sábado, 17 de setembro de 2022

Sobre a proposta de um novo aeroporto na região de Santarém - atualização a 13set2022

 

Atualização a 13set2022 – proposta para novo aeroporto em Santarém – recentemente anunciada uma proposta de um grupo de empresários para localização de um novo aeroporto a nascente da área de serviço da A1 de Santarém e a sul de Casével (localização ainda não anunciada, mas estimada esta considerando as cotas topográficas e a ocupação dos solos, predominantemente agrícola).

O facto de se situar a cerca de 80km do AHD (Aeroporto Humberto Delgado), à semelhança do aeroporto para “low cost” de Beauvais, indicia que poderá ser explorado pelo grupo de empresários, fora da concessão da Vinci, garantindo o financiamento com as taxas aeroportuárias, em concorrência com a Vinci (art.5.5 do contrato de concessão de dez2012: “o concedente não pode autorizar o desenvolvimento de nenhum aeroporto situado no raio de setenta e cinco quilómetros (75) km do Aeroporto da Portela … “). Trata-se de um argumento interessante,  que contraria, com critérios económicos, as críticas severas à hipótese de localização no Campo de Tiro de Alcochete, considerado muito longe de Lisboa, apesar do portão do CTA se encontrar, pela EN118, IC3 e ponte Vasco da Gama, a 27 km do km 0 em Moscavide.

A referida área de serviço encontra-se a cerca de 84 km do km 0 da A1. Estima-se por autocarro 1h10min. Segundo o anúncio, são esperados 10 milhões de passageiros por ano numa primeira fase, ou cerca de 30.000 passageiros por dia, ou média de 2.000 passageiros por hora. Admitindo que 2/3 dos passageiros se deslocarão de transporte coletivo, serão necessários 2000x(2/3)/50=27 autocarros por hora de 50 lugares, ou cerca de 1 autocarro de 2 em 2 minutos. Contando 3 horas para o percurso de ida e volta haverá necessidade de 90 autocarros para assegurar o serviço, ou 100 contando com a reserva. Para resolver o transporte coletivo com o comboio da linha do norte, seriam necessárias 2000x(2/3)/500=3  composições por hora de 500 lugares (6 carruagens), ou 1 composição de 20 em 20 minutos. Contando com 50 minutos para a viagem para Lisboa Oriente a partir da estação mais próxima do novo aeroporto, Mato de Miranda, a cerca de 4 km, haveria necessidade, para um tempo de ida e volta de  2 horas (inversão em Entroncamento) de 7 composições de 500 lugares, de preferência de tração distribuída). Contar, nesta solução comboio, com um automatic people mover para os  4 km de percurso até à linha do norte, ou 11 autocarros a sairem de 2 em 2 minutos.

Não parece uma solução com futuro, provavelmente inspirada no aeroporto para “low cost” de Beauvais, 4 milhões de passageiros/ano, a 80 km e a 1h15min de Paris, mas explorável dentro de limites modestos.

Notar que a localização aqui analisada para o aeroporto de Santarém (reitera-se que não foi anunciada com precisão até à data) não beneficia de uma das hipóteses de traçado da linha AV Lisboa-Porto, que passará provavelmente a cerca de 30 km a poente da localização do novo aeroporto.



PS em 25set2022:  ver commprimento das pistas dos aeroportos existentes na AML em

Sobre o aeroporto de Beja em setembro de 2022

 Atualização a 13set2022 – aeroporto de Beja – diversas entidades e cidadãos têm manifestado empenho no aproveitamento do aeroporto de Beja, incluindo como apoio a excessos de afluência do aeroporto da Portela AHD. Destaque para moção da Assembleia municipal, e para as intervenções do presidente de câmara de Beja, de dois ex-autarcas (https://www.publico.pt/2022/07/29/opiniao/opiniao/aeroporto-beja-juntemse-porra-2014225 ), de deputados por Beja (https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/deputado-do-ps-escreve-a-tres-companhias-aereas-para-as-sensibilizar-a-utilizarem-o-aeroporto-de-beja )  e do presidente da CCDR (anúncio de que estão previstos 100 milhões de euros de financiamento comunitário para a ligação por comboio entre o aeroporto de Beja e Beja, ver https://odigital.sapo.pt/estao-cerca-de-100-milhoes-garantidos-para-que-o-comboio-chegue-ao-aeroporto-de-beja/ ).

Como já destacado por diversos intervenientes na discussão pública, o aeroporto de Beja tem vida própria e hipóteses de desenvolvimento, nomeadamente como aeroporto para jactos privados e charters de turismo especificamente orientado para o Alentejo (ver interessante artigo comparativo com aeroportos na Lapónia: https://www.transportesenegocios.pt/laponia-na-outra-extremidade-do-alentejo/  ), como aeródromo militar (ver a hipótese de teste do novo KC-390 Embraer e sua possível utilização no combate a incêndios como avião cisterna, não anfíbio, ver https://www.airway.com.br/embraer-testa-kc-390-com-sistema-de-combate-a-incendios/ ), como base de reparações, manutenção e estacionamento de médio e longo prazo, e como aeroporto de carga. A sua utilização como apoio ao AHD, e não como função complementar, depende apenas, como também já referido por muitos intervenientes, da coordenação para programação atempada de voos, entre Vinci/Ana, companhias “low cost”, ANAC e dos transportadores terrestres, nomeadamente da IP/CP. A sua capacidade atual para acolhimento de passageiros é de 300 passageiros/hora (cerca de 1 milhão de passageiros/ano).

A solução para a plena rentabilização do aeroporto de Beja poderá vir, essencialmente, da iniciativa das entidades regionais e dos cidadãos enquanto sociedade civil, no uso dos direitos consagrados na Constituição de participação nos assuntos públicos e implementando verdadeiras ações de descentralização e de coesão territorial, com especial responsabilidade da CCDRR e entidades intermunicipais. Neste domínio é interessante analisar a experiência de Inglaterra relatada em https://www.publico.pt/2022/09/10/politica/opiniao/descentralizacao-monstro-ingles-precisa-amigos-2019456 . E se as acessibilidades do aeroporto não são razoáveis, a principal razão para uma boa ligação Beja -Lisboa não deverá ser o aeroporto mas sim a própria região.

Como referido em https://sol.sapo.pt/artigo/775308/congestionamento-aereo-da-capital-a-hipotese-beja , na atual situação a ligação do aeroporto de Beja a Lisboa poderá fazer-se em 2h30min por comboio (25 minutos por autocarro do aeroporto a Beja e 2h05min de comboio de Beja a Entrecampos com transbordo em Casa Branca por a ligação Beja-Casa Branca não estar eletrificada) e 2h20min por autocarro (50min à portagem de Grândola por 37 km de estrada até ao troço da A26 de ligação à A2,mais 1h30min para Lisboa) , dependendo da disponibilidade de material circulante e tripulações, o que poderá ser crítico.

Numa fase 1 de melhoria da ligação, a construção de um troço de linha entre Beja e o aeroporto e entre o aeroporto e um ponto a norte de Beja da linha existente (estimativa  50 milhões de euros; ) poderá reduzir o tempo de percurso do aeroporto de Beja para Lisboa por comboio para 2h15min; utilização de 160 km de linha existente (via única Beja-Poceirão + dupla Poceirão-Entrecampos). Ver alternativas para a ligação aeroporto de Beja - Beja no fim do texto.

Numa fase 2 de melhoria, através da eletrificação da ligação Beja-aeroporto-Casa Branca, permitindo comboios elétricos diretos para Entrecampos (estimativa 150 milhões de euros), teremos um tempo de percurso por comboio de 2h00min ; utilização de  160 km de linha existente (via única Beja-Poceirão + dupla Poceirão-Entrecampos; possível saturação na ponte 25 de abril)

Numa fase 3 de melhoria , antecipando o cumprimento do regulamento 1315 das redes TEN_T transeuropeias de alta velocidade (ligação Évora-Beja-Faro-Huelva prevista neste regulamento para 2050 na rede “comprehensive”), construção de linha nova de AV entre Beja e Casa Branca

(estimativa 400 milhões de euros), reduzindo o tempo de percurso aeroporto de Beja-Lisboa para 1h40min ; utilização de 110 km de linha existente (via única Casa Branca-Poceirão + dupla Poceirão-Entrecampos; possível saturação na ponte 25 de abril)

 Numa fase 4 de melhoria, também no cumprimento do regulamento 1315 (que previa a ligação em AV Lisboa-Madrid para 2030) construção de linha AV Évora – Casa Branca – Pinhal Novo (estimativa 700 milhões de euros) com redução do tempo de percurso aeroporto de Beja-Lisboa para  1h10min ; utilização de 40 km de linha existente  (via dupla Pinhal Novo-Entrecampos; possível saturação na ponte 25 de abril)

A construção da terceira travessia do Tejo integrada na linha AV Lisboa-Madrid (estimativa 3.000 milhões de euros a afetar às linhas de AV Lisboa-Madrid, de serviço do novo aeroporto de Lisboa, suburbanas de serviço da AML , e de mercadorias, tudo investimentos abrangidos pelo apoio financeiro comunitário) permitiria, no pressuposto de execução das 4 fases anteriores,  reduzir o tempo de percurso aeroporto de Beja-Lisboa para 50min ; todo o percurso em linha nova AV .

Serviço por autocarros

Para o serviço por autocarro aeroporto de Beja-Lisboa, para uma afluência de 300 passageiros por hora, teriam de ser 300/50=6 autocarros por hora ou  tempo de ida e volta/intervalo entre autocarros = 320 minutos/10 minutos = 32 autocarros no total durante 10 horas. 

Para a ligação a Faro por comboio terá de se reativar a ligação por Funcheira, o que poderá ter problemas de disponibilidade de material circulante. Uma hipótese seria a ligação em autocarro do aeroporto até à estação de Grândola, e aqui ligação ao comboio para Faro (mais 2h20min, total aeroporto-Faro 3h15min), ou 2h05 para Lisboa Entrecampos. 

O prolongamento da autoestrada A26 para Beja, de 37 km até ao aeroporto antes de Beja (100 milhões de euros?) reduziria para 2h05m e 29 autocarros para Lisboa, ou 2h15m para Faro, mas não deveremos esquecer as respetivas emissões e o congestionamento rodoviário.   

Conclusão

Em resumo, se a CP e as operadoras rodoviárias dispuserem de material circulante e da respetiva tripulação, poderão absorver-se excessos de afluência no AHD da ordem dos 10% (para o tráfego atual) através do aeroporto de Beja. Será então essencial as entidades da região de Beja pressionarem a CP, a IP e as rodoviárias, para além da ANA e da ANAC e as "low cost", com vista à obtenção das condições de exploração do aeroporto de Beja como apoio ao AHD. Mas reitera-se que a verdadeira razão para o aproveitamento do aeroporto de Beja deverá residir na própria região e na coesão do território nacional  e não na complementaridade do aeroporto de Lisboa.

 

 Alternativas para a ligação aeroporto de Beja -Beja a selecionar em função de  análises de custos -benefícios. No caso da inversão, necessário considerar a tração distribuida ou o recurso a uma locomotiva de manobras para evitar a tração de uma coposição a partir da retaguarda

Percurso desde Lisboa: Lisboa -novo troço de 16 km em Torre do Pinto-aeroporto-Beja pelo sul com concordancia para Funcheira

Lisboa-novo troço de 13,5 km em Torre do Pinto- aeroporto-Beja pelo norte


Lisboa-Torre do Pinto- novo troço de 7 km com concordancia - aeroporto - inversão- concordancia-Beja

Lisboa-Coitos - novo troço de 7,3 km com concordancia - aeroporto - inversão- concordancia-Beja



quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Paráfrase de Martin Niemöller e de Bertold Brecht

 

 Primeiro, vi todos os partidos comunistas da Europa cair, mas eu não me importei porque eram apoiantes do partido totalitário da implodida URSS, apesar de cumprirem as normas das democracias pluralistas ocidentais

depois, vi os grandes economistas e os grandes políticos a explicar que a desregulação e o mercado livre eram o sonho do progresso e que o poder dos sindicatos tinha de ser contido, mas eu não me importei porque nem era sindicalizado nem felizmente tinha grandes dificuldades financeiras

a seguir, vi o  crescimento de guerras étnicas, em África, na península arábica, na Ásia, na América, até na Europa, mas eu não me importei, até porque eram longe, e embora os Estados Unidos, o seu complexo político-militar (como dizia Eisenhower) e a NATO não tenham uma história solidária com os povos de países pobres, agora apresentavam bons argumentos em defesa da democracia e dos seus valores universais

vi as desigualdades e o desemprego por esse mundo fora a acentuarem-se, mas eu não me importei, o progresso continuava, os preços mantinham-se baixos, e era assim mesmo, os mais fortes triunfavam por mérito próprio, embora miséria e fome fossem uma vergonha

vi depois os partidos de extrema direita a aumentar as suas votações, mas eu não me importei porque até o filho do empregado africano que é cuidador do meu vizinho quer ir para a universidade ameaçando a candidatura do meu filho e sempre achei que é difícil a colaboração democrática entre a esquerda e a direita, elas que compitam alternadamente

vi acontecer o crescimento da extrema direita por essa Europa fora e até na Suécia, enquanto os seus políticos batiam palmas ao ingresso na NATO, mas eu não me importei, o “slogan” dos amantes da ilha de Gotland “make gardens not war” estava ultrapassado

vi depois a eliminação, um a um de artigos da nossa Constituição que me diziam muito, mas eu não me importei, quem liga a frases escondidas a favor do potencial dos cidadãos enquanto cidadãos livres de lideres, e contra as supremacias de países, de empresas ou de algumas pessoas?

mas agora, socorro, estão a entrar-me em casa porque eu não penso como eles e eles querem que eu pense como eles, e agora importo-me porque gritei a pedir ajuda ao meu vizinho e ele já não estava lá nem o seu cuidador

domingo, 4 de setembro de 2022

Bruxelas quer uniformizar ferrovia - comentário a um artigo do Público

 Comentário que enviei ao autor do artigo

https://www.publico.pt/2022/09/03/economia/noticia/bruxelas-quer-uniformizar-bitola-ferrovia-europeia-compromete-nova-linha-lisboaporto-2019177


Caro Carlos Cipriano

 

Volto ao seu contacto no seguimento deste seu artigo.

Como se recordará da minha posição sobre a questão da interoperabilidade ferroviária, espero que não estranhe os meus comentários nem os entenda como crítica destrutiva, mas apenas como defesa duma estratégia baseada essencialmente em dois argumentos: facilitar o crescimento das exportações portuguesas através da transferência de carga rodoviária para a ferrovia com a consequente redução de emissões, e redução das emissões devidas às ligações aéreas Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto através da transferência de passageiros para a alta velocidade. 

Andávamos um pouco distraídos da evolução das redes TEN_T na CE talvez por causa da resposta, às questões que lhes pusemos sobre o tema, da DG MOVE e da Ombudswoman, alinhando incondicionalmente com a estratégia do governo português, apesar das manifestações de intenção e dos protestos de apoio ao desenvolvimento da ferrovia no ano internacional do Rail (ver o anexo TEN_T revSS 1jun, pf).

Um artigo do El Periodico de Espana/Catalunha de 9 de agosto, seguido da sua reprodução pela T&N em 15, levou-nos a procurar no site da CE. E lá estava a proposta de 14dez2021 de revisão dos regulamentos 913, 1315 e 1153 (ex 1316) e a proposta de emenda dessa proposta, espoletada pela invasão da Ucrania e sua diferença de bitolas, datada de 27jul2022. 

São estas propostas de regulamento que confirmam que Bruxelas quer mesmo uniformizar (este verbo amesquinha um pouco a ideia, talvez o termo mais correto seja “normalizar”, é mais técnico) toda a rede única europeia (exceção para a Irlanda por ser ilha e por a Inglaterra ser, agora, um país terceiro), o que nos surpreendeu pela positiva, embora pessoalmente não tenha muita fé na disponibilidade da senhora comissária Adina Valean para executar o programa das propostas (receio que os lóbis da camionagem e das transportadoras romenas falem mais alto, mas na ausência de provas, pode ser preconceito meu).

Passando aos comentários ao seu artigo:

1 – Certo, as propostas (de 14dez2021 e 27jul2022) não afetam a obra de Évora-Caia por já ter arrancado, mas não será demais referir que uma via única (os viadutos só têm os pilares de uma das vias!! Que critério de economia que mais tarde se revelará mais dispendioso …)

2 – Atraso de 2 anos – eu sei que o jornalista não é obrigado a revelar as suas fontes, mas também sei que a CRP garante aos cidadãos o direito a ser informado sobre assuntos públicos. Se há um atraso de 2 anos ele tem de ser demonstrado, porque tanto tempo leva a instalar travessas e carris de UIC como de ibérica. Se quem o disse foi um técnico, ensinaram-lhe isso na escola por onde também passámos, uma afirmação dessas demonstra-se. O seu artigo explica a seguir que a razão será o atraso do “efeito de rede”. É verdade que o “marketing” do anúncio da linha Lisboa-Porto de AV em ibérica destacava os ganhos de tempo por outros destinos poderem utilizar os novos troços, Guarda-Porto seria mais rápido com a conclusão do 1º troço da linha de AV, mas isso não iria atrasar a conclusão da linha Lisboa-Porto. Aliás o anuncio dizia que a nova linha seria construída em duas fases: 1ª Porto-Soure (que aliviaria o ramal de Alfarelos melhorando o tráfego de mercadorias), e 2ª Soure-Lisboa. Além disso, como o teórico de transportes australiano Paul Mees dizia, por vezes os transbordos são peças essenciais na rede (depende da gestão da rede, claro, tempos de transbordo curtos, despacho antecipado de bagagem, também economizam tempo total de percurso). Não é uma situação cómoda, haver uma linha UIC ao lado da linha do Norte em ibérica, mas é um constrangimento físico, não se pode mudar a bitola da rede existente num tempo razoável (o grupo da ilha ferroviária, nunca por nunca propôs isso, conviria que numa discussão técnica não se atribuam por uns intenções a outros que não as têm)

3 – mudança radical de estratégia – do nosso ponto de vista, seria extremamente positivo, mas a mudança seria apenas do governo português, porque os regulamentos 1315/2013 e 1316/2013 são muito claros na definição do corredor atlântico com todos os parâmetros de interoperabilidade (de que destacamos o ERTMS, os 25 kV e a bitola UIC) e já lá estava, até 2030, a linha Lisboa/Sines-Porto/Leixões, Aveiro-Viseu-Salamanca (sem passar por Pampilhosa) e Lisboa-Évora-Madrid. Acontece que juridicamente os regulamentos comunitários são vinculativos, são de cumprimento obrigatório pelos Estados membros.

Estamos em 2022 e ainda não há projeto para a maior parte do percurso (atrasos também em Espanha, para mercadorias e passageiros, entre Plasencia e Toledo, o que só justiçaria uma aceleração da coordenação com Espanha em função dos objetivos da rede TEN_T).

4 – utilização da nova linha em construção faseada (em bitola ibérica) e da linha do Norte à medida que cada troço for concluído – se a IP já fez o planeamento da construção deste modo, poderá efetivamente perder-se esse trabalho, mas nunca se perderá a mais valia de uma comparação com outro projeto. Não há projetos únicos sem a comparação de estudos prévios de alternativas com um mínimo de informação concreta. O planeamento foi comparado com a alternativa de vários lotes em construção simultânea? Já há estudo prévio para Soure -Lisboa com alternativas, incluindo comparação da margem direita do Tejo com a margem esquerda?

Voltando à utilização pelo mesmo comboio do troço construído da nova linha e da linha do Norte, claro que é incómodo o transbordo (aceitável pela opinião pública se inferior a 1 ano?), como refere, há a hipótese de intercambiadores e de eixos variáveis, mas tem razão, encarece e por alguma razão a CAF não vai nisso, apenas a Talgo (e o consórcio com a Azvi). Mas há outra solução, para percursos inferiores a 100km, o terceiro carril. Não recomendamos, mas se acham tão importante essa interoperabilidade, é construir a nova linha com terceiro carril (com o inconveniente de limitação a 250 km/h), mas não recomendamos, será preferível ter vários lotes em construção simultânea.

5 – “travessas polivalentes, antecipando a possibilidade de futura migração de bitola” - Também não recomendamos as travessas polivalentes, não só pelas limitações de velocidade, mas porque quando se fala em “futura migração” dizem as normas que se deve mostrar o planeamento dessa “futura migração” para que não se diga que se está a empurrar o problema com a barriga, especialmente quando os regulamentos falam claramente em datas, 2030 para a rede “core” e 2050 para a rede “comprehensive” (e agora com as propostas, a rede “extended core para 2040)

6 – “Governo discorda” – Mais uma vez citamos a CRP, os cidadãos têm o direito de livre expressão. Não podemos aceitar como razoável a posição do governo perante os regulamentos comunitários que definem a data de 2030 para o corredor atlântico interoperável, que são obrigatórios e que encontram da parte do governo português esta posição, discordamos e não cumprimos. Não são os regulamentos e as novas propostas que “colocam em causa os projetos da expansão da rede ferroviária já em curdo e planeados” (no supremo segredo, acrescentamos), são estes que põem em causa os regulamentos comunitários. Dará direito a um processo de infração, diremos.

7 – “o objetivo da interoperabilidade plena não deve prejudicar os objetivos da redução de emissões, promoção do transporte coletivo e transferência modal para a ferrovia” -  temos de tirar o chapéu à argumentação, porque esta é precisamente a argumentação contida nos considerandos das propostas da CE (“a seamless TEN-T without physical gaps, integrating intelligent and innovative solutions is key to facilitating the internal market, increasing cohesion and contributing to the objectives of the European Green Deal.“). Por outras palavras, parece que a comunicação do governo estruturou uma narrativa dissociada da realidade para se proteger, ocultando aos cidadãos a estratégia da CE

8 – “é prematuro especular sobre que novas obrigações virão a ser criadas aos Estados membros … a proposta será ainda discutida no Conselho e no Parlamento” – sendo verdade que as propostas ainda terão de ser discutidas, não se trata de novas obrigações, trata-se de velhas obrigações que as propostas vêm esclarecer para quem ainda tinha dúvidas, que mantêm o corredor atlântico do regulamento 1315 para 2030 [sim, um regulamento comunitário é obrigatório, por mais que o governo de um Estado membro diga que não: considerando das propostas: Legal basis – The Treaty on the Functioning of the European Union (TFEU) (Articles 170-172) stipulates the establishment and development of trans-European networks in the areas of transport, telecommunications and energy infrastructures ].

9 –“a ideia de uniformização da bitola na Europa tem sido recorrente mas deparam-se os pesados custos da ordem de muitos milhares de milhões de euros dum investimento claramente pouco prioritário face a outras necessidades” – claro que se nos fala da saúde, da educação e da habitação, não poderemos discutir as prioridades, mas se argumentarmos que o corredor atlântico de mercadorias em bitola UIC estimula as exportações e consequentemente a riqueza que poderá contribuir para a saúde, a educação e a habitação. Quanto aos muitos milhares de milhões de euros, estimámos o referido corredor atlântico de mercadorias a preços de 2019 em 12.000 milhões de euros e ensaiámos uma análise de custos benefícios de acordo com as normas comunitárias com os resultados que referimos no texto em anexo apresentado no congresso rodoferroviário de 5 a 7 jul2022

10 – “a CE avançou com as propostas sem ter realizado um estudo sobre a manutenção da bitola ibérica  e o uso de intercambiadores e eixos variáveis” – como já referido, é um pouco contra as regras da concorrência estar a impor aos operadores estrangeiros (o TFUE manda abrir a exploração aos operadores estrangeiros) a compra de material circulante de eixos variáveis, será um pouco como aquela intervenção infeliz do ex ministro Pedro Marques, a explicar que a bitola ibérica era uma proteção natural contra a concorrência … No entanto, o que o art.18 da proposta de revisão diz é que para os comboios de mercadorias há um limite de 15 minutos para o tempo adicional de atravessamento dos postos transfronteiriços, o que será muito difícil de compatibilizar com o uso dos intercambiadores e com o tempo de mudança de locomotiva (também muito dificilmente os fabricantes irão perder mais tempo a engendrar a tentar fabricar locomotivas de eixos telescópicos, não é uma solução técnico-económica).

11 – “a Finlandia rejeita proposta de Bruxelas” – depois da experiência com o senhor Oli Rehn, que nem o desfile organizado no padrão de Belém por Rodrigo Moita de Deus mudou o humor mesquinho, e depois da brilhante análise em 2019 do grande consultor finlandês que concluiu que o gasoduto do leste dos Pirinéus não era “economicamente viável”, temos pouca recetividade para a conclusão do senhor ministro dos transportes da Finlandia que a mudança de bitola não será “economicamente viável”. Provavelmente terá razão em termos financeiros, mas conviria fundamentar com uma análise de custos benefícios feita de acordo com as normas comunitárias, que contabilizasse os custos das externalidades do não fazer a ligação à Finlandia em UIC (em 2015 o Instituto Freinhoffer calculou essas externalidades para toda a rede TEN_T , superiores aos custos, e o Tribunal de Contas Europeu ECA, de 2016 a 2020 tem criticado violentamente os atrasos da rede). Provavelmente também o senhor ministro dos transportes finlandês assustou-se com os custos do túnel de 80 km de Talin para Helsínquia, ignorando por exemplo os progressos na técnica de construção de túneis submersos, como o que Alemanha e Dinamarca estão construindo no estreito de Fehmarn, e ignorando demasiado ostensivamente o próximo início da construção do Rail Baltica, a nova linha de 870 km da Estónia à Polónia em bitola UIC, quando nos países bálticos a bitola original é a russa de 1520 mm (curiosamente também grupos de interesse se opuseram nos países bálticos ao Rail Baltica) .

 

Pedindo desculpa pela extensão do texto, junto as ligações para as propostas de 14dez2021 e de 27jul2022 em que me baseei:

 

https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/HTML/?uri=CELEX:52021PC0812

https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=celex%3A52022PC0384 

 

Com os melhores cumprimentos e votos de saúde

 


 


sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Um ódio absoluto à guerra

 

Com a devida vénia, reproduzo do artigo do musicólogo Mario de Carvalho no Público de 1 de setembro de 2022

https://www.publico.pt/2022/09/01/opiniao/opiniao/odio-absoluto-guerra-2018933

as frases nele citadas de Elias Canetti, a propósito da peça de Karl Kraus, "Os últimos dias da Humanidade":

"conseguia criar nos seus ouvintes, pelo menos, um sentimento uno e inabalável: o de um ódio absoluto à guerra.”

"as guerras não fazem sentido nem para os vencedores, nem para os vencidos, e por isso não podem acontecer".

É de facto uma manobra de propaganda dizer-se que graças à guerra o desenvolvimento tecnológico acelera e redunda em benefícios paraa sociedade civil. Dispensávamos se é devido à guerra.

Resolvi deixar este registo depois de ver na RTP2 o episódio Le Havre, da série Depois do caos, que foca a recuperação das cidades destruidas durante a segunda guerra mundial.

No caso da cidade do Havre, o seu centro, habitado por civis e sem presença militar, foi destruido pela aviação britânica, com a desculpa de que os comandos alemães se tinham lá instalado, coisa nunca provada, enquanto nos arredores da cidade as instalações de artilharia anti desembarque não foram bombardeadas.

https://www.rtp.pt/programa/tv/p42754

PS em 2 de setembro de 2022 - Curiosa a notícia em "Interesting Engineering", sobre uma decifração da escrita Elamita linear (de Elam, perto de Susa, oeste do Irão, 3º -2º milénio antes de Cristo)

https://interestingengineering.com/science/mysterious-4000-year-old-script-deciphered?utm_source=newsletter&utm_medium=mailing&utm_campaign=Newsletter-02-09-2022

Não havendo certezas sobre a correção da tradução, anoto a sua atualidade:

"Puzur-Sušinak, rei de Awan, Insušinak [uma divindade] ama-o ... quem se revoltar contra Puzur-Sušinak deverá ser destruido".

Há 4000 anos, como agora. Seguiu-se a escrita cuneiforme do código de Hamurabi, com a pena de Talião, e depois a Bíblia, sempre com o apelo à supremacia, e depois ... 

escrita elamita

Pena não se conseguir traduzir a escrita tartéssica ...
http://tipografos.net/escrita/escrita-do-sudoeste.html


escrita tartéssica (sudoeste de Portugal, sécs VII-V A.C.)