segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Porque gostam tanto os decisores do projeto da linha circular? ou da hipótese do imobiliário à hipótese do rodoviário


Numa perspetiva económico-política e económico-social, vou tentar mostrar aqui porque os decisores gostam tanto da solução da linha circular como expansão prioritária do metropolitano de Lisboa.
Tomemos a argumentação do único técnico que na sessão de 17 de maio de 2017 defendeu a linha circular na Assembleia municipal de Lisboa.
A linha circular constituirá um núcleo agrupando as áreas do terciário de maior geração de emprego (e de comércio e habitação de luxo) sobre o qual se rebaterão os principais eixos de penetração da população residente nas coroas de raio superior a 10 km.
Sendo naturalmente verdade, embora isso não queira dizer que será a melhor solução no contexto atual, procuremos outras fundamentações do ponto de vista económico.
Neste momento a politica de habitação da CML  dá prioridade à valorização imobiliária nos centros de negócios (CBD – central business districts) em detrimento da densificação e recuperação do povoamento nas zonas mais afastadas do centro da cidade, e a existência de projetos imobiliários importantes ao longo do traçado da linha circular vem confirmá-lo.
Senão vejamos:

1 - terrenos da antiga feira popular na av.República
2 – novo edifício na av.Fontes Pereira de Melo, 41
3 - hospital militar da Estrela
4 - quartel dos BSB na av.D.Carlos
5 - terrenos da EDP e CML da av.24 de julho/rua D.Luis
6 - terrenos da Portugália na av.Almirante Reis
7 - terrenos na zona do Sporting/estação Campo Grande
8 - terrenos do IMT junto da av.Forças Armadas


Mas noutra perspetiva podemos interrogar-nos  porque se inclinam os decisores, nomeadamente a CML, para modos de transporte  que vão desenvolver o esquema de vários pontos de rebatimento sobre a linha circular . Explicitando, as operadoras de transporte de passageiros , quer ferroviárias quer rodoviárias, têm grande interesse em aumentar a sua quota de mercado, incluindo as zonas metropolitanas. Por razões ambientais, essas operadoras podem dar oportunidade aos setores da industria portuguesa automóvel, incluindo dos componentes de autocarros de tração elétrica,  A linha circular permitir-lhes-ia oferecer serviços nos corredores radiais (tecnologia BRT na A5, by-passando a linha de Cascais, na A8) e nas ligações transversais entre a linha de Cascais e a linha de Sintra que não são servidas por linhas de metro ou suburbanas.
Esta estratégia colide frontalmente com o desenvolvimento de uma rede de metropolitano, pesado e ligeiro (LRT) cobrindo a malha urbana e as coroas suburbanas. Nesta perspetiva, a linha circular, restringindo a influencia do metropolitano no núcleo urbano, serve a estratégia de desenvolvimento dessas operadoras.




Considerando estas duas perspetivas (projetos imobiliários ao longo da linha circular e novos modos rodoviários de transporte suburbano juntando-se aos clássicos rebatendo-se sobre a linha circular), é curioso comparar as afirmações do EIA e do TUA que fundamentaram a aprovação do projeto com o que dizia o PROTAML de 2002 sobre os transportes na AML e as suas coroas. Dir-se-ia que é caso para submeter a “fact-checking” do tipo praticado pelo site Polígrafo:
Diz o resumo não técnico do EIA na pág.2: “este projeto [da linha circular] já está previsto há vários anos, havendo orientações nesse sentido no PROTAML… aprovado em 2002”
E o TUA na pág.27: “o projeto [da linha circular] não colide com as orientações do PROTAML”
Ora, na pág.76 do PROTAML de 2002 (houve uma tentativa de alteração do PROTAML em 2008 mas que não foi aprovada e que neste ponto não alterava o de 2002) a figura 11 mostra claramente o prolongamento da linha amarela para Alcantara, sem que se vislumbre uma linha circular. Poderá até dizer-se que as atuais circunstancias justificam o prolongamento para Algés e Jamor pela Ajuda e Belém (por exemplo, a linha vermelha para Alcantara e a linha amarela para Algés e Jamor)
http://www.ccdr-lvt.pt/pt/plano-regional-de-ordenamento-do-territorio-da-area-metropolitana-de-lisboa/54.htm

Também como exemplo de divergência com os documentos anteriores temos a afirmação da direção do metropolitano que o projeto da linha circular segue o plano de 2009.
Ora, o plano de 2009 previa a estação Estrela no prolongamento da linha vermelha, a poente da basílica, e na ligação Rato-Cais do Sodré previa uma estação em S.Bento junto do parlamento, enquanto o projeto da linha circular substituiu a estação de S.Bento pela da Estrela.

Ou a afirmação do EIA e do TUA de que atualmente são precisos 2 transbordos para ir de Cais do Sodré ao eixo Marquês de Pombal-Entrecampos.
Não são. Para o Marquês basta um transbordo em Baixa Chiado da linha verde par a azul; para Saldanha também, em Alameda, da linha verde para a vermelha; Picoas está na zona de influencia de M.Pombal e de Saldanha, Campo Pequeno na de Saldanha; o acesso de Entrecampos dista 616 m do acesso de Roma, sem transbordo pela linha verde.
Também é curioso, num ambiente de dúvida que eventualmente as pessoas possam ter sobre o projeto da linha circular, avaliar o argumento que finalmente foi utilizado: deixamos tudo preparado (nomeadamente nos viadutos de Campo Grande) para, se se verificar que não foram atingidos os objetivos, voltarmos à exploração atual, linha Odivelas -Rato (depois da execução da obra prolongando-se para Cais do Sodré-Alvalade-Campo Grande-Telheiras, isto é, a chamada linha em laço, que cumpre os objetivos da linha circular , a menos de uma minoria de residentes servidos pela linha verde a norte de Alameda e que queiram ir para as estações entre Cidade Universitária e Picoas sem transbordo) . Por outras palavras, admite-se com naturalidade a inutilidade da construção dos dois novos viadutos, estimados por baixo em 18 milhões de euros.
Em resumo, perspetiva-se para a execução do projeto da linha circular  o dispêndio de mais de 200 milhões de euros (estimativa otimista considerando a complexidade da obra, especialmente na zona de Santos e Cais do Sodré) desprezando as outras zonas da cidade.

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