Numa perspetiva económico-política e económico-social, vou
tentar mostrar aqui porque os decisores gostam tanto da solução da linha
circular como expansão prioritária do metropolitano de Lisboa.
Tomemos a argumentação do único técnico que na sessão de 17
de maio de 2017 defendeu a linha circular na Assembleia municipal de Lisboa.
A linha circular constituirá um núcleo agrupando as áreas do
terciário de maior geração de emprego (e de comércio e habitação de luxo) sobre
o qual se rebaterão os principais eixos de penetração da população residente
nas coroas de raio superior a 10 km.
Sendo naturalmente verdade, embora isso não queira dizer que
será a melhor solução no contexto atual, procuremos outras fundamentações do
ponto de vista económico.
Neste momento a politica de habitação da CML dá prioridade à valorização imobiliária nos
centros de negócios (CBD – central business districts) em detrimento da
densificação e recuperação do povoamento nas zonas mais afastadas do centro da
cidade, e a existência de projetos imobiliários importantes ao longo do traçado
da linha circular vem confirmá-lo.
Senão vejamos:
1 - terrenos da antiga feira popular na av.República
2 – novo edifício na av.Fontes Pereira de Melo, 41
3 - hospital militar da Estrela
4 - quartel dos BSB na av.D.Carlos
5 - terrenos da EDP e CML da av.24 de julho/rua D.Luis
6 - terrenos da Portugália na av.Almirante Reis
7 - terrenos na zona do Sporting/estação Campo Grande
8 - terrenos do IMT junto da av.Forças Armadas
8 - terrenos do IMT junto da av.Forças Armadas
Mas noutra perspetiva podemos interrogar-nos porque se inclinam os decisores, nomeadamente
a CML, para modos de transporte que vão
desenvolver o esquema de vários pontos de rebatimento sobre a linha circular .
Explicitando, as operadoras de transporte de passageiros , quer ferroviárias
quer rodoviárias, têm grande interesse em aumentar a sua quota de mercado,
incluindo as zonas metropolitanas. Por razões ambientais, essas operadoras
podem dar oportunidade aos setores da industria portuguesa automóvel, incluindo
dos componentes de autocarros de tração elétrica, A linha circular permitir-lhes-ia oferecer
serviços nos corredores radiais (tecnologia BRT na A5, by-passando a linha de
Cascais, na A8) e nas ligações transversais entre a linha de Cascais e a linha
de Sintra que não são servidas por linhas de metro ou suburbanas.
Esta estratégia colide frontalmente com o desenvolvimento de
uma rede de metropolitano, pesado e ligeiro (LRT) cobrindo a malha urbana e as coroas suburbanas. Nesta
perspetiva, a linha circular, restringindo a influencia do metropolitano no
núcleo urbano, serve a estratégia de desenvolvimento dessas operadoras.
Considerando estas duas perspetivas (projetos imobiliários
ao longo da linha circular e novos modos rodoviários de transporte suburbano
juntando-se aos clássicos rebatendo-se sobre a linha circular), é curioso comparar
as afirmações do EIA e do TUA que fundamentaram a aprovação do projeto com o
que dizia o PROTAML de 2002 sobre os transportes na AML e as suas coroas.
Dir-se-ia que é caso para submeter a “fact-checking” do tipo praticado pelo
site Polígrafo:
Diz o resumo não técnico do EIA na pág.2: “este projeto [da
linha circular] já está previsto há vários anos, havendo orientações nesse
sentido no PROTAML… aprovado em 2002”
E o TUA na pág.27: “o projeto [da linha circular] não colide
com as orientações do PROTAML”
Ora, na pág.76 do PROTAML de 2002 (houve uma tentativa de
alteração do PROTAML em 2008 mas que não foi aprovada e que neste ponto não alterava
o de 2002) a figura 11 mostra claramente o prolongamento da linha amarela para
Alcantara, sem que se vislumbre uma linha circular. Poderá até dizer-se que as
atuais circunstancias justificam o prolongamento para Algés e Jamor pela Ajuda
e Belém (por exemplo, a linha vermelha para Alcantara e a linha amarela para
Algés e Jamor)
http://www.ccdr-lvt.pt/pt/plano-regional-de-ordenamento-do-territorio-da-area-metropolitana-de-lisboa/54.htm |
Também como exemplo de divergência com os documentos anteriores temos a afirmação da direção do metropolitano que o projeto da linha circular segue o plano de 2009.
Ora, o plano de 2009 previa a estação Estrela no
prolongamento da linha vermelha, a poente da basílica, e na ligação Rato-Cais
do Sodré previa uma estação em S.Bento junto do parlamento, enquanto o projeto
da linha circular substituiu a estação de S.Bento pela da Estrela.
Ou a afirmação do EIA e do TUA de que atualmente são
precisos 2 transbordos para ir de Cais do Sodré ao eixo Marquês de Pombal-Entrecampos.
Não são. Para o Marquês basta um transbordo em Baixa Chiado
da linha verde par a azul; para Saldanha também, em Alameda, da linha verde
para a vermelha; Picoas está na zona de influencia de M.Pombal e de Saldanha,
Campo Pequeno na de Saldanha; o acesso de Entrecampos dista 616 m do acesso de
Roma, sem transbordo pela linha verde.
Também é curioso, num ambiente de dúvida que eventualmente
as pessoas possam ter sobre o projeto da linha circular, avaliar o argumento
que finalmente foi utilizado: deixamos tudo preparado (nomeadamente nos
viadutos de Campo Grande) para, se se verificar que não foram atingidos os
objetivos, voltarmos à exploração atual, linha Odivelas -Rato (depois da
execução da obra prolongando-se para Cais do Sodré-Alvalade-Campo
Grande-Telheiras, isto é, a chamada linha em laço, que cumpre os objetivos da
linha circular , a menos de uma minoria de residentes servidos pela linha verde
a norte de Alameda e que queiram ir para as estações entre Cidade Universitária
e Picoas sem transbordo) . Por outras palavras, admite-se com naturalidade a
inutilidade da construção dos dois novos viadutos, estimados por baixo em 18
milhões de euros.
Em resumo, perspetiva-se para a execução do projeto da linha
circular o dispêndio de mais de 200
milhões de euros (estimativa otimista considerando a complexidade da obra,
especialmente na zona de Santos e Cais do Sodré) desprezando as outras zonas da
cidade.
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