sexta-feira, 19 de agosto de 2022

O gasoduto dos senhores doutores

 O tema encheu os noticiários durante vários dias. E depois esmoreceu, não terão achado importante, os editores das notícias, insistir no tema. O senhor primeiro ministro da Alemanha pedira um gasoduto de Sines para a Alemanha, e o senhor primeiro ministro de Portugal disse que iria trabalhar a solução.

Terá o governante alemão compreendido a frase do meu antigo professor de Química Geral, no IST dos anos 60, Simões Ilharco, "a energia é o problema fundamental da Humanidade"? ou simplesmente o problema fundamental da Humanidade é a própria  Humanidade e as suas limitações?

Dado que da minha formação académica não constavam as redes de transporte de gás, tentei documentar-me. No entanto, será elevada a probabilidade de dizer disparates, que no entanto espero sejam de natureza diferente dos disparates que os senhores doutores, do alto das suas cátedras de decisores políticos, ou de comentadores televisivos, emitiram.

Não será necessário construir um gasoduto de Sines para a Alemanha, que é o que parece retirar-se das notícias. A interligação das redes de distribuição de Portugal, Espanha, França e Itália permitirá que o gás circule por estes países. Mas para isso é necessário construir alguns troços e construir estações de compressão.

O primeiro ministro de Portugal já se referiu ao troço entre Celorico da Beira, no norte da serra da Estrela, e Vale de Frades, Vimioso, em Trás os Montes, junto da fornteira com Espanha, a caminho de Zamora.

Também será necessário construir um ligação entre Barcelona e Carcassone, e convencer França a reforçar a sua rede para fornecimento à Alemanha.

Digo convencer, porque a exemplo do que se passa com o corredor atlântico ferroviário das redes TEN_T, a França vai adiando sucessivamente a construção do novo troço de Bordeus para Hendaye para libertar o atual percurso para as mercadorias, porque dá prioridade ao TGV para Toulouse. Com todo o respeito pela Aquitânia, a Comissão Europeia terá de explicar a França que o regionalismo não pode sobrepor-se à coesão da União, ou deveria ser sujeita a um procedimento de infração porque os regulamentos comunitários são vinculativos, e o corredor atlântico era para estar a funcionar em 2030.

Esta espécie de caciquismo tão bem diagnosticada por Daniel Gros em 2015 também se verifica nas interligações elétricas (a CE tinha especificao que as interligações seriam 10% da potencia instalada, o que asseguraria o escoamento do excesso de produção eólica ou fotovoltaica).

Voltando aos gasodutos, recordo que a ligação de Barcelona a Carcassone fui chumbada por França em  2019 por pressão dos ambientalistas com base num estudo dum consultor finlandês que considerou o investimento sem retorno. Como o estudo não foi divulgado, pelo menos que eu tenha conhecimento, verificando-se o estafado argumento escolástico do "magister dixit" sob a forma "estudos por consultores de reconhecido mérito demonstram que os benefícios são inferiores aos custos", considerando a situação atual, posso afirmar que foram incompetentes, os consultores, os ambientalistas, e o regulador e o governo franceses. Porque uma análise de custos benefícios correta tem de considera os custos das externalidades, por exemplo falha de um elemento do sistema (neste caso falha da entrega de gás de origem russa). Ver normas das análises de custos benefícios em

https://ec.europa.eu/regional_policy/sources/docgener/studies/pdf/cba_guide.pdf

e

https://cinea.ec.europa.eu/publications/cba-guidance_en

O que escrevi em 2019 sobre este caso está em 

https://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=gasoduto

e muito gostaria que os senhores comentadores mostrassem o que escreveram ou disseram na altura.

Entretanto, veja-se na fig.1 o esquema da rede espanhola, faltando a ligação transfronteiriça de Barcelona-Carcassone. Note-se que já há um troço para a ilha Maiorca, na direção da Sardenha, também já ligada à Itália.



Também na fig.1 se podem ver as capacidades de regaseificação dos terminais marítimos, tendo presente que o  objetivo da Alemanha é substituir a importação de 2/3 do gás russo, ou seja, 100 bcm/ano (100 mil milhões de metros cúbicos/ano). Ou seja, mesmo que Sines aumente a sua capacidade, nunca poderá ser o principal fornecedor de gás, embora evidentemente que é desejável que entre no negócio.
Na alternativa pra o transporte marítimo , considerando que um navio transporta da ordem de 0,125 bcm seriam necessários 800 navios por ano o que é complicado atendendo ao congestionamento dos portos alemães e do canal da Mancha.
Por comboio seria difícil mais do que 6 milhões de m3 por comboio.



As figuras foram retiradas ou adaptadas dos excelentes artigos em

e

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