perto, há-de passar, em manhãs de nevoeiro, a terceira travessia do Tejo, amarrando um pouco mais para a direita, um ou dois quilómetros terra adentro.
Admitindo que o tabuleiro da ponte fique a 50m do nível médio (se tivessem consultado o Instituto Hidrográfico – se , porque não o consultaram, só pediram cartas marítimas - esse número talvez subisse para 70m, mas eu sou um exagerado, e os marinheiros do Hidrográfico também, quanto mais não fosse para não se repetisse a farsa da ponte do Carregado, que obrigou os varinos a ir ao estaleiro cortar as pontas dos mastros; ai os nossos projetistas do nosso país de marinheiros…) ela precisará de cerca de 4 km desde o nivel 0 até atingir essa altura.
Isto é, para não estar a obstruir o rio com uma altura pequena, tem de entrar francamente nos terrenos do Barreiro até ao túnel previsto.
Lembram-se daquele “prós e contras” em que uns senhores projetistas e administradores da RAVE vieram com sobranceria e arrogância chamar ignorantes aos críticos da ponte e do seu impacto visual (é fácil de imaginar que, neste caso, a ponte tapará toda a linha do horizonte atualmente visível entre o depósito e a colina da Sé, não é?)?
Lembram-se de se dizer que a ponte devia estar mais a norte (percurso Beato-Base aérea do Montijo, com menos 2 km) para o pilar norte não afetar os cais de contentores do Poço do Bispo?
Vem agora invocar-se alterações no pilar norte para ajudar a anular o concurso  para a construção da ponte que estava em fase de apreciação de propostas?
Diz o código de contratação pública que seriam precisas circunstâncias supervenientes para justificar uma anulação.
Que o pilar estava mal, já se sabia; que a situação financeira não era famosa, já se sabia...
Um dos senhores administradores da RAVE explicou nesse “prós e contras” a todos nós ignorantes que o traçado da ponte era por causa da curva para entroncar na linha do Norte.
Mas porque cargas de água tem o TGV de ter a estação principal na Gare do Oriente?
Podia ir em frente, pelo vale de Chelas, ter a sua estação central aqui, em correspondência com a estação de metro de Olaias.
Mas se não quisessem, podia construir-se a estação central no sítio do aeroporto da Portela, agora que já se percebeu que não se deve substituir um equipamento social por uma urbanização na bolsa imobiliária (por causa da lei das expropriações para fins de serviço público, os herdeiros dos expropriados têm direito às mais valias).
Ou ir até à gare do Oriente com recurso a tuneis para a curva concordante (Barcelona também teve de recorrer ao traçado em tunel para o TGV). Calro que fica mais caro. Mas porquê esta obssessão calatraviana de ir à gare do Oriente?
Enfim, não resisto a transcrever o que escrevi a seguir ao tal programa do Prós e Contras, há dois anos.
É uma pena evoluir-se tão devagar.
Ser preciso tanto tempo para perceber que aquele pilar norte não estava bem (nem aquele pilar nem aquele traçado da ponte…).
Que afinal não era só o pilar do poço do bispo a crescer ou a minguar consoante o observador; também se mexia do lugar.
Foi preciso anular um concurso para perceber isso.
Não sei é se será motivo reconhecido pela legislação para anular o concurso, mas isso será com os nossos amigos advogados.



Texto escrito em Abril de 2008:

O projecto da ponte da RAVE para a travessia do Tejo
Um belo exemplo de uma travessia oblíqua, neste caso em relação à direcção do vector dominante da velocidade da água no estuário, e por isso uma boa solução para, em linha tipo raguebi, cada pilar reter a sua porção de areia em fases diferentes do escoamento do fluido.
Vitruvius, com a sua mania de apontar proas a montante, nas bases dos pilares, não teria aprovado, por rigidamente apegado à ultrapassada teoria de que o caminho mais curto entre duas margens é um segmento de recta ou de ortodromia.
Mas Vitruvius nunca utilizou um vão de 500 metros quase 600, nem beneficiou da inovação que agora incensamos.
É comovente a homenagem que os técnicos da RAVE prepararam à cultura e à educação: o tabuleiro de ligação à margem norte, sobre a Calçada do Grilo, vai projectar a sua sombra protectora sobre o mimoso convento e assim prolongar o tempo de vida das suas pedras e dos ligantes destas; questiono-me quanto teria o ministério da Cultura de desembolsar para construir uma protecção térmica tão eficaz como o tabuleiro; igualmente o ministério da Educação vai ser liberto dos encargos que a continuidade de uma escola profissional como a Afonso Domingues lhe acarretaria ao orçamento, especialmente aqueles laboratórios de máquinas eléctricas; mantê-los a funcionar era um sorvedouro; Afonso Domingues, absorto nas suas abóbadas e refractário também à inovação, seguiria talvez Vitruvius e não aprovaria; do outro lado do rio, no Barreiro, Alvaro Velho do roteiro da viagem de Vasco da Gama, inclinar-se-á cordato perante a destruição da sua escola preparatória - mais uma economia para o ministério da Educação - a expansão da via rápida até à nova ponte, e a escolha de um nome mais ilustre do que o seu, de barreirense humilde e piloto sabedor, para a baptizar.
Tomando o primeiro pilar da projectada ponte, do lado do Convento do Beato, vê-lo-emos erguer-se (o pilar) como a torre de Akbar sobre o casario de Barcelona ou a torre do Colombo sobre a cumeada de Monsanto, o sol reflectindo-se nos tirantes, como fiapos do líquido espargido pela emergência vigorosa acima do rio, em inovador, porque em sentido inverso, ritual de fecundidade.
Será um apelo gerador para mais uma Manhattan de Cacilhas e umas torres Siza em Alcantara, a infeliz, se as tiver.


  
Só precisamos de escolher um local para miradouro, como se assistissemos a um fogo de artifício.
Duzentos metros acima da superficie do rio, sobranceiro como o ultimo andar de um prédio de 67 andares (2 Sheratons), o pico do segundo pilar acena-nos, acima do campanário da igreja de Santo Estevão e encostadinho à base da cúpula de Santa Engrácia, a nós, que a 3100 metros de distancia, nas Portas do Sol, o reverenciamos como em Stonehenge, elevando o nosso olhar segundo um angulo de 2,5º.
Viva a inovação, de portas do sol, por viradas ao sol nascente, passemos a chamar-lhes portas do pilar a espreitar ao longe.
Madrid já tem as portas do sol; não tem nenhumas portas do pilar, teria quando muito umas portas da Pilar.
Com a inovação ganhemos vantagens competitivas por comparação com Madrid.
Mas não nos iludamos, o Homem e a Mulher (escolhida a ordem alfabética) são a medida de todas as coisas, apesar do fracasso, pelo menos até agora, dos falanstérios pitagóricos; e aquele pilar vai ser de geometria variável: para uns cresce, cresce, cresce, e quanto mais afastado das portas abertas ao sol melhor.
Para outros o pilar mingua, mingua, mingua, e mal se notará (realmente, nas portas do sol não se notará; agora no Poço do Bispo...).

Vivamos todos para ver


PS em 2010-06-07  - Segundo o sítio da RAVE, em  http://www.rave.pt/tabid/347/Default.aspx  a altura do tabuleiro à água será de 62m. Duvido que seja a altura livre ao nível médio das águas, que julgo ser da ordem de 47m, não tendo enconttrado no sítio da RAVE elementos suficientes. Pessoalmente penso que deveria ter uma altura livre um pouco maior.



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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Europa Galante - Metáfora dos profissionais

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Quando escrevo Europa Galante não é o que poderia pensar-se.

Estou a reportar um concerto de musica barroca na Gulbenkian, pelo conjunto Europa Galante, dirigido por Fábio Biondi.

Sete violinos, duas violas, dois violoncelos, um contrabaixo, uma tiorba (espécie de alaúde), um cravo.

O concerto incluiu peças dos grandes compositores barrocos: Vivaldi, Locatelli, Geminiani, Bach.

Os violinistas e os violas tocaram de pé.

Os instrumentos são de corda de tripa.
Precisam de afinação entre peças.
O som é esganiçado enquanto fazem a afinação.
Mas depois, a um gesto discreto de Fábio Biondi, o solista principal, começam todos ao mesmo tempo (é impressionante o sincronismo, até porque as cordas de tripa são mais ingratas), o volume sonoro do conjunto é modulado de forma contínua e por vezes com grande amplitude de variação, os solistas vão mostrando o seu virtuosismo (aliás, todos tocam com virtuosismo); talvez alguns andamentos sejam acelerados relativamente à ideia original, mas o entusiasmo e a entrega são tais que se for assim é a consequência lógica do que o compositor escreveu; acabam todos em simultaneidade, normalmente depois de mais um crescendo e diminuendo.

Não resisto a tentar uma metáfora.

Aqueles músicos e músicas dedicam a maior parte das suas vidas ao estudo das partituras, à exploração das potencialidades dos instrumentos de época, aos exercícios diários para manter a destreza muscular; viverão imersos naquele mundo do barroco.
Os instrumentos não são os de rendimento máximo porque as cordas são de tripa.
Os compositores não dispuseram de computadores para testar as combinações de sons, os timbres e os acordes.

Foram ignorantes das grandes técnicas de gestão de finanças que conduziram a economia mundial a taxas de crescimento de dois dígitos… e à crise especulativa e de conflito generalizado em que vivemos.

Não dispuseram de aceleradores de partículas nem de microscópios eletrónicos de elevada resolução, nem de ressonâncias magnéticas, nem de programas de computador para apresentações vistosas.

Sentaram-se com os seus instrumentos e fizeram a música.

Qualquer aprendiz de especulador na bolsa pode chegar junto da Europa Galante e dizer: mas que música tão ultrapassada, que instrumentos tão arcaicos, e que esforço tão inglório o vosso que a maioria não vos aprecia.
Quando muito poderá encomendar a músicos de trato mais flexível umas adaptações expeditas para passar em anúncios da televisão, vendendo sabonetes, perfumes ou carros de luxo com o concerto para violino de Bach em fundo, ou as quatro estações de Vivaldi, ou o concerto grosso de Geminiani…

E contudo, aquela música, e a forma como é tocada, são a expressão da capacidade do cérebro humano para produzir, mesmo sem instrumentos adequados à descoberta, peças de arte de valor elevado, do melhor que a humanidade é capaz.

A metáfora é :

cada um na sua profissão, mesmo que não seja iluminado pela publicidade de uma ação de “marketing” de sucesso, pode, como se tocasse na Europa Galante, dedicar-se em profundidade às razões, às causas e às circunstâncias das coisas; pode fazê-lo sem que a maioria e os líderes da comunidade o apreciem, ainda que a intenção fosse a de servir essa maioria; mas pode sentir a música daquilo que fez, isso pode.



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Olá, Pirandello, veio visitar-me?

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Hesito um pouco antes de abrir a porta do meu gabinete, detendo a mão no manípulo.

Será que, ao entrar, vou ver-me a mim próprio, sentado à minha secretária?

Estarei a despachar assuntos, teclando no programa de gestão de documentos, ou trocando impressões com algum dos meus colaboradores, ou , o que seria muito melhor, com uma das jovens colegas dos recursos humanos?

Vem-me ao pensamento a frase de Pirandello: “algures, pode ser que alguém viva o que julga viver, mas aqui por onde andamos, ninguém habita realmente o corpo que os outros vêem.”

Abro a porta, o gabinete está vazio.

Não estava sentado à minha secretária.
Pirandello também não.
Não se concretizou a visita.
Pelo menos assim parece.
Sento-me e escrevo isto.

Mas terá ficado escrito?

Terá sido lido?

Não estou seguro.

Tudo isto a propósito de uma peça de Pirandello:        
  http://ww1.rtp.pt/noticias/index.php?article=369678&visual=26&rss=0


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Make love, not war – Reflexão na leitura de uma bula

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Leio pacientemente a bula do Benestan (Alfuzosina) que o afável clínico me receitou para combater a HPB (hipertrofia prostática benigna).

Aprendo o que é um bloqueante alfa 1 dos recetores da adrenalina nos músculos.

A adrenalina força a contração dos músculos garantindo a energia para responder às necessidades de esforços físicos ou mentais (mesmo que o organismo não tenha capacidade para suportar o dispêndio dessa energia).

Músculos contraídos também contraem as artérias e surge a hipertensão.

Despejando a alfuzosina na circulação sanguínea, os seus componentes comportam-se como inibidores da adrenalina à chegada aos músculos e as artérias relaxam, evitando a hipertensão; e também relaxam as tubagens que asseguram a circulação dos outros líquidos e fluidos vitais.

Ah! Agora compreendo a relação entre a investigação dos novos medicamentos anti-hipertensores e o florescimento do mercado do sildenafil, tadalafil e vardenafil inibidores da fosfodiesterase PDE5.

E tento estabelecer correlações.

Se a adrenalina é necessária aos grandes generais, aos grandes políticos, aos grandes chefes religiosos, aos grandes empresários, para que tenham energia para impor o modelo a seguir pelos mortais comuns, isso quer dizer que todas as artérias e veias, as principais e as de distribuição epidérmica, e as vias de fluidos dos senhores em causa estão contraídas, sob pressão muscular.

Não poderão portanto tais líderes carismáticos mostrar indicadores normais das funções dos respetivos aparelhos afetados por essa compressão, pelo menos enquanto estiverem profundamente envolvidos nas suas guerras.

E precisarão de um período refratário, longe da guerra, para retomarem os valores normais desses indicadores.

Talvez que nestes tormentosos tempos de economia controversa as linhas de orientação devessem passar menos pelo conflito do que pela paz, pela compreensão e pela capacidade de concessão.

Talvez não seja o melhor caminho impor modelos, porque a imposição gera o espírito da guerra.

Nem parecerá grande coisa ser-se apresentado por qualquer meio de comunicação social como um grande triunfador ou um caso de sucesso conseguido após grandes lutas.

E ganha assim um novo valor, agora fundamentado na investigação químico-farmacèutica, a velhinha expressão “Make love, not war”, afinal porque, parece, quem faz a guerra não pode fazer o amor.



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quinta-feira, 27 de maio de 2010

Very fast post in blog – 19. A comunidade aguarda

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Esclarecendo o post com o mesmo título de 2010-05-11, informa-se que, por declaração do senhor secretário de estado, o Plano estratégico de transportes atualizado será apresentado na primeira semana de Junho de 2010. A comunidade, embora pouco tenha colaborado na referida atualização (a menos da apresentação dos planos de atividade dos respetivos setores), aguarda.





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Rodoviarium XVII – Eco-condução

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A sociedade humana também se orienta por mecanismos de moda.

Até deve fazê-lo porque assim utiliza os genes que permitem ao grupo em movimento atenuar os efeitos dos ataques dos predadores.

Nem sempre dá resultado, especialmente em política, mas há coisas em que vale a pena andar na moda.

Por exemplo, as preocupações ambientais.

Vejo no Oje uma pequena notícia com as conclusões de um estudo sobre a eco-condução. Se os condutores adotassem as técnicas da eco-condução, Portugal poderia poupar por ano 800 milhões de euros de combustível (20% do total atualmente consumido) e 1.700 milhões de toneladas de CO2.

Tem muita graça esta moda de anunciar números de poupança.

Neste caso, custa-me a acreditar que 800 milhões de euros de combustível correspondam a 1.700 milhões de toneladas de CO2.

Segundo as minhas contas, corresponderiam a cerca de 2 milhões de toneladas, mas posso estar enganado, o que até é altamente provável.

Igualmente 1.700 milhões de toneladas de CO2 não valerão 120 milhões de euros, como também vem referido no estudo, pelo menos tanto quanto informam as doutas fontes da Internet .

Quer-me parecer que uma licença de carbono equivale a uma tonelada de CO2, e que o preço de uma está por volta de 12 euros( http://www.triplepundit.com/2010/03/carbon-markets-trading-to-stop-climate-change/ ).

Assim pois se fazem os cálculos (na realidade, quando se apresentam cálculos na comunicação social é mais para impressionar do que para demonstrar, não é?).

Mas como convencer os automobilistas frustrados deste país a conduzir de forma económica?

Eu escrevi frustrados?

Terá sido influência inconsciente, de Freud, “et pour cause”.

Que a força é normalmente exibida por quem se sente inseguro, que o automobilista compra um carro potente para poder compensar a sua impotência e a sua frustração .

Frustração por durante o dia de trabalho ter sido contrariado, ou por não ter participado na luta pelos objetivos comuns,ou por ter estado iludido.

Donde, se quisermos uma condução ecológica e económica, teremos de melhorar o ambiente de trabalho nas empresas…

Como convencer os condutores a não acelerar bruscamente? A moderar a velocidade, especialmente à aproximação das passadeiras de peões, de modo a não precisar de travagens bruscas? A ocultar a potência dos seus carros? A reprimirem este imperativo social de acelerar quando se sentem perseguidos?

Como explicava há dias um senhor da prevenção rodoviária, citando o caso da Austrália, o primeiro passo é uma campanha publicitária intensiva nos meios de comunicação social, a começar pela televisão .

E essa campanha terá de ser pela positiva, evidenciando comportamentos recomendados, e nunca pela negativa (é inútil mostrar imagens de acidentes por imprevidência de condução porque “só acontece aos outros”).

Mas, estarei falando como no deserto?

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terça-feira, 25 de maio de 2010

Ruinas 2 - Algarve

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Junto fotos de duas habitações em ruínas, no centro de uma povoação turística do Algarve, na Ria Formosa - Cacela a Velha.



Fazem um efeito de contraste impressivo, quando comparadas com as casa bem arranjadas do resto da povoação.
Talvez que uma boa impressão ajude a resolver problemas, ou pelo menos, a ganhar adeptos para a necessidade de resolver o problema, com ou sem crise.
Aproveito para reproduzir os azulejos na praça principal.





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domingo, 23 de maio de 2010

Economicómio LII - E contudo ele existe…

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Saíram os resultados das vendas de automóveis ligeiros nos primeiros quatro meses de 2010.
Em Portugal venderam-se mais 59,1% (na UE mais 4,8%) do que no mesmo período de 2009, atingindo 70 mil unidades (na UE 4,8 milhões).
A análise estatística contem em si a armadilha de que alguns dados omissos podem subverter a interpretação dos dados disponíveis.
Neste caso, os incentivos ao abate de automóveis e os planos de renovação de frotas podem fazê-lo, mas o indicador 70 mil automóveis vendidos em 4 meses e 210 mil por ano parece ser fiável.
Admitindo 15 mil euros por unidade, teremos cerca de 3 mil milhões de euros por ano.
Trata-se de um investimento que beneficiará cerca de 70 x 1,2 = 84 mil cidadãos e cidadãs, se não considerarmos os benefícios decorrentes para outros cidadãos e cidadãs da utilização dos 70 mil automóveis por esses 84 mil cidadãos e cidadãs (1,2 é a média de ocupação dos automóveis ligeiros em Portugal).
Trata-se ainda de um investimento cujo diferimento por um ano traria custos marginais irrelevantes.
Isto é, em termos macroeconómicos, parecerá difícil justificar um investimento deste tipo, especialmente se nos lembrarmos que a estimativa para a ligação TGV Poceirão- Lisboa é da ordem de 2 mil milhões de euros (evidentemente que esta estimativa tem de se alargar no contacto com a realidade da obra, mas orçamento é orçamento).
Claro que não podemos comparar diretamente os investimentos; quando muito comparava-se, para o valor de 2 mil milhões de euros, uma linha de metro, completamente equipada, incluindo o material circulante, com 10 km de comprimento e servindo diariamente 100 mil passageiros.
Mas são difíceis de fazer, estas contas e estas comparações.
Especialmente quando entramos em linha de conta com a energia que cada modo de transporte necessita, globalmente, para transportar um passageiro durante um quilómetro.
Pena não ver o TGV discutido nesta perspetiva.
O TGV e os restantes modos de transporte.
Mas dir-se-ia que, parafraseando Galileu: e contudo ele existe (o dinheiro, de empréstimo interno ou externo).


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sábado, 22 de maio de 2010

Gestionarium XVIII - O par dívida-lucros no sucesso da gestão de uma empresa






A discussão sobre os honorários do principal gestor da EDP fez-me reparar na notícia do DN sobre os resultados desta empresa (ou grupo de empresas).
Admitindo que tem fundamento o sentimento de auto-estima do referido gestor que considera justo o seu salário e boa a sua gestão, terei de admitir que os seguintes indicadores são compatíveis:

(1) Dívida da empresa do 4ºT/2009 para o 1ºT/2010:
                      crescimento de 4,3%, de 14 mil milhões de euros para 14,6 mil milhões de euros

(2) Lucros no 1ºT/2010:
                      crescimento de 17% para 309 milhões de euros

(3) Taxa da divida relativamente ao lucro:
                     (1)/(2) = 4,6

De facto, crescendo a dívida, a situação agrava-se, mas não é assim tão má porque a taxa da divida diminui.

Porque é tão grande a dívida?
Não parece difícil a resposta: porque os investimentos são elevados (barragens, parques eólicos) e porque as tarifas são “reguladas”, isto é os preços estão artificialmente baixos.
No entanto, um cidadão vulgar como eu fica na dúvida se estas justificações são suficientes.
Por isso seria muito bom se a empresa, no seu site, explicasse os indicadores, as suas causas e circunstancias.
É verdade que  a questão é complexa e os critérios de cálculo dos custos e dos benefícios não são de aceitação universal (outro grupo em que a dívida é enorme é a famosa SONAE, também com grandes investimentos e uma balança de pagamentos com grandes fluxos nos dois sentidos; mas isso é outra conversa) .
Como são complexas as questões da ocultação das despesas públicas nas contas de empresas públicas e privadas, para fugir ao famoso indicador do défice público (será que a epidemia das privatizações é para fugir às despesas públicas? o problema é que se perdem os geradores de receitas públicas, isto é, os aneis).

Mas seria bom que a EDP pusesse mesmo mais informação no seu site.

E, porque não se revêem as estratégias de distribuição de lucros e de fixação dos salários do gestores? Quanto mais não fosse para reduzir a dívida.
Também parece fácil a resposta: porque a EDP é uma empresa privada de participação da instituição pública progressivamente menor.
E porque a instituição pública não utiliza as regras de gestão participada, debatida e analítica e porque as instituições privadas também não utilizam essas regras.

Como não está ao meu alcance a promoção dessas regras, por mais que propagandeie a “Sabedoria das multidões”, apenas posso sublinhar:

Que os bons investimentos (por exemplo, aqueles que reduzem a dependencia energética ou melhoram a eficiência energética dos modos de transporte) provocam dívidas.
E é bom de ver como é complicado calcular o período de retorno do investimento e contabilizar o seu benefício em unidades muitas vezes rejeitadas pelo senso comum, que tanta dificuldade tem nos tempos que correm em aceitar uma dívida prolongada no tempo (por exemplo, a ultima amortização dos empréstimos para os caminhos de ferro de Fontes Pereira de Melo pagou-se no ano 2000).


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sexta-feira, 21 de maio de 2010

Nostalgia de 40 anos

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São 4 mesas de 8 lugares, no restaurante da Ordem dos Engenheiros no último andar, com vista para o parque Eduardo VII. Mais uma mesa com algumas das cônjuges.

Faz 40 anos que acabámos o curso, quase 90 , que em 1970, apesar da guerra colonial, ainda se sentia a industrialização do país desde o pós-guerra e era fácil aos novos engenheiros encontrar emprego.

Digo para o colega da minha esquerda:

-eis-nos aqui. Não era bem isto que tínhamos pensado.

Diz o colega da minha direita:

- pensávamos que íamos conseguir uma sociedade mais justa, mais produtiva e mais rica.

Digo eu:

- também éramos muito jovens e fomos atrás da ideia dos Beatles e do Hair. Primeiro acabar com a guerra colonial, depois produzir.

Diz o colega da frente:

- e estávamos à espera de ir para uma reforma tranquila quando chegássemos a esta idade. Na reforma estamos, quase todos e ainda a faltar 2 anos para os 65. Mas de 90 já morreram 9. Anos de desconto foram 40. Vêm agora os economistasinhos chamar-nos preguiçosos. Era de esperar que com tantas novas tecnologias tudo estivesse melhor, e que não fosse necessário agora apertar o cinto. Que não fosse preciso o meu filho estar agora e estará no meio do Atlântico num navio de prospeção de petróleo, nem a tua filha em Macau, nem o filho daquele no Brasil.

E eu:

- onde falhámos? onde falhei ou que fiz eu de mal que não consigo lembrar-me? se não fiz nada de errado porque tenho de pagar? estamos num episódio bíblico? Sempre pedi aos meus colegas mais jovens que se interessassem mais, que se dedicassem mais aos assuntos da empresa que eu lhes entregava, que não desaparecessem para tratar dos assuntos deles e que entendessem que não há compartimentos estanques e que é mais importante pensar no bem comum no que no individual; fiz mal em não ter conseguido corrigir alguns deles?

O nosso professor de Economia (Daniel Barbosa, ex-ministro de economia) tinha-nos explicado que a II Grande Guerra tinha induzido um afluxo de capitais ao país (entrada de ouro e divisas dos exilados; exportação de volfrâmio e alimentos), e que os técnicos do regime e os chefes dos clãs Espirito Santo e Melo tinham convencido o professor-ditador a consentir nalguma industrialização, nomeadamente através do programa das grandes barragens hidro-elétricas. Apesar de limitada pelo condicionamento industrial (nenhuma empresa podia lançar um empreendimento onde as empresas colaboradoras com o regime já laborassem).

Mais nos explicou o professor de Organização e administração de empresas (Pereira Ataíde), cadeira normalizadora de perspetivas de gestão e que rejeitámos trocando-a no conselho pedagógico por uma cadeira mais perto do nosso idealismo de técnicos atualizados a querer aplicar as ultimas conquistas da nossa especialidade , que os técnicos do regime que vieram depois, de mentalidade já mais aberta e embalados pela “primavera marcelista”, quiseram acabar com o condicionamento e com a guerra colonial. E, com o esperado apoio financeiro subsequente à democratização do regime e à descolonização, subir de patamar e desenvolver uma nova fase de industrialização. Porém, Marcelo Caetano atemorizou-se e, pior do que isso, acreditou no que os generais do regime lhe diziam. Coitados dos generais, tão limitados nas suas capacidades de análise e de entendimento do que se passava...

Fazemos uma viagem de regresso ao passado no meio das entradas de espargos com picles e ervas aromáticas e recordamos o primeiro jantar de curso. Quase na sua totalidade, o curso recém-formado reuniu-se no Outono de 1970 no restaurante Pão de Trigo, na Azóia, perto do cabo da Roca, que ainda hoje lá está, por sinal um pouco mais caro agora do que então.

Havia que dar brilho ao jantar dos novos engenheiros e convidámos o grupo Intróito para cantar depois do café. Era a época do canto de intervenção, da canção de protesto. O grupo tinha aparecido no zip-zip, tinha participado no festival da canção da RTP e costumava cantar em espetáculos nas associações de estudantes canções originais e canções de José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Francisco Fanhais. Algumas com poemas de muita qualidade e revelando o que a polícia política e a censura ocultavam ao público: a opressão e as condições desgraçadas de vida de muita gente em Portugal, e da insanidade da guerra.

Foi muito bonito e emocionante, mas os nossos colegas da Academia Militar, aliás uns excelentes colegas , levantaram-se discretamente e alegaram que tinham de recolher à Academia, que estavam a preparar a sua participação no curso de comandantes de companhia. Quatro anos mais tarde, depois de passarem por África, alguns deles integraram destacadamente o movimento das forças armadas, e então todos nos sentimos mais solidários.

Eis como um jantar de curso serve de pretexto para deixar emergir a nostalgia.

E também aproveito para juntar uma pequena notícia histórica sobre o Intróito.

Nostalgias de 40 anos.

Ver em     http://cid-95ca2795d8cd20fd.skydrive.live.com/browse.aspx/Intr%c3%b3ito


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Very fast post in blog – 18. Os dois substitutos

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Dou parte da evolução da substituição da minha mulher, professora, depois de reformada. O primeiro substituto meteu baixa poucos dias depois de se apresentar, dar um dia de aulas e depois faltar, às aulas e aos encontros com a minha mulher para lhe transmitir informação. Ao fim de um mês foi substituído. Por um senhor que acaba de desistir ao fim de outro mês de muitas faltas. Desistiu entretanto a minha mulher de se oferecer para continuar a dar aulas “porque a lei não o prevê”, como diz a diretora da escola. Como dizem os brasileiros, cansámos de ver a degradação a que os sucessivos ministérios da educação e seus governos conduziram o ensino público em Portugal. Não nos responsabilizem por isso.


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O charme discreto

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Não é bonita esta fachada de um prédio na Rua de S.José? Era o charme discreto da burguesia bem sucedida do fim do século XIX.



E esta moradia na Rua de Ponta Delgada, não é um encanto? (tirando a antena, claro)




Pena o contraste na mesma rua com esta fachada degradada de uma garagem de arquitetura industrial. Estava a pedir a funcionalidade de estacionamento em caves para os residentes na rua e oficinas para cima  (uma cidade sem atividade industrial é um deserto...), recuperando a faixa  horizontal da fachada. Que acharão os amigos arquitetos da ideia?




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Very fast post in blog – 17. Citação de Gandhi






Passeando por aí, encontrei esta citação. Não resisto a dedicá-la aos contendores dos dois ou mais lados da guerra do Afeganistão e do Iraque:

“Defender uma ideia matando homens não é defender essa ideia, é matar homens”.

Eu sei que as tropas do pandita Nehru tinham às vezes dificuldade em compreender isto, mas a mensagem de Gandhi permanece ativa.


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quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ruinas 1 - da Baixa à Estefânia

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Não é apenas o filme Ruinas, de Manuel Mozos, que põe o dedo na ferida de um país que precisa  de um investimento, rentável por si próprio porque fixaria as populações, na reabilitação de edifícios.






Temos aqui a ruina do cinema Odeon.













De uma casa na rua de S.José, a qual tem uma loja de mobílias clássicas no rés do chão, fabricadas em oficina do outro lado da rua (as cidades desertificam-se quando extinguem as oficinas).








De uma garagem coletiva de um edificio dos anos 60, de traseiras a dar para a rua de S.José, onde se degradam solares e edificios  clássicos da nobreza  do século XVIII e da burguesia endinheirada do fim do século XIX





Vejam o edificio da florista (houve um arquiteto que teve a coragem de se vender ao assinar um projeto como aquela garagem, sem se envergonhar do seu edificio ficar a envergonhar edificios dignos).


E assim vamos assistindo à degradação.


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Very fast post in blog – 16. Outra hipótese, uma hipótese holandesa

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Outra hipótese: o governo holandês (de coligação) tomou, no princípio do ano, de acordo com a comunicação social, duas decisões importantes: uma , foi a de taxar em 20% os depósitos legais das contas “off-shore” dos cidadãos holandeses (por sinal de montante igual ao dos cidadãos portugueses: 16 mil milhões de euros); a outra, foi a de responder negativamente ao pedido dos USA para reforçar o contingente holandês no Afeganistão.

HIPÓTESE: estas duas decisões contribuíram para a queda do governo há 2 meses.

Será possível testar a hipótese? Ou terá sido simples coincidencia, sem influencia externa nem seguidismo interno de diretivas externas?


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Securitarium IV - Convite ao crime

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Com a devida vénia ao DN que apresenta hoje o relatório: em 5 anos o número de crimes com armas de fogo subiu de 2546 em 2004 para 7060 em 2009, isto é, triplicou.

Estima-se a existência de 1,4 milhões de armas de fogo legalizadas e de 1,2 milhões ilegais (1 arma para 4 habitantes; tudo o que seja mais do que 1 arma para 10 habitantes é convite ao crime - ver o filme de Michael Moore sobre as armas).

Em 2009 houve 100 assassínios com armas de fogo.

A meio deste período o senhor ministro da administração interna respondia muito ofendido a um deputado da AR que as estatísticas de que dispunha mostravam diminuição de crime (lembram-se da cimeira de Viana do Castelo enquanto dois quarteirões ao lado era assaltada com uma morte uma das principais ourivesarias da cidade?).

Se forem cortadas as verbas para a polícia será mais difícil mudar, e não mudar será convidar de forma cúmplice ao crime, visto estar demonstrada a correlação entre o crime e a falta de meios para o prevenir e combater.

Isto para não falar da correlação entre desemprego e crime.

E da correlação inversa entre nível de preços e desemprego (lei de Philips: para combater a subida dos preços aumenta-se o desemprego)

E da correlação entre o insucesso escolar e o aumento da criminalidade diferido em 3 a 5 anos.

(ver mais informação sobre as correlações do crime com os seus fatores em "Freakonomics, o outro lado da economia" de Steven Levit e Stephen Dubner)

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terça-feira, 18 de maio de 2010

O candidato a rei

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O DN entrevistou o candidato a rei.
Apesar de eu ser republicano, e apesar de uma assunção de uma candidatura a rei para si próprio e para o filho mais velho configurar uma violação do princípio universal da igualdade de direitos perante a lei, tenho alguma consideração pelo senhor candidato a rei e pelas suas preocupações com o bem estar dos que desejaria que fossem seus subditos.
Gostaria até que nesta família ou nas famílias dos seus parentes que exercem a função de reis por essa Europa fora, apareça algum filho varão que decida ser republicano e marque eleições.
Enquanto isso não sucedia, li a entrevista do senhor e notei a sua resposta à pergunta do entrevistador sobre a educação sexual nas escolas:
"Tornar obrigatório o ensino da educação sexual resume-se a dizer: forniquem à vontade, divirtam-se, façam o que quiserem mas com higiene".
Apesar do aspeto tosco, a frase tem algum sentido, até porque refere explicitamente "com higiene".
Foi a minha mulher, professora reformada, que me explicou. Durante anos, o anterior ministério da educação "decretou" que os professores (aqueles inimigos da eficiência) deviam dar aulas de educação sexual.
E a minha mulher sempre a dizer "Eu sou professora de matemática, se quiserem que dê aulas de educação sexual devem mandar-me a um curso de formação e publicar o programa oficial das aulas de educação sexual".
E realmente é, já dizia Aristóteles que "se não me perguntares sei, mas se me perguntares não". Vejam o que aconteceu com a professora de Espinho, processada pelas mães indignadas.

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Very fast post in blog.15 – Concordo

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Oiço na Antena 2 que os senhores de Bruxelas gostariam de discutir os orçamentos dos governos, especialmente do sul, antes destes os debaterem nos respetivos parlamentos. Concordo, sempre concordei que as decisões estratégicas das empresas de transportes deviam ser discutidas antes nas comissões da UITP. Além de que há sempre a esperança dum movimento migratório de mentes nórdicas, mais abertas, virem viver para Portugal e participar ativamente na sua vida pública. Seria um retorno às origens, para os descendentes dos vikings que raptavam mulheres em idade fértil, das povoações costeiras no século IX…

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Economicómio LI – Uma hipótese

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Não sei se terá sido do filme de sábado à noite na RTP1 com Jane Fonda, a ficcionar o “crash” de todas as bolsas porque os investidores árabes queriam levantar o dinheiro todo.

Estavam ao mesmo tempo em sessão solene os senhores ministros da União Europeia a decidir medidas de defesa do euro contra os ataques (com o senhor Trichet a dizer que a situação nunca esteve tão má, desde o tempo da I Grande Guerra).

Coincidências.

E se, por hipótese, apenas por hipótese, claro, existir uma relação de causa e efeito, ou apenas uma correlação , entre isto, e o pedido dos USA à UE para reforçar o apoio à guerra do Iraque e do Afeganistão?

Os estrategas dos USA normalmente estudam pouco a história, e parecem ignorar a conjetura económica dos imperadores romanos (só vale a pena manter as fronteiras do império se o trigo e os minerais que se retiram de lá valerem mais do que a remuneração dos exércitos necessários para manter as fronteiras).
Isto apesar dos benefícios que retiram da ocupação do Iraque e do Afeganistão (pelos vistos acumulados por entidades privadas, de que os melhores exemplos são as empresas de catering e de comercialização do petróleo extraído, cujos principais acionistas são as esposas de antigos governantes dos USA; não sendo pública esta apropriação, complicam-se as finanças públicas dos USA se não houver apoio da UE).

Já os imperadores romanos sabiam que a guerra para manter as longínquas fronteiras gera pressões altamente inflacionárias (a rede de estradas do império, permitindo maiores velocidades de comunicação era uma infraestrutura que não resolvia essas pressões infacionárias, mas racionalizava as trocas comerciais e baixava assim as ditas pressões; dir-se-ia que o investimento nas vias de comunicação servia para combater a inflação).

Ora, sabendo-se que o presidente dos USA pediu à UE que os ajudasse no esforço de guerra (vale dizer que estendesse à Europa o efeito inflacionário das guerras do Iraque e do Afeganistão), que a resposta não foi nada entusiasmante (por acaso as eleições no UK até deram em tombo no principal aliado dos USA), e que o euro se encontra sob ataque, será que:

HIPÓTESE: o ataque ao euro não será um castigo americano pela falta de colaboração no esforço de guerra dos USA?

A ser verdade, esta hipótese, faria lembrar aquelas “boutades” do tempo do ultimato e da I Grande Guerra em Portugal, e de Churchill ao apresentar o Parlamento ao seu jovem colega:

- o aliado inglês tem sido o maior inimigo de Portugal;

- os nossos adversários são os que se sentam do outro lado do muro, porque deles vem a vantagem do contraditório; os nossos inimigos são os que se sentam na mesma bancada que nós e nos apunhalam pelas costas.

Enfim, estejamos vigilantes aos 360º.

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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Economicómio L - Meditação sobre as desigualdades sociais (à espera que os meus amigos economistas façam umas contas melhores)

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A minha professora de História, em chegando ao Renascimento, à Reforma e à Contra-Reforma, falou-nos nas revoltas populares na Alemanha do século XV.

Bem procurávamos no livro oficial do Mattoso e nada.
Porém, os camponeses esfomeados assaltavam os cavaleiros na estrada.
Roubo e morte.
Eram os flagelos da fome, da peste e da guerra nos documentos da época.
Era a luta de classes, definidas as classes pelo seu papel nos mecanismos da produção e da distribuição da riqueza.

Mas não podia falar-se em luta de classes, era proibido.

Aliás, os economistas que bem interpretam os factos vieram dizer-nos antes do Lehman Bros que já não fazia sentido falar-se em luta de classes.

Mas vêm dizer-nos que as desigualdades sociais são agora tantas (e Portugal é campeão nisso), e a crise ameaça exacerbá-las tanto, que podemos ter perturbações sociais se não se tomarem medidas.

Mas ainda há dúvidas sobre que medidas eliminam as desigualdades sociais?

Talvez ainda haja, especialmente quando se critica o serviço nacional de educação como tendo por objetivo formatar todos por igual e nivelar por baixo. Queremos sempre que os nossos filhinhos sejam mais iguais do que os outros, não é? (se o serviço nacional de educação não está bem, corrijam-no se fazem favor, não difamem os professores).

Assim é difícil.

Vêm os economistas bem pensantes que sempre disseram que a situação atual era previsível, dizer agora que a única saída é o crescimento (será iuma redundancia porque só pode ser redistribuido aquilo que se produzir).

Mas que para isso, dizem eles, os economistas bem pensantes, têm os 90% (de cidadãos de menores rendimentos) de se contentar com os 10% do bolo, porque ficariam melhor do que se tivessem um bolo mais pequeno a dividir equatitativamente pelos 100% de cidadãos ( i.é, para os cidadãos de menores rendimentos: 0,1 /0,9 = 0,11 vezes o rendimento médio per capita; para os cidadãos de maiores rendimentos: 0,9/0,1 = 9 vezes o rendimento médio per capita).

Mas imaginemos que os impostos subiam para os maiores rendimentos, taxando a 20% os 16 mil milhões de depósitos “off-shore” (que por acaso foi o que fez o governo da terra de Spinoza) de tal maneira que os cidadãos de maiores rendimentos colocavam o seu capital ainda mais “off-shore”.
Então, admitindo que o rendimento baixava 70% (i.é, que o novo bolo era apenas 0,3 vezes o bolo anterior), e que a distribuição das fatias do bolo era equitativa, teríamos o seguinte rendimento médio per capita para toda a população: 0,3/1 = 0,3).

Por outras palavras (ou por outros números), um abaixamento dos rendimentos globais de 70% traduzir-se-ia num aumento do rendimento médio per capita, para 90% de cidadãos, de (0,3/0,11 - 1)x100% = 172% .

E como ensina a matemática, os estímulos à produção podem induzir variações previamente parametrizáveis em torno do valor médio…

Não bate muito certa, esta conclusão, com a ideia de que tem de se pagar muito bem aos bons gestores a dádiva de trabalharem para os comuns dos cidadãos.

Quem diria, a matemática ao serviço da luta de classes…

Quisera eu que não houvesse luta de classes nem condomínios fechados com segurança privativa 24 horas por dia…


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Religo VI - Meditação sobre Spinoza, com um pedido de desculpas por estar a pô-lo a falar assim

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Subo a Prof.Vieira de Almeida antes de virar para a Prof. Pulido Valente, a caminho de Carnide. Ficam uns a atapetar o pavimento, junto do passeio, e vêm outros ao meu encontro, suspensos do ar, os grânulos de pólen caídos dos plátanos e dispersos pelo vento, à procura dos gâmetas femininos. Serão 2 milhares de grânulos por m3, anemofilia pura.

Ainda me entopem o filtro do pólen do carro.

Numa associação de ideias errática e aleatória, imagino que Spinoza está a contemplar a cena, com o seu ar descuidado, e me chama.

Spinoza era filho de portugueses da Vidigueira, mas não era português.

As dificuldades de compreensão e de apreensão de relações de causa e efeito e de correlações estatísticas impediram o rei de Portugal de resistir a uma chantagem da Lucrécia Bórgia da península ibérica (Isabel de Castela) e expulsou as famílias judaicas.

Expulsou alguns dos melhores de nós.

Foi muita pena, qualquer pessoa que goste da sua terra só pode ter pena por uma coisa destas, por uma cultura tão falhada.

Passava-se isso no fim do século XV.

A família de Espinosa não foi expulsa. Preferiu contemporizar e converter-se ao cristianismo. Mas o ambiente em Portugal era mau e, no princípio do século XVII, toda a família partiu.

E foi assim que Spinoza nasceu na Holanda, onde não seguiu a profissão de rico mercador do avô e do pai, preferindo dedicar-se à filosofia e, para ganhar a vida, ao polimento de lentes.

- Sabes, diz-me ele, é como se estivéssemos imersos num líquido reprodutivo e passassem por nós os gâmetas masculinos e femininos suspensos do líquido, como peixes num aquário, à espera do seu encontro com consequências.

- É como se nós fossemos parte indissociável de um ser universal, essencial e substancialmente universal.

- Tu o dizes. Não é necessária nenhuma entidade externa para ir misturando os elementos mais infinitesimais uns com os outros, em permanente evolução. Aliás como seria possível ser-se externo a si próprio? Eles misturam-se naturalmente.

- Como conseguiste chegar lá, tu que nunca tinhas ouvido falar no big-bang nem dispunhas de nenhum acelerador de partículas para pesquisar as cujas elementares…que a evolução segue as suas leis sem um projeto pré-determinado…

- Nem eu sei dizer-te. Nem eu nem ninguém. Mas já Platão tinha deduzido isso. Que os átomos eram eternos. Não precisaram de ser criados. Só que os átomos afinal são mais elementares do que Platão pensava.

- Logo, o mistério de tudo isto é só por si um mistério e não precisa de ser explicado. Não precisamos de inventar um relojoeiro para o relógio porque depois tínhamos de inventar um pai e uma mãe para o relojoeiro. Nunca tiveste medo de te mandarem para a fogueira, com essas ideias monistas e panteístas, de que é a própria Natureza que contem o seu princípio e fim, que o que é eterno são as partículas elementares?

- Confesso; se os meus pais tivessem ficado em Portugal, confesso que teria medo. Mesmo assim, na Holanda, tive de mudar o meu nome, Baruch, para Benedictus, e deixei as minhas conclusões para serem publicadas depois da minha morte. Não ia hostilizar os protestantes calvinistas da minha Holanda natal, tão ciosos da literalidade da sua bíblia, nem os meus amigos da sinagoga portuguesa de Amsterdão, claro.

- Ai Spinoza, Spinoza, como te agradeço essas palavras, e como estava à espera que a adesão à União Europeia nos tivesse aberto mais as ideias, nos tivesse aproximado mais das mentes do norte. Que vocês aproveitassem agora a liberdade de movimentos para nos virem ajudar, que fizessem o movimento inverso à expulsão.

- Como se fossemos gâmetas do mesmo organismo, não era? Dá tempo ao tempo. É a evolução natural.

E lá ficou Spinoza, de cabelo desgrenhado, no entroncamento da Prof. Vieira de Almeida com a Prof. Pulido Valente, na placa triangular separadora do transito de onde 3 plátanos majestosos, quiçá expostos à fúria destruidora das máquinas da câmara por serem majestosos e alergénicos, continuavam a expedir os seus grânulos de pólen.

 
 
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domingo, 16 de maio de 2010

A professora de Mirandela e a ministra da Cultura

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Com a devida vénia à Playboy e ao DN, a professora de Mirandela de atividades extra curriculares e a senhora ministra da Cultura têm várias coisas em comum:
1 – são ambas mulheres bonitas
2 – sobre ambas, as opiniões dividem-se (no entanto, relativamente à professora de Mirandela, houve progressos; não se viram pais e mães irados a pôr ações contra a professora, como tristemente se viu em Espinho, com a professora que nas aulas de História falava sobre o sexo dos deuses)
3 – ambas exerceram com independência o seu poder gestionário nos domínios em que a legislação em vigor o permite (ainda pensei em pôr uma ação contra a senhora ministra por utilização abusiva da minha condição de espetador do S.Carlos para fundamentar uma decisão que não subscrevo e por tratar um diretor de ópera como um treinador de futebol não desejado pelos sócios e despedido a pretexto destes, apesar de ganhar jogos e de ainda faltar um ano para terminar o contrato; porém um amigo jurídico explicou-me pacientemente que qualquer membro do Governo tem todo o direito de fazer os disparates que quiser desde que esteja no âmbito da sua discricionariedade gestionária; e que a única coisa a fazer é os cidadãos organizarem-se em movimentos próprios, já que os deputados representantes no Parlamento não conseguem despachar em tempo útil os assuntos que têm entre mãos; foi o que alguns cidadãos fizeram sem nada ganharem com isso, manifestaram-se publicamente contra a decisão da senhora ministra, contra um despedimento que implicou uma indemnização, perturbações na programação e na atividade de cantores portugueses e, a prazo, porque a programação do diretor despedido, como a de qualquer diretor de ópera, cobre ainda o próximo ano, o corte com teatros do centro da Europa com conceções de produção de ópera a que não estávamos habituados e que agora vamos perder).




Mas não têm em comum outras coisas, por exemplo:
1 – a remuneração, mesmo afetando as respetivas remunerações de coeficientes corretores das diferenças de qualificações, experiencia e importância das funções (informou-me a minha mulher, professora reformada, que o ordenado dos professores de atividades extra curriculares, pago pelas autarquias, que isso foi uma das grandes conquistas de anteriores ministérios da Educação, é de 5 euros por hora; por falar em cultura, recordo o filme de Jane Fonda, a representar o papel de uma candidata a atriz em New York, que se vê sucessivamente rejeitada nas audições que vai fazendo)
2 – o desprezo pelos elementos necessários à tomada de uma decisão que a senhora ministra revelou quando diz que “a arte se mede pela forma como alimenta os públicos” ao mesmo tempo que recusa a estatística que revela que o numero de espetadores aumentou e que o custo das produções por espetador se aproximou dos valores europeus; a professora de Mirandela, mesmo que não tenha lido o Supercrunchers - super analistas de dados (cuja leitura recomendo vivamente à senhora ministra para informação sobre mecanismos de tomada de decisões) muito provavelmente, graças à sua formação escolar, não desprezaria a informação estatística (a estatística é como muitas coisas neste mundo, pode ser bem ou mal utilizada).
3 – os conceitos que ambas têm sobre a capacidade do sistema político em proporcionar as condições para a realização profissional e pessoal dos cidadãos e das cidadãs em geral , isto é, sobre o desenvolvimento das capacidades de cada um por mérito próprio, independentemente dos mecanismos de ascensão em vigor; muito provavelmente as opiniões de uma e outra serão muito diferentes

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Acidente com a embarcação tradicional em Alcácer

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1 – Em termos estatísticos 1 morte num acidente pode não ser relevante, mas a recorrência de mortes no mar e em rios impõe a observancia estrita das regras de segurança marítima
2 – não se duvida da correção dos cálculos da arqueação, mas naquela embarcação tradicional 50 pessoas é exagerado
3 – admite-se que houvesse 50 coletes a bordo; duvida-se que estivessem vestidos; o seu uso é obrigatório (veja-se a imagem de uma das buscas do turista afogado: as duas senhoras envergam o colete, o timoneiro não)
4 – admite-se a avaria mecânica eventual responsável pelo acidente, a qual é sempre possível, mas:
4.1 - havia dois ferros a bordo, um à proa e outro à popa, prontos a serem lançados e sem obstrução para isso?
4.2 – o mastro tinha dispositivo para “dobrar” no caso de bater no tabuleiro da ponte, como aconteceu? é possível tomar medidas para evitar a repetição do acidente:
4.2.1 – correntes entre as margens para “barrar” as embarcações arrastadas pela corrente?
4.2.2 – cortar a ponta do mastro ou instalar dispositivo de rebatimento?

Espero que não se tranquilizem as consciências com inquéritos “de imediato” e com a busca de culpados, mas que através de uma campanha mediática se estabeleça uma cultura de segurança, de modo a que todas as pessoas embarcadas utilizem o colete de segurança (ou, no caso de pescadores: se o preferirem, fatos flutuantes; sem botas de cano alto; com rádio VHF; com baliza de emergência) .
Estes procedimentos de segurança deverão ser cumpridos na navegação de recreio, por mais segura que pareça a embarcação (ninguém está livre de chocar com um objeto flutuante, por exemplo) e em todos os passeios turísticos como os organizados no estuário do Tejo e na ria de Aveiro.





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Very fast post in blog.14 - Sinal de peões fotovoltaico

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Temos aqui um sinal de passadeira de peões com sinais intermitentes de leds alimentados por painel fotovoltaico. Pode ser muito útil se a Prevenção Rodoviária aproveitar para incluir este exemplo numa campanha publicitária para redução das mortes por atropelamento. Aplausos para os autores, da EFACEC.

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Very fast post in blog - 13. Lítio

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Se os nossos colegas de minas não se enganaram, temos em Mangualde uma mina de lítio quase à superfície, com reservas para exploração durante 70 anos. O lítio é o elemento  de maior rendimento para os ânodos das baterias de tração para os automóveis elétricos. Não será como o ouro do Brasil, mas se se confirmar, será muito importante contra a dependencia do petróleo.

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sábado, 15 de maio de 2010

Very fast post in blog - 12. Arte de trabalho em equipa

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Não é uma opinião política, é uma aquisição das técnicas de gestão (vejam a Sabedoria das multidões).
Dos países da União Europeia, 22 têm neste  momento governos de coligação, e 5 têm governos de um só partido, alguns sem maioria absoluta.
Não seria melhor rendermo-nos aos méritos da proporcionalidade de Hondt?

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Um homem vestido de branco cheio de ansiedade

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Nat King Cole apresentou-se com fato e sapatos brancos. Acompanhado por um trio mexicano. A sua voz quente entoou Ansiedad.
Já não sei onde era o espetáculo, que eu era adolescente e precisava das canções sossegadas de Nat King Cole para compensar o rock and roll, mas é a imagem, na televisão a preto e branco, que tenho na memória.
Lembrei-me ao ouvir na Antena 2 o programa de sábado de manhã com Maria Viana, cantora de jazz, filha de José Viana. Que comparou Nat King Cole a uma Diana Krall de calças e contou que ele se convenceu que precisava de fumar muito para manter o timbre romântico da sua voz. Infelizmente morreu de cancro do pulmão com 46 anos, em 1965.
Por isso dedico este texto aos meus amigos fumadores, sem dizer que existe uma relação de causa e efeito, mas que existe uma correlação estatística.
Que coisa, tanta coisa no mundo para estimular a produção da dopamina, e tanta dependência da nicotina. Comentava Maria Viana, depois de passar a canção, como o cérebro nos engana, oculta-nos informação que poderia orientar-nos noutro sentido e cria factos virtuais, como o cérebro cria ilusões em que a pessoa acredita, como Nat King Cole acreditou que o fumo do tabaco lhe mantinha a voz bonita, e tinha mesmo a voz bonita.
E por associação de ideias, Nat King Cole vestido de branco, filho de um pastor evangélico, cantor de gospels, afinal tão próximo da ansiedade e da sensualidade humanas, lembrei-me também do Cantico dos Canticos, de como Salomão (ou o seu poeta por ele) se deteve na contemplação dos montes de trigo cercados por lírios, do ventre como taças arredondadas nunca desprovidas de vinho, das tiras trabalhadas das sandálias, do perfume dos seios como maçãs e cachos de uva (vem tudo na Bíblia, não estou a inventar nada).
De como os centros cerebrais que processam os estímulos da religiosidade têm tanto em comum com os da sensualidade… mistérios do cérebro, como diria Maria Viana.

http://letras.kboing.com.br/nat-king-cole/ansiedad/'


Ansiedad, de tenerte en mis brazos                      sol - sol - sol
Musicando,... palabras de amor              7ª de ré – dó – dó menor - sol
Ansiedad, de tener tus encantos
Y en la boca, volverte a besar

Talvez esté llorando mi pensamiento
Mis lagrimas son perlas que caen al mar
El eco adormecido, de este lamento
Hace que estés presente en mi soñar

Quizás estés llorando al recordarme
Y estreches mi retrato con frenesi
Hasta tu oido llegue la melodia salvaje
del eco de la pena de estar sin ti.

Ansiedad, de tenerte en mis brazos
Musicando,... palabras de amor
Ansiedad, de tener tus encantos

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Milagre, milagre

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Recomendo que oiçam a Antena 2. Ainda hoje passou uma entrevista de divulgação do livro “Histórias rocambolescas da história de Portugal”.

Tenho mesmo de o ler.

Lá vem a homenagem a Alexandre Herculano, que foi quem primeiro desmontou o milagre de Ourique e o mito das cortes de Lamego.

O milagre, milagre, de Ourique foi inventado no século XIV para dar força ao partido do senhor João I, na luta contra o partido pró-castelhanos. Nem sequer se tem a certeza onde foi a batalha de Ourique, quanto mais saber que o senhor Afonso Henriques tinha rezado e obtido um milagre, milagre… Mas foi uma mentira muito útil para o partido do senhor João I para convencer o povo a segui-lo.

Quanto às cortes de Lamego, reza o mito que foram convocadas pelo senhor Afonso Henriques para ser reconhecido como rei e estabelecer as regras de sucessão do trono. Só que ficou provado que as atas das cortes de Lamego foram forjadas no mosteiro de Alcobaça pelos monges de Cister cerca de 1630, incorporando judiciosamente as regras de sucessão do trono, as quais expressamente excluíam do trono português filhos de reis estrangeiros.
Estava-se mesmo a ver que era para preparar a revolução de 1640, não estava? E assim foi, as atas falsas das cortes de Lamego receberam o estatuto de lei fundamental a partir de 1641.

Pessoalmente, desagrada-me muito que falsificações estejam na base seja do que for.

Mesmo que a intenção seja boa e muito patriótica.

Por uma razão muito simples, que é a de que não é possível enganar todos durante todo o tempo, por mais milagrosa que seja a história.

Acaba sempre por se saber.

Viva Alexandre Herculano (de que a minha professora de história, Maria Helena, era fan, claro).

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quarta-feira, 12 de maio de 2010

Maria Helena, professora de História e de Filosofia

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Maria Helena era casada com um ministro do senhor Salazar.

Talvez por isso não fosse simpática para tantos de nós. Porque vivíamos o renascer do movimento associativo nas escolas perseguido pela polícia política e pelo senhor reitor.

Maria Helena era professora de História e de Filosofia no Liceu Camões, no tempo em que as famílias influentes mandavam os seus filhos para a escola pública.

Passados todos estes anos, tenho outra ideia sobre ela. De uma formação científica sólida e exemplar. Com uma grande capacidade de interpretar os factos e de suscitar nos alunos a vontade de o fazer. Dizia-nos constantemente que não interessava fixar os nomes dos imperadores romanos ou as datas de nascimento e morte dos reis de Portugal ou das batalhas da guerra dos 30 anos.

Interessava sim saber o que movia as pessoas, que interesses económicos e sociais estavam por trás dos grandes movimentos, como as cruzadas ou os descobrimentos. Assim nos instilava a análise marxista e o materialismo histórico, sem pronunciar a palavra proibida, marxismo.

E também nos alertava para a fidedignidade dos testemunhos. Que Fernão Lopes era um cronista de renome mundial e devíamos lê-lo, mas sempre considerando que o que escrevia era para servir o partido do seu patrono, o senhor João I. E que a revolução de 1383, com o apoio de uma burguesia urbana comerciante e pré-industrial a esse partido não podia ser utilizada para nacionalismos e patriotismos provincianos.

Isto dizia muitos anos antes de Dan Brown ter “descoberto”, no Código da Vinci, que a história é sempre escrita pelos vencedores, ou, como também ouvi nas aulas de Maria Helena, “vae victis”, ai dos vencidos.

Compreendo agora por que o professor de Fisico-Quimica, um jovem alto e apessoado, arranjava sempre maneira de, nos intervalos das aulas e no caminho para as turmas, percorrer os corredores do liceu ao lado da figurinha de Maria Helena, debruçado sobre ela, certamente deslumbrado com ela e com o que ela dizia.

Recordo o entusiasmo com que descreveu a visita do presidente da republica francesa Loubet a Portugal, em 1904, e da forma certeira como a integrou do desenvolvimento da causa republicana em Portugal. De como as visitas de chefes de estado eram um fator importante na vida diplomática da Europa do princípio do século XX. De como os vivas ao presidente Loubet em 1904 eram sentidos e significavam a adesão do povo português ao ideal republicano e à república emergente em 1910, em contraste com os vivas ao rei Eduardo VII, em 1903, que a história demonstrou que eram apenas vivas de circunstancia do povo de Lisboa e de óbvio apoio à bênção protetora de Inglaterra às colónias de Portugal em África, ameaçadas pelas potências europeias do costume.

Foi a Maria Helena que primeiro ouvi a caracterização do mito de Sísifo aplicado à economia. A economia tem de crescer sempre (a maldição de Adam Smith, que nunca previu um cotovelo de saturação e o que fazer uma vez lá), mesmo que caia de depressão em depressão.

A produção tem de aumentar sempre e a procura de crescer para absorvê-la, senão as fábricas fecham e o desemprego aumenta. E ela dizia que a produção não pode aumentar indefinidamente, que às tantas está-se a produzir o que não é necessário e gente a viver da publicidade só a convencer os outros a comprar coisas de que não precisam (ou as respetivas necessidades poderiam ser satisfeitas de modo mais racional numa perspetiva de bem comum e de soluções coletivas).

Isto em 1960. Já se punha a questão do mercado saturado de fabricantes de automóvel… e ainda não se pensava na questão um carro poluidor para cada chinês e cada indiano.

Mas Maria Helena não tinha as soluções.

Tinha apenas a abertura de espírito para analisar os problemas e estudar as hipóteses de solução.

E talvez um carro poluidor para cada habitante do planeta, seja ele finlandês, português, indiano ou chinês, não seja a melhor estratégia para a situação atual e futura do dito planeta. Há soluções mais coletivas , pacíficas e, como se diz agora e ainda não se dizia no tempo da minha professora de história e de filosofia, sustentáveis.

Saravá, professora Maria Helena.

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terça-feira, 11 de maio de 2010

Very fast post in blog – 11 . O Poceirão.

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Tem uma certa razão o senhor doutor Medina Carreira quando diz que se vai levar muito tempo para chegar ao Poceirão (ai o estrangulamento da ponte 25 de Abril e da linha da cintura...). Mas façamos um contrato: eu não digo disparates sobre fiscalidades e pagarei o meu aumento de impostos sem comentários (tirando aquele de que os bancos,as seguradoras e os bolsistas tenham os seus aumentos de impostos); e o senhor doutor deixa fazer o meio TGV (o ideal era deixar fazê-lo todo com calma ou com menos calma), e não dirá disparates (em termos de transportes, claro) sobre se fazer meio é pior ou melhor do que fazer zero.

Pode ser?

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Religo V - Em que Bocage acreditar?

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Temos de nos contentar com a multiplicidade das naturezas das coisas e que as coisas nunca são simples e claras.
Em que Bocage acreditar? O da ponta final, ou quando escrevia a Marília?
Ou então não nos preocupemos tanto com aquilo a que chamamos lógica, que pode ser apenas uma reconstituição distorcida, um modelo longe da realidade que o nosso cérebro se entreteve a forjar para nosso engano.
Mas que Bocage era um humanista, isso era, e isso é o que a mim me interessa.


Já Bocage não sou


Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa!... Tivera algum merecimento,
Se um raio da razão seguisse, pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... A santidade
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!


Pavorosa Ilusão da Eternidade
- Epístola a Marília

Pavorosa ilusão de Eternidade,
Terror dos vivos, cárcere dos mortos;
D'almas vãs sonho vão, chamado inferno;
Sistema de política opressora,
Freio que a mão dos déspotas, dos bonzos
Forjou para a boçal credulidade;
Dogma funesto, que o remorso arraigas
Nos ternos corações, e a paz lhe arrancas:
Dogma funesto, detestável crença,
Que envenena delícias inocentes!
Tais como aquelas que o céu fingem:
Fúrias, Cerastes, Dragos, Centimanos,
Perpétua escuridão, perpétua chama,
Incompatíveis produções do engano,
Do sempiterno horror horrível quadro,
(Só terrível aos olhos da ignorância)

Não, não me assombram tuas negras cores,
Dos homens o pincel, e a mão conheço:
Trema de ouvir sacrílego ameaço
Quem d'um Deus quando quer faz um tirano:
Trema a superstição; lágrimas, preces,
Votos, suspiros arquejando espalhe,
Coza as faces co'a terra, os peitos fira,
Vergonhosa piedade, inútil vénia
Espere às plantas de impostor sagrado,
Que ora os infernos abre, ora os ferrolha:
Que às leis, que às propensões da natureza
Eternas, imutáveis, necessária,
Chama espantosos, voluntários crimes;
Que as vidas paixões que em si fomenta,
Aborrece no mais, nos mais fulmina:
Que molesto jejum roaz cilico
Com despótica voz à carne arbitra,
E, nos ares lançando a fútil bênção,
Vai do grã tribunal desenfadar-se
Em sórdido prazer, venais delícias,
Escândalo de Amor, que dá, não vende.


Oh Deus, não opressor, não vingativo,
Não vibrando com a destra o raio ardente
Contra o suave instinto que nos deste;
Não carrancudo, ríspido, arrojando
Sobre os mortais a rígida sentença,
A punição cruel, que excede o crime,
Até na opinião do cego escravo,
Que te adora, te incensa, e crê que és duro!
Monstros de vis paixões, danados peitos
Regidos pelo sôfrego interesse
(Alto, impassivo númen!) te atribuem
A cólera, a vingança, os vícios todos
Negros enxames, que lhes fervem n'alma!
Quer sanhudo, ministro dos altares
Dourar o horror das bárbaras cruezas,
Cobrir com véu compacto, e venerando
A atroz satisfação de antigos ódios,
Que a mira põem no estrago da inocência,
(...)
Ei-lo, cheio de um Deus, tão mau como ele,
Ei-lo citando os hórridos exemplos
Em que aterrada observe a fantasia
Um Deus algoz, a vítima o seu povo:
(...)
Ah! Bárbaro impostor, monstro sedento
De crimes, de ais, de lágrimas, de estragos,
Serena o frenesi, reprime as garras,
E a torrente de horrores, que derramas,
Para fundar o império dos tiranos,
Para deixar-lhe o feio, o duro exemplo
De oprimir seus iguais com férreo jugo.
Não profanes, sacrílego, não manches
Da eterna divindade o nome augusto!
Esse, de quem te ostentas tão válido,
É Deus de teu furor, Deus do teu génio,
Deus criado por ti, Deus necessário
Aos tiranos da terra, aos que te imitam,
E àqueles, que não crêem que Deus existe.
(...)

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Very fast post in blog – 10. A comunidade aguarda

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No princípio do mês de Fevereiro de 2010 o senhor ministro dos transportes anunciou que, a muito curto prazo, seria divulgado o plano estratégico atualizado de transportes do país. Passados 3 meses, a comunidade dos técnicos de transporte aguarda, sendo certo que em períodos de crise devem ser feitos os projetos, de modo a estarem prontos quando for possível executá-los (ai de mim, se na minha empresa me entregassem um trabalho para estar pronto a muito curto prazo e ele não estivesse pronto em 3 meses).



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segunda-feira, 10 de maio de 2010

A estratégia A-B-C

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No ano de 2005 tive de me deslocar a Teerão para uma reunião de trabalho com colegas homólogos da UITP.
À aproximação do aeroporto de Teerão, o piloto da Lufthansa informou que, por decreto governamental, as senhoras passageiras eram convidadas a cobrir a cabeça com um lenço.
Foi uma mistura de estranho, divertido e penoso ouvir o som de quase metade do avião, incluindo todas as senhoras iranianas que nele viajavam, a retirar os lenços das malas e a cobrir a cabeça. Minha mulher incluída, que viajava comigo a expensas próprias. Um ponto claramente negativo para o regime de Teerão.
Pouco depois, já no aeroporto, outro facto digno de registo. Num cartaz em inglês de uma campanha contra a sida, a fotografia de um dos chefes religiosos do regime, com a seguinte estratégia de combate: A-B-C .
A de abstinence;
B de be faithful;
C de condom.
Isto é, nós, chefes religiosos, achamos que o melhor é a abstinência. Mas se não puderes, ao menos sê fiel. E se mesmo assim não puderes, ao menos usa o preservativo.
Aí estava um ponto, se não claramente positivo, dada a presença imperativa do chefe religioso na fotografia, pelo menos com algo de positivo na luta contra a sida.

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domingo, 9 de maio de 2010

Very fast post in blog – 9. Excesso de velocidade

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No dia 3 de Maio de 2010 tivemos em Lisboa um choque em cadeia de 3 automóveis no tunel de Entrecampos com capotamento e outro com 5 automóveis na 2ª circular. No dia 8 foi a vez do túnel na Av.Infante D.Henrique com 4 automóveis. Será preciso mais para justificar a operacionalização da fiscalização rigorosa da velocidade?

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A reabilitação urbana

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O bastonário da Ordem dos engenheiros já tinha chamado a atenção para a necessidade de concentrar esforços na reabilitação urbana.
Entre outras razões, porque uma área metropolitana com um urbanismo deformado introduz elementos de relutância à produção económica. Como dizia um cronista, quanto menores os rendimentos de trabalho de um cidadão, maior o número de modos de transporte que tem de apanhar nas suas deslocações casa-trabalho.
Com a devida vénia, cito o presidente da AICCOPN no DN:
Deveria ser dada prioridade aos projetos de reabilitação urbana porque beneficiam de ajudas comunitárias até 70% e porque incorporam 40% de mão de obra do total.
Feitas as contas, o investimento público será da ordem de 16% do investimento total.
Não estão contabilizados os benefícios sociais (por exemplo, aumento da produtividade por menor incomodidade no transporte; economia de tempo das deslocações).
O programa aplicável poderá ser o QREN, de que só se executou 12%.
Porque não se avança então?
Porque a burocracia é muita até estarem criadas as condições para arrancar com as obras (o novo código da contratação pública não veio ajudar nada, apesar das boas intenções…).
Porque ao longo das várias instâncias aparecem sempre cidadãos a levantar objeções.
Porque os gabinetes de projeto e as empresas de construção não estão vocacionadas e porque são de difícil acesso para os proprietários, já de si carentes de financiamentos.
Porque não há a cultura de controlar os custos em obras de reabilitação (é sempre mais "prático" e económico deitar abaixo e fazer de novo precisamente porque a dimensão do mercado é pequena e não se controlam os custos em atividades a que não se está habituado, como a reabilitação).
Porque nós portugueses temos dificuldade em nos organizarmos em equipas atuantes.
É pena. Logo a seguir ao 25 de Abril houve um esforço interessante, ao nível das autarquias, para garantir às populações habitação condigna.
É o que é preciso, agora. Tantos jovens da especialidade dispostos a trabalhar nisto…
Não gostam da evocação? Sugiro então o modelo de Harlem, em New York.
Mas organizem-se. Lembrem-se do caso do deslizamento da encosta da Senhora do Monte, na Graça.


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