terça-feira, 3 de outubro de 2023

Sessão na Ordem dos Engenheiros sobre as ligações ferroviárias à Europa em 14 de setembro de 2023


Programa da sessão e apresentações :

https://www.ordemengenheiros.pt/pt/agenda/conferencia-ligacoes-ferroviarias-a-europa/

 

Gravação Youtube da sessão:

https://www.youtube.com/watch?v=BAJVWfHLQsU

 

Regista-se com apreço a posição da Ordem dos Engenheiros, ao realizar esta sessão, de promover o debate, sem querer impor uma solução.  Na verdade, compete aos cidadãos, nos termos do at.48 da CRP, participar nos assuntos públicos, cabendo especialmente, além das instituições, aos técnicos da especialidade e aos interessados pelas suas ligações à academia ou à industria exportadora, informar a sociedade civil dos problemas e das possíveis soluções.

 



 

Comentário à intervenção do eng.Carlos Fernandes 

Índice 

1 - Troço Plasencia-Merida em via única como Évora-Caia

2 - Rendimento da mudança de bitola com travessas polivalentes

3 - Só se eliminarão as pendentes da linha da Beira Alta quando Espanha o  fizer no troço Salamanca-Vilar Formoso

4 - Nova fábrica de baterias em Sines

5 - O comércio com Espanha é 4/5 (80%) do comércio total com a  Europa

6 – Argumentos para a linha AV Porto-Lisboa ser em bitola 1668mm

7 - A ADIF não prevê a ligação Ourense-Santiago em UIC continuando a utilizar os Alvia S730 de eixos variáveis

8 - Contactos com a DG MOVE com o acordo para a linha AV Porto-Lisboa

9 – Carência de recursos humanos na IP e perda do financiamento CEF

10 - O mapa do observatório del ferrocarril en España mostra que não há serviço de mercadorias em bitola europeia

11 - Tunel de el Perthus com comboios de mercadorias sem comboios de mercadorias (afirmação de Frederico Francisco)

 

Comentários

 

1 – Linha AV da Extremadura (Troço Plasencia-Merida em via única como Évora-Caia?)

 

De acordo com o mapa da Declaracion sobre la rede da ADIF/AV, o troço da linha AV entre Talayuela e Plasencia (em construção) e Plasencia-Mérida/Aljucen (em serviço) é em via dupla (exceto na travessia de Caceres) com travessas polivalentes e via 1668mm. Entre Merida e Badajoz a linha de AV é em via simples, em paralelo com a via convencional pré-existente


                                                     em:          https://www.adif.es/informacion-al-usuario/mapa

linha de AV da Extremadura ao lado da linha convencional pré-existente, em:

Adif pone en tensión otros 90 km más de la línea de alta velocidad de Extremadura (eldiario.es)


Uma importante diferença entre o que foi feito em Espanha e o que está em Évora-Caia, condicionando a posterior transição da bitola é que os viadutos do lado espanhol estão já com via dupla enquanto do lado português só têm tabuleiro para a via única. Como se sabe, os custos de manutenção ou reposição de estaleiro ao voltar-se à obra encarecem-na e só será possível fazer a transição sem interrupção do tráfego construindo a segunda via, com custos superiores aos atuais.

 Viaduto sobre o Tejo do lado espanhol

                                               

 

Viadutos do troço Évora-Caia. Visíveis os pilares para o tabuleiro da via única. O tabuleiro da segunda via será instalado sobre pilares de que só existem as bases, também visíveis ao lado dos pilares concluídos.


Conclusão: embora não seja satisfatória, em Espanha, a evolução da linha de AV da Extremadura, que integra a linha Lisboa-Madrid, faltando construir os troços Talayuela-Madrid, não pode afirmar-se que nada está feito do lado espanhol, requerendo-se mais interesse do governo português em, nas cimeiras luso-espanholas, acelerar em boa coordenação a construção deste corredor internacional das redes transeuropeias

 

2 - Rendimento da mudança de bitola com travessas polivalentes (15km/dia de via dupla?)

Têm os proponentes da bitola 1435mm insistido  que não é uma tarefa fácil fazer a transição de bitola nas travessas polivalentes, especialmente se se tratar de via única ou zona de aparelhos de via (agulhas), obrigando à interrupção da circulação ou a sucessivos transbordos durante tempo considerável. Baseados na informação em  (diapositivos 36 e seguintes)                    http://cip.org.pt/wp-content/uploads/2017/01/Ref-78.pdf        têm divulgado o rendimento esperado de 1km de via simples/equipa de 17homens por turno. Admitindo 3 períodos  de trabalho por dia e em cada período o trabalho simultâneo de 3 equipas de 17 homens espalhados por 3 km, teremos 9 equipas com cerca de 150 homens e  9 km executados por dia. Isto é, 9 km/dia e 150 homens. Comparando com a velocidade de 0,3 km/hora, dada por fabricantes de transportadores de carril na substituição de carris, e os tempos para  desaparafusar e aparafusar os tira-fundos, parece razoável a estimativa.

O eng.Carlos Fernandes apresentou uma estimativa de 12 a 15km de via dupla por 3 equipas de  30 homens, o que daria um rendimento de 30 km de via simples/dia e 90 homens, o que parecerá otimista, tal como a estimativa de 0,3 milhões de euros por km. No entanto, concordaremos que no caso de futura transição de bitola em Évora-Caia será preferível construir primeiro a segunda via, incluindo os novos tabuleiros dos viadutos que atualmente só dispõem do tabuleiro para via simples, o que encarecerá a obra.

 

3 – pendentes da linha da Beira Alta

Conforme a apresentação do eng.Carlos Fernandes, a IP estima perto de 1.000 milhões de euros para a eliminação das pendentes. Considerando que atrasos na obra adiam a reabertura da linha para cerca de 2 anos após o fecho em abril de 2022, que a extensão da obra foi mais do que “modernização” ao implicar a construção de novos viadutos, que uma linha nova Aveiro-fronteira portuguesa teria cerca de 180km (menos 10% do que o percurso Aveiro-Pampilhosa-Vilar Formoso), que a limitação das pendentes a 1,25% na nova linha permitiria uma economia de cerca 30% no consumo de energia, parecerá que deverá fazer-se a comparação ex post entre “modernização” e construção de raíz de linha nova de interoperabilidade conforme a regulamentação das redes transeuropeias em projetos futuros.

Relativamente à afirmação de que só deverá eliminar-se as pendentes quando Espanha o fizer no troço de Salamanca, vale dizer que a Medway e a Captrain adquiriram locomotivas Stadler Euro 6000 com bitola 1668mm para o serviço na península e com bitola 1435mm para o serviço na Europa além Pirinéus cujas caraterísticas de tração (500kN no arranque e 430kN em serviço contínuo) que se estima poder vencer, sem embalamento,  as pendentes de 1,8% do troço de Salamanca à velocidade de cerca de 50 km/h para uma carga útil de 1.400 toneladas. Mas reitera-se que seria desejável uma linha nova em via dupla e bitola 1435mm. Igualmente se sublinha a importância da adoção de equipamento standard ERTMS para sinalização e controle de velocidade sem equipamentos específicos como as balizas CONVEL e o módulo STM.

 

4 –   Nova fábrica de baterias de lítio em Sines

Efetivamente, foi elaborado um Estudo de Impacto Ambiental cuja consulta pública terminou em março de 2023, aguardando-se o parecer final da APA. Trata-se de um projeto do fabricante chinês CALB. Estranha-se esta demora, esperando-se que não tenha que ver com questões geo-estratégicas de restrições ao comércio por algum bloco plurinacional (recorda-se a pressão do embaixador dos USA aquando do concurso do terminal XXI). 

Provavelmente a principal via de exportação encarada seria a marítima, mas a ligação em bitola1435mm à Europa além Pirinéus seria um fator de fixação da empresa chinesa em Sines. Enquanto tal não for possível deverá acelerar-se a construção do troço Sines-Grandola Norte (sugere-se em via de 3 carris) para evitar as pendentes do troço Sines-Ermidas, e a operacionalização da ligação à plataforma de Vitória e de Manzanares (na linha Badajoz-Puertollano) com recurso ao equipamento ERTMS standard.

Informação recolhida sobre este tema:

https://participa.pt/pt/consulta/pda-do-eia-da-unidade-industrial-de-baterias-de-litio

https://www.motor24.pt/noticias/chineses-com-projeto-de-mega-fabrica-de-baterias-para-sines/1592349/  

https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/fabrica-de-baterias-em-sines-vai-lucrar-com-acordo-entre-volkswagen-e-xpeng-motors

https://expresso.pt/economia/economia_energia/2023-09-16-Projeto-de-15-mil-milhoes-para-produzir-combustivel-verde-para-navios-em-Sines-inicia-licenciamento-ambiental-5b86db1a

 

 

5 - O comércio com Espanha é 4/5 (80%) do comércio total com a  Europa

Trata-se de informação desatualizada. Não é essa a informação do INE relativamente ao comércio por todos os modos com a EU de janeiro a julho 2023: 61% em peso e 41% em valor para exportações mais importações, 55% em peso e 36% em valor para exportações. Observa-se que apesar de Espanha ser o principal parceiro, o resto da UE proporciona uma receita de exportações superior (21 mil milhões de euros contra 12 mil milhões) e um défice das exportações-importações inferior (-4 mil milhões contra -9 mil milhões).

dados do INE em:
https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0008151&contexto=bd&selTab=tab2

https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0008594&contexto=bd&selTab=tab2




Conclusão: compreende-se o empolamento para além dos números do INE que o governo e a IP fazem da importância do comércio com Espanha, por continuar a ser o primeiro cliente,  porque isso ajuda a aceitar concentrar os esforços na manutenção sem prazo duma rede de bitola 1668mm complementar da rede espanhola de mesma bitola orientada, no corredor atlântico, para o serviço da plataforma de Vitoria (que se espera ligada brevemente por via de 3 carris a Irun, eliminando assim as dificuldades de sincronização de canais dos dois lados da fronteira) e de Madrid por Puertollano e Manzanares (que integram o corredor mediterrânico Algeciras-Cordova-Madrid-Zaragoza-Barcelona e Algeciras-Valencia-Barcelona)

https://www.adif.es/sobre-adif/red-ferroviaria/corredores-transeuropeos

Porém, dada a estratégia espanhola de desenvolvimento das linhas de AV para passageiros e de integração dos corredores de mercadorias nos corredores internacionais em sintonia com a regulamentação europeia, conforme a última ligação para a ADIF (em “Camino hacia un nuevo marco de los corredores europeos”), não parecerá compatível com essa estratégia espanhola a defesa da exclusividade da rede de mercadorias em bitola 1668mm com o argumento do peso do comércio com Espanha, requerendo-se uma boa coordenação com Espanha para o cumprimento da regulamentação, incluindo a integração dos corredores de mercadorias nos corredores internacionais.

 

6 - A linha AV Porto-Lisboa será bitola 1668mm porque:

i)                 pretende-se serviços para as cidades intermédias (servindo com desvios estações como Coimbra B, Aveiro e Campanhã) e de regiões adjacentes;

ii)                pretende-se libertar canais na linha existente para mercadorias;

iii)              só se planeou para 2030 a ligação Porto-Carregado, dando-se continuidade para Lisboa com a quadruplicação da linha em Alverca-V.F.Xira  (aparentemente, a forma como foram apresentados os inconvenientes da opção de construção da linha AV Porto-Lisboa integralmente em bitola 1435mm terão sido exagerados)

i)  Existe uma divergência profunda entre o conceito inter-regional do PFN, que acentua a predominância do litoral e  ignora o estímulo ao crescimento das exportações e à fixação de investimento estrangeiro ao longo dos corredores internacionais, e o conceito internacional da regulamentação das redes Transeuropeias TEN-T. É verdade que a construção faseada da linha em bitola 1435mm obrigaria, sem comboios de eixos variáveis, a transbordos entre troços com e sem bitola 1435mm e para a ligação às cidades intermédias.  Isso seria suportável, não se recorrendo a material circulante de eixos variáveis e intercambiadores, com rapidez de execução e facilidade de transbordo dos passageiros (com os meios tecnológicos atualmente disponíveis, é possível implementar sistemas de recolha e de entrega domiciliar que evitem o incómodo do transporte de bagagem nos transbordos) . Os desvios para as estações no centro das cidades poderão ser evitados com linhas de metro de ligação ao centro da cidade.

ii)  A alternativa ao proposto no PFN é o respeito pela regulamentação comunitária, em vez de uma linha de bitola 1668mm para tráfego exclusivo de passageiros, o que o mapa das redes TEN-T prevê é uma linha de bitola 1435mm para tráfego misto de passageiros e mercadorias, este no período noturno por razões de segurança. Necessária a aquisição de vagões de bitola 1435mm ou de eixos variáveis, aquisição de novos vagões inevitável atendendo aos novos requisitos da regulamentação (por exemplo,  o DAC, digital automatic coupling). Igualmente a linha existente serviria como complemento, absorvendo tráfego de mercadorias e de passageiros interurbano, regional e suburbano, sendo imperativo a correção das falhas de segregação relativamente a peões e outros modos, como passagens de nível, caminhos de peões adjacentes às vias ou de atravessamento, também de acordo com os novos requisitos da regulamentação revista.

iii)   Acredita-se que é possível encurtar os prazos de execução e incluir o troço Carregado-Lisboa (importante comparar numa ACB com a variante pela margem esquerda doTejo) desde que se reforcem os quadros de  pessoal e melhore a forma de contratação de gabinetes de engenharia (inclusive por concurso publico aberto a estrangeiros) de modo a poderem elaborar-se os projetos para candidatura com êxito aos fundos comunitários. Eventuais prejuízos a curto prazo da solução 1435mm comparativamente com a solução 1668mm poderão ser compensados a médio e longo prazo (2030-2040) pela viabilização da transferência da carga rodoviária para a ferrovia desde que assegurada a ligação aos portos e a continuidade por Espanha dos percursos para passageiros para Madrid (vantagem da economia energética relativamente ao avião) e de mercadorias aos Pirinéus (implicando coordenação com Espanha em moldes diferentes da atualidade).      

 

7 - A ADIF não prevê a ligação Ourense-Santiago em UIC continuando a utilizar os Alvia S730 de eixos variáveis e vai construir o túnel Vigo sul

É de facto curiosa, dada a partilha na História, a semelhança da estratégia ferroviária dos governos português e do governo regional galego, a Xunta de Galicia. Depois de elevados gastos na linha AV de Zamora até Ourense, de bitola 1435mm, para que os comboios existentes de passageiros e de mercadorias de bitola 1668mm possam circular entre Vigo, Santiago, Corunha e Ourense com ligação aos portos, manter-se-á sine die a bitola 1668mm mas já em travessas polivalentes e em via dupla eletrificada a 25kVAC e caraterísticas de traçado de alta velocidade. Isso só é possível, para a ligação daquelas cidades a Madrid, com recurso aos comboios do tipo S-730 de tração híbrida e de eixos variáveis, permitindo ao governo espanhol canalizar verbas para outras regiões.

Também curiosamente, esta solução poderia ser utilizada na nova linha Porto-Lisboa em bitola 1435mm instalando intercambiadores de mudança de bitola, fase a fase, em quantidade inferior aos 20 citados pelo eng.Carlos Fernandes, mas reitera-se que a divergência principal que temos é sobre o conceito do PFN que enforma a nova linha conforme visto no ponto 6. Acresce que devido às caraterísticas da linha de Ourense-Zamora provavelmente  terá de se construir num futuro ainda não datado, uma nova linha de mercadorias de bitola 1435mm de ligação a Monforte-Leon-Palencia-Venta de Baños-Burgos de elevado custo devido à natureza montanhosa. A linha de Oviedo-Pajares-Leon será de tráfego misto com troços de bitola 1435mm e de 3 carris e intercambiadores.

Anota-se que é uma lacuna a ausência da bitola 1435mm de Ourense até à capital da Galiza, impedindo o acesso à região de operadores estrangeiros que não disponham de comboios de eixos variáveis.

8 - Nos contactos com a DG MOVE foi dado o acordo à construção da linha AV Porto-Lisboa em bitola 1668mm dependendo a decisão de “migração” para 1435mm de análise de custos benefícios integrante da avaliação até 2026 e da elaboração de um plano de migração até 2027, conforme os artigos 16.a.2 e 16.a.3 . Segundo o eng.Carlos Fernandes a decisão de “migração” dependerá da chegada da bitola 1435mm à fronteira com Espanha, embora a informação disponibilizada publicamente pela DG MOVE e o art.16.a.5  é de que a decisão de não “migrar” deverá ter o acordo de Espanha através dum pedido de isenção temporária de cumprimento do requisito da bitola 1435mm.

Não pode deixar de se notar que estes pedidos de isenção se traduzem num adiamento até 2027 da decisão de adotar a bitola 1435mm em vez da elaboração de um planeamento credível minimizador dos efeitos a longo prazo desse adiamento.

 

9 - Carência de recursos humanos na IP e perda do financiamento CEF

 A solução de uma PPP para cada fase da linha AV Porto-Lisboa deve-se à incapacidade da IP de desenvolver os projetos, para além dos estudos prévios que integram os concursos para conceção-construção-operação-manutenção.

Verifica-se assim, com grau significativo de probabilidade, uma carência de recursos humanos na IP para elaboração dos projetos para concurso e para candidaturas a fundos comunitários e para controle de execução das obras e ensaios de colocação em serviço. Poderá ser essa a razão de sucessivos atrasos nas obras atribuíveis a limitações na fiscalização na previsão e controle das causas habituais associadas à contratação pública, às cadeias de fornecimentos, guerra e inflação. Poderá também ter estado na origem da ausência de candidatura aos fundos CEF no período que terminou em jan2023. Segundo o eng.Carlos Fernandes espera-se poder apresentar a candidatura ao CEF Coesão no período  com início em set2023 com a expetativa até 1.000 milhões de euros como apoio à nova linha Porto-Lisboa.

Independentemente destes factos, parece urgente a IP promover um aumento de quadros dos seus técnicos acompanhado das necessárias ações de formação, considerando os requisitos acrescentados pela revisão da regulamentação, nomeadamente nos desenvolvimentos tecnológicos a aplicar no material circulante tanto de passageiros como de mercadorias e aos nós urbanos (artigos 12, 18 e 40).

 

10 – Rede de mercadorias em Espanha

O eng.Carlos Fernandes reconhece que a rede de mercadorias peninsular UIC seria o ideal, mas o mapa do observatório del ferrocarril en España só mostra o troço Barcelona-Figueres (trata-se de uma edição de 2021 não contemplando os planeamentos do “Y” basco e do corredor mediterrânico)

Na segunda intervenção, o eng.Carlos Fernandes afirmou que não há transporte de mercadorias em bitola 1435mm em Espanha, excetuando o troço Barcelona-Figueres-Perpignan. Sendo verdade, ignora o intenso trabalho no corredor mediterrâneo e no Y basco, as dotações do orçamento de Estado para 2023 da ordem de 1.600 milhões de euros para cada um dos corredores atlântico e mediterrânico, a aplicação de cerca de 2.500 milhões de euros do PRR, de fundos CEF e o planeamento para a ferrovia do governo espanhol, publicamente referido como comprometido com a regulamentação comunitária (p.ex: bitola 1435mm em Valencia em 2025).

Poderá então afirmar-se que muito provavelmente ( a menos que eventual mudança de governo venha a ser também mudança de posicionamento na União Europeia) a curto prazo, inferior a 5 anos, a situação mudará.

Ora, como também afirmado na segunda intervenção que “todos estamos de acordo que ums rede de bitola 1435mm seria o ideal” e que a construção de uma linha pode demorar 10 anos entre a decisão e a inauguração, teremos aqui, considerando o anterior, uma oportunidade para uma convergência entre a posição oficial do governo/IP e a dos proponentes da promoção da bitola 1345mm.

Para isso propõe-se seguir o exemplo de Espanha, que criou dois “comissionados del gobierno”, um para o corredor mediterrânico e outro para o corredor atlântico (aguarda-se a apresentação do primeiro relatório deste para out2023) e mantem a ADIF separada em duas entidades de gestão independente, a ADIF convencional e a ADIF AV.

Para além disso, a complexidade e a extensão da criação da rede de bitola 1435mm e ERTMS em Portugal recomenda o aumento dos quadros da IP com ações de formação adequadas aos novos elementos.

Sobre a participação da IP nos agrupamentos europeus de interesse económico, AVEP e RCF4, sugere-se a subordinação rigorosa às especificações da regulamentação comunitária e o suporte ao governo português na coordenação com os governos espanhol e francês e a DG MOVE para  implementação dos corredores internacionais segundo os prazos 2030, 2040 e 2050,e , no caso das mercadorias, da integração do respetivo corredor nos percursos da rede TEN-T antes de 2050. Numa altura em que o governo português publicamente reafirma a sua sintonia com as diretivas comunitárias no sentido da transição energética e sendo a ferrovia um dos elementos dessa transição, não deverá ser difícil a sensibilização para a preparação da implementação dos regulamentos das redes TEN-T.

 

Em seguida mostram-se o mapa citado do “Observatorio del ferrocarril” do MITMA, observando que data de 2021, e o mapa ADIF do “Comisionado del gobierno para el corredor mediterraneo”. Ambos não incluem os esperados desenvolvimentos do Y basco e do corredor mediterrânico, que podem visualizar-se no mapa a seguir representado, do site  “Quero corredor” promovido pela associação dos empresários valencianos.

em pág.150 de:

https://cdn.mitma.gob.es/portal-web-drupal/ferroviario/observatorio/ofe_2021_feb2023_v2.pdf

 

retirado do site do Comisionado del gobierno para el corredor mediterraneo, onde podem vizualizar-se troço a troço o seu estado em serviço ou em obras, tipo de via (standard, ibérica, mista) e serviço passageiros e mercadorias (neste momento, mercadorias apenas até Barcelona em bitola 1435mm; evolução a seguir nos próximos anos, com previsão de 2025 até Valencia):

https://corredor-mediterraneo-adif.hub.arcgis.com/

https://adif.maps.arcgis.com/apps/webappviewer/index.html?id=66ace739697a4420936c351a922fc272

 

em:      https://elcorredormediterraneo.com/estado-de-las-obras/

 

Relativamente ao Y basco, referido pelo eng.Carlos Fernandes como tendo décadas de atraso (recorda-se a complexidade topográfica e a necessidade da sua existência para passageiros e mercadorias para a economia do país basco) o objetivo de 2027 manter-se-á, impondo-se que do lado francês não haja adiamentos com origem na política regional da Aquitania.

Ver  https://www.noticiasdegipuzkoa.eus/sociedad/2023/03/09/tercer-hilo-tav-astigarraga-irun-6545416.html 

 

Tanto no caso do corredor mediterrânico como no do Y basco, seria bom os defensores da exclusividade da bitola 1668mm e os proponentes da promoção da bitola 1435mm fundamentarem os seus argumentos nestes mapas de referência.

 

Sobre a linha Plasencia-Badajoz, afirmou o eng.Carlos Fernandes que tem pendentes longas de 1,8% que impedem a exploração por mercadorias. Observa-se que a linha Figueres-Perpignan que inclui o túnel de el Perthus, de tráfego misto, tem rampas com esse limite de pequena extensão e precedidas de curtos declives para facilitar o embalamento. Reitera-se que as novas locomotivas Stadler Euro6000 da Medway e da Captrain com 6MW e 500kN de força de tração no arranque podem vencer estes pendentes a 50km/h sem embalamento para uma carga útil de 1400 toneladas.

Reproduz-se um extrato do documento da ADIF

https://www.adifaltavelocidad.es/l%C3%ADnea-madrid-extremadura-frontera-portuguesa

“No sólo el tráfico de viajeros se beneficiará de la nueva línea. Su carácter de tráfico mixto permitirá a los trenes de mercancías circular por la misma aprovechando sus excedentes de capacidad y se conseguirá de esta manera un reequilibrio en la distribución modal de los transportes, reduciéndose sobre todo la cuota del transporte por carretera”.

Ver também, em que se menciona a utilização dos comboios Alvia S-730, de alimentação híbrida e eixos variáveis 1668/1435mm:

https://www.lamoncloa.gob.es/presidente/actividades/Documents/2022/180722_Dossier-fase1-LAV-Extremadura.pdf

Em conclusão, sem negar a evidencia de em Plasencia-Badajoz se utilizar bitola 1668mm com travessas polivalentes e faltarem cerca de 700km (Plasencia-Madrid-Vitoria) em Espanha para o corredor atlântico, não parece dever insistir-se em que a linha AV da Extremadura está em via única sem capacidade para o tráfego misto, nem ignorar a estratégia do governo espanhol e da ADIF de satisfazer as especificações da regulamentação comunitária das redes TEN-T.

 

11 - Tunel de el Perthus sem comboios de mercadorias (afirmação do senhor secretário de Estado)

Tem sido tradicional os defensores da exclusividade da bitola 1668mm desvalorizarem o tráfego de mercadorias no túnel de el Perthus, possivelmente para demonstrar a irrelevância da existência da bitola 1435mm no troço transfronteiriço Figueres-Perpignan. No entanto, consultando o site destinado a este troço, verifica-se que à quebra de tráfego associado à epidemia do Covid sucede um crescimento para 23 rotações semanais de mercadorias (78 rotações de comboios de passageiros) que se espera acentuar quando a bitola 1435mm ultrapassar o limite atual em Barcelona e se estender, previsivelmente em 2025, até Valencia. De destacar as novas ligações AV diretas de passageiros Barcelona-Lyon e Madrid-Marselha e as ligações de mercadorias Barcelona-Bettemburg.

https://www.lfpperthus.com/servicios-comerciales#single/0  

https://www.vialibre-ffe.com/noticias.asp?not=34721

 

 

 

Comentário a outras intervenções na sessão de 14set2023 na Ordem dos Engenheiros sobre as ligações ferroviárias à Europa

 

Sobre a intervenção do eng Mineiro Aires, sublinha-se o reconhecimento da necessidade da terceira travessia do Tejo independentemente da localização do novo aeroporto, e a efetiva contribuição de ligações ferroviárias fiáveis à Europa além Pirinéus para a competitividade das exportações portuguesas e a atratividade de investimento estrangeiro produtivo.

Na intervenção da engra Daniela Carvalho sublinha-se a confirmação de informação anterior da DG MOVE divulgando as propostas de revisão do regulamento 1315 do parlamento Europeu de abr2023, aguardando-se provável aprovação no início de 2024. As novas propostas constituem um caderno de encargos rigoroso e extenso que  obrigará fatalmente a reforçar os quadros da IP e da colaboração com entidades exteriores. Destaco os novos requisitos seguintes:

·        Ligação dos portos aos corredores internacionais

·        Rede alta velocidade para passageiros ligando as capitais (mínimo 160 km/h)

      P400 (gabarito cinemático) para permitir a circulação de semirreboques [este é um objetivo que mereceria o desenvolvimento imediato de um planeamento eficaz por viabilizar a transferência de carga rodoviária para a ferrovia, como se verifica, por exemplo, na rede do “Y” basco e no corredor mediterrânico]

      Remoção de todos os outros sistemas de sinalização até 2040

      Tempo máximo para procedimentos em fronteira de 15 minutos

      Indicador de pontualidade de 30 minutos à chegada para comboios de mercadorias

      ACB da migração da bitola (considerando o progresso tecnológico em curso) [neste caso desejar-se-ia que a imposição da avaliação da “migração” de bitola numa linha como a de Porto-Lisboa com elaboração de uma ACB em 2 anos fosse retirada, isto é, dispensada a “isenção” do artigo 16.a.2 de cumprimento da bitola 1435mm, com base na prevalência do objetivo de coesão do TFUE para um país periférico como Portugal, configurando essa avaliação um fator de atraso na implementação da parte peninsular do corredor atlântico TEN-T]

 

Dado o estado da rede peninsular de mercadorias, faltando troços extensos para integração do serviço de mercadorias nos corredores europeus com as caraterísticas de plena interoperabilidade (para o corredor atlântico: 110km em Portugal, 700km em Espanha; 200km para o corredor norte fronteira portuguesa-Medina del Campo), estão por definir no novo regulamento datas anteriores a 2050 para essa integração, no espírito do novo artigo 12.1.i.a, o que é desejável como fator de crescimento das exportações, transferência de cargas rodoviárias para a ferrovia, nomeadamente através do transporte de camiões ou semirreboques e caixas móveis em comboios internacionais, e fixação de investimento estrangeiro.

Compreender-se-á que manifestemos estranheza pela omissão sistemática de qualquer referência à rotura de carga devida à diferença de bitolas entre a península e a Europa além Pirinéus. Não discutimos o grau de obstaculização à interoperabilidade porque por exemplo o art.19 da proposta de revisão regulamentar é muito claro na insistência de adotar a bitola 1435mm nos corredores internacionais. Mas consideramos que, tal como o ERTMS (cuja solução com o STM e as balizas CONVEL em tempo não está definida, apesar da proposta de regulamentação fixar 2040 para a desativação dos sistemas de sinalização diferentes do ERTMS), seria de esperar uma recomendação para a calendarização  da conclusão do percurso do corredor  atlântico de AV e tráfego misto entre Lisboa/Sines-Madrid-Vitoria e Leixões/Aveiro-Salamanca-Vitoria. Anoto também a omissão à ligação Évora-Beja-Faro-Huelva de tráfego misto prevista na proposta de regulamento para 2050.

Dada a sua extensão, o comentário à intervenção do eng.Carlos Fernandes está em anexo a este documento.

 

Saúdo a correção das conclusões do colega  da comissão de especialização de transportes ao recomendar uma melhor coordenação no planeamento do governo português com o governo espanhol acabando com a inação e a indecisão habituais, e sugerindo uma convergência entre os defensores da posição oficial do governo/IP e os proponentes da promoção da bitola 1435mm integrada no conjunto dos requisitos da interoperabilidade plena. Sublinho nesse sentido considerandos e propostas de pistas de ação:

Considerando

que entre a decisão e a colocação em serviço de uma linha ferroviária de alta velocidade de tráfego misto pode mediar um prazo de 10 anos

que a substituição da ligação aérea Lisboa-Madrid por um nova linha de alta velocidade é um imperativo da ação contra as consequências das alterações climáticas

que o adiamento continuado das ações para a construção das ligações à Europa de mercadorias com as caraterísticas de plena interoperabilidade (incluindo 25 kVAC, ERTMS, pendentes inferiores a 1,25%, bitola 1435mm) se traduz por um efeito multiplicador do agravamento de custos no futuro e constrangimento do crescimento das exportações

propõe-se

que seja implementada uma eficaz coordenação com Espanha para a execução do novo regulamento, nomeadamente:

nas cimeiras governamentais,

no relacionamento entre ministros e secretários de Estado dos transportes de Portugal, Espanha e França e destes com a DG MOVE

nos agrupamentos europeus de interesse económico AEIE (representantes de ADIF, DB, IP E SNCF; AVEP – Alta Velocidade Espanha Portugal; RFC4 - Corredor atlântico de mercadorias), incluindo melhor divulgação prévia e posterior aos interessados relativamente ao desenrolar dos processos

replicação do exemplo espanhol dual de separação da ADIF Convencional e ADIF Alta Velocidade com gestão e orçamentos independentes, e constituição de comissões de coordenação para o corredor mediterrânico e para o corredor atlântico (no nosso caso, apenas atlântico). Eventualmente na nova comissão terá de se prever alguma transferência de funções que atualmente têm sede na IP e nos AEIE.

Finalmente, relativamente à intervenção do senhor secretário de Estado, apenas  destaco a possibilidade de redução das emissões de CO2 durante a construção de linha nova mediante a imposição de equipamento escavador alimentado por energia elétrica, e a divergência profunda entre o conceito inter-regional do PFN, que acentua a predominância do litoral e  ignora o estímulo ao crescimento das exportações e à fixação de investimento estrangeiro ao longo dos corredores internacionais, e o conceito internacional da regulamentação das redes Transeuropeias TEN-T. A afirmação de que a curto prazo os ganhos serão maiores mantendo a bitola 1668mm na nova linha Porto-Lisboa poderá ser sustentada por uma ACB, mas a longo prazo uma ACB, a exemplo das já feitas pelo Instituto Fraunhofer e pelo ECA,  poderá mostrar a vantagem da ligação à Europa além Pirinéus em bitola 1435mm no pressuposto de uma maior transferência da carga rodoviária para a ferrovia.

 

 

 

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