sexta-feira, 25 de abril de 2025

Vitor Bento, economista jovem na defesa do setor bancário

 

https://www.publico.pt/2025/04/24/opiniao/opiniao/interesse-proprio-instrumento-interesse-social-2130574

Vitor Bento, economista jovem

Folheio calmamente o Público de 24 de abril e depara-se-me na secção Opinião a Riqueza das Nações de Adam Smith e a célebre citação do interesse do talhante, do cervejeiro e do padeiro.  Quem escreve diz que muitas vezes esta citação é usada malevolamente para desconsiderar o capitalismo. E prossegue exaltando o sucesso da economia de mercado. Vou lendo a argumentação e imagino que estou a ouvir o meu neto, entusiasmado com a defesa do liberalismo na campanha eleitoral e no complexo contexto atual. Os jovens são eternamente fortes, são confiantes e valentes e têm a certeza que vão vencer a competição e a concorrência nos mercados, vão ultrapassar e ficar à frente. Aliás, a mão invísível de Adam Smith dará uma ajuda. Terão, Smith, o articulista e o meu neto, lido MacBeth de Shakespeare? Em que uma outra mão invisível deixava  uma mancha que não saía? E poderá confiar-se nos princípios filosóficos do interesse egoísta de Smith quando a revolução industrial ainda não tinha explodido ? Talvez, a Natureza tem destas coisas, por vezes a realidade é dual, a dedução filosófica correlaciona-se com a realidade física, esta por sua vez também dual, corpuscular e ondulatória ao mesmo tempo. Bem, a Riqueza das Nações apareceu pouco depois do terramoto de 1755 e por cá até o 3º conde da Ericeira tentou a industrialização que o ouro do Brasil comprometeu em monumentos e luxos, e até já havia a indústria das vidreiras, com a força ainda não do vapor mas dos cursos de água e do vento, já se faziam teares industriais mas ainda incipientemente programados. E em abono de Adam Smith, evoco o seu outro tratado, a Teoria dos sentimentos morais, ou a defesa da simpatia dos empresários pelo bem-estar e satisfação dos seus clientes, i.é. a responsabilidade social das empresas. Sempre que falo disto lembro-me  da minha terra, onde uma fábrica de cimento foi construída rodeada de casas, cantina, farmácia, escola, posto de enfermagem, estádio de futebol, cinema, para usufruto dos seus funcionários, o capitalismo esclarecido de um empresário lisboeta de ascendência alemã, no princípio do século XX, para compensar  a ausência da iniciativa do Estado. Continuo a leitura do artigo e esbarro na defesa do setor bancário. Será vítima de má vontade, mas não posso concordar com a comissão de 5 euros para manutenção da conta, nem com o fecho agressivo de agencias, nem com o atropelo das regras da concorrência com combinação de spreads. E só então reparo no nome do articulista, Vitor Bento. Argumentação jovem e forte, em defesa do seu setor.


terça-feira, 1 de abril de 2025

Chamava-se Palestina, poema de Mahmoud Darwish (1941-2008)

 Atingi a maioridade em plena guerra colonial. Graças à possibilidade de adiar a incorporação durante a universidade, conclui o curso em 1970, dei aukas numa escola do ensino técnico profissional e iniciei o serviço militar em Mafra em 1971. Não cheguei a ser mobilizado e todos os comandantes das unidades por onde passei sabiam o que eu pensava. Não era difícil, na porta do meu carro velhinho estava um autocolante "make love, not war" e apoiava sistematicamente os cantores chamados de intervenção.

Passados mais de 50 anos, quem não gostar de mim dirá que seria normal na minha juventude pensar daquela forma (mas eu lembro-me de que muita gente da minha idade não contestava a política colonial), e anormal continuar a pensar da mesma forma, "make gardens, not war", como já se ouviu na ilha sueca de Gotland. Mas as causas do horror a guerra mantêm-se, Hiroshima, Afganistão, Líbano,Síria, Iraque, Vietname, Yugoslávia, Sudão, Somália, Ruanda, Ucrânia ... Palestina.

Churchill apelava sistematicamente à guerra, considerava Benjamin Britten como traidor. Aplaudo o Requiem da Guerra, com poemas de Wilfred Owen, que começou por acreditar na guerra, e morreu no último ano da I Grande Guerra.

Graças ao jornal espanhol diario.es

https://1drv.ms/w/c/1ebc954ed8ae7f5f/Efe-S1F-_CJDh8ADqiusC3wBxCuadUeL3fWYhGC6bFTnPA?e=eQeGMi

conheci o poema do poeta palestino Mahmoud Darwish, que reproduzo a partir da tradução para espanhol de Luz Gómez Garcia:



Nesta terra há algo
que vale a pena viver:
a indecisão de Abril,
o cheiro do pão ao amanhecer,
as opiniões de uma mulher sobre os homens,
os escritos de Ésquilo,
as primícias do amor,
a erva nas pedras,
as mães erguidas num som de flauta
e o medo que as memórias inspiram nos invasores.

Nesta terra há algo que merece viver:
o final de setembro,
uma senhora que entra,
com todo o seu frescor, no refúgio,
a hora do sol na prisão,
uma nuvem que imita um grupo de animais,
as aclamações de um povo que. sorrindo, elevam à morte,
e o medo que as canções inspiram nos tiranos.

Nesta terra há algo que merece viver:
nesta terra está a senhora da terra,
a mãe dos começos,
a mãe dos finais.

Chamava-se Palestina.
Ainda se chama Palestina.

Senhora: 
Eu mereço,
porque tu és senhora de mim,
eu mereço viver.