Proposta
de diretiva para o transporte intermodal de mercadorias (revisão da diretiva 92/106 e do regulamento
2020/1056)
No contexto atual do transporte de mercadorias e da
descarbonização na Europa e especialmente em Portugal, considerando a pequena
quota modal da ferrovia e a falta de infraestruturas para o transporte
intermodal (transporte de mercadorias entre a origem e o destino envolvendo mais
do que um modo de transporte), esta proposta de diretiva[1]
revela-se muito importante aplicando-a conjuntamente com a proposta de substituição
do regulamento 1315 das redes transeuropeias TEN-T[2].
O interesse para Portugal destes documentos é o de poderem contribuir
para o suporte do esforço financeiro, com apoio comunitário desde que os
projetos sejam elaborados e complementados com análise de custos benefícios,
para construção das infraestruturas necessárias ao crescimento da quota modal
ferroviária nas exportações para a Europa além Pirineus.
Como referido no resumo do estudo da DG MOVE de maio de 2022
comparativo das modalidades de transbordo (transhipment) para maior competitividade
do transporte intermodal e capacidade dos terminais da rede TEN-T[3],
para distancias superiores a 600km os custos das externalidades são inferiores
na maioria das cadeias de transporte intermodal relativamente ao transporte
rodoviário exclusivo.
Para o caso geral da EU, é um importante argumento, de
acordo com o Green Deal, para a construção da rede ferroviária europeia conforme a proposta de substituição do
regulamento 1315.
No caso português, essa conclusão é especialmente importante
se considerarmos os números das exportações em 2022 pelos modos ferroviário e
rodoviário para Espanha (11,3 Mton no valor de 16.820 M€) e para o resto da EU
(5,9 Mton no valor de 25.770 M€) e a evolução das exportações por todos os modos
em 2023[4].
A alternativa marítima, mesmo admitindo a utilização
generalizada de combustíveis sustentáveis, tem a desvantagem de maior duração
do percurso intermodal para o interior da Europa. Ao percurso Aveiro-Roterdão de
aproximadamente 1.900km corresponderá cerca de 3 dias para uma velocidade média
de 12 nós (considerando a subida do consumo para velocidades superiores e o
congestionamento no canal da Mancha e no porto de Roterdão). O percurso por
ferrovia Aveiro-Mannheim, cerca de 2.000km à velocidade média de 60km/h poderá
fazer-se em 1,5 dia (suscetível de encurtamento com a melhoria das
infraestruturas e da gestão operacional decorrentes da regulamentação).
Do que antecede pode concluir-se que o cumprimento dos
objetivos da proposta de substituição do regulamento 1315 , através da
implementação do corredor atlântico com as especificações de interoperabilidade
do regulamento, incluindo a bitola 1435mm e o ERTMS, constitui um fator positivo
para o desenvolvimento da economia nacional através das exportações de bens e
da fixação de investimento estrangeiro. Apresentam-se de seguida alguns
elementos relacionáveis com esta questão do transporte intermodal, retirados
duma apresentação em 14set2023 na Ordem dos Engenheiros, relativa às ligações
ferroviárias à Europa além Pirineus[5]
1 – os objetivos do Green Deal
Tal como referido no texto da proposta de diretiva COM (2023) 702 , o argumento diretor desta regulamentação, em conjunto com a proposta de revisão e substituição do regulamento 1315, é o de continuar e intensificar a ação contra as emissões de gases com efeito de estufa, no seguimento do Transport White Paper de 2011 e restantes documentos assinalados na figura seguinte.
O quadro seguinte mostra a crítica em março de 2023 do
Tribunal de Contas Europeu ECA à
ineficiência da construção da rede única ferroviária europeia e refere os
objetivos atualizados a junho de 2023 do Green Deal (transferência substancial da
carga rodoviária para modos menos poluentes, crescimento relativamente à
atualidade de 50% da quota da ferrovia de
mercadorias terrestres em 2030 e de 100% em 2050, duplicação da quota da
ferrovia de alta velocidade de passageiros até 2030 e triplicação até 2050)
2 - comparação dos
consumos energéticos dos vários modos terrestres
O quadro seguinte mostra o consumo específico de energia por
unidade de carga útil transportada para diferentes modos terrestres. A energia indicada
é consumida no próprio veículo e depende da resistência ao movimento calculada
pela fórmula empírica R=a+bv+cv2 em
que os coeficientes refletem a maior resistência ao rolamento no contacto
pneu-asfalto da rodovia, mesmo eletrificada, relativamente ao contacto ferro
com ferro da ferrovia. Não é indicada a energia primária, a montante do veículo. Para o comboio
supôs-se a via com as especificações de interoperabilidade da regulamentação
comunitária (pendentes até 1,2%, comprimento 740m).
3 – o transporte de camiões, semirreboques ou caixas
móveis por comboio
Provavelmente a modalidade de transporte intermodal ou
combinado que mais contribuirá para a transferência de carga rodoviária para a
ferrovia será a das autoestradas ferroviárias, ou transporte de camiões,
semirreboques ou caixas móveis por comboio. A sua implementação porém exige a compatibilização
dos túneis com gabarit P400 (altura do
veículo transportado até 4m relativamente à altura de 33 cm sobre o plano base
de via, que por sua vez exige a coordenação dos gestores de infraestruturas dos
países do corredor atlântico. Conviria assim confirmar que os túneis e os
viadutos de treliças da atual linha da Beira Alta são compatíveis com o gabarit
P400.
No quadro seguinte mostra-se o exemplo do terminal de Calais
para carga-descarga de semirreboques. Outros exemplos de linhas de transporte
de semirreboques, tecnologias de transbordo e terminais intermodais
(marítimo-rodoviário-ferroviário) em[6]
No quadro seguinte reproduz-se o artigo 19 da proposta de
revisão e substituição do regulamento 1315, especificando o recurso ao
transporte por comboio de semirreboques para desenvolvimento da rede única
ferroviária europeia.
4 – comparando o percurso atual da linha da Beira Alta
com um novo traçado para maior eficiência segundo o corredor atlântico norte
A figura seguinte mostra a amarelo o traçado atual da linha
da Beira Alta em fase de renovação, em via simples e bitola ibérica. A vermelho
uma hipótese de novo traçado conforme estudo anterior da COBA/RAVE em via
dupla, bitola europeia e restantes especificações de interoperabilidade. Para
além de menos 20 km de extensão, o menor consumo específico de energia
decorrente da eliminação das pendentes e a maior probabilidade de obtenção de
financiamento comunitário sugerem a avaliação ex post dos custos e benefícios da hipótese nova linha
comparativamente com a renovação da linha atual.
Evidentemente que a construção da nova linha teria de ser
coordenada com Espanha no sentido de aproximação progressiva das plataformas
logísticas espanholas, dotadas também de bitola 1435mm, da fronteira portuguesa,
no pressuposto de ligação da plataforma de Vitoria a Irun em bitola 1435mm em
2025, seguindo-se as plataformas de Medina del Campo/Salamanca conforme a
figura seguinte (em que se indicam os
objetivos das ligações plenamente interoperáveis à Europa além Pirineus para passageiros
e mercadorias conforme o regulamento 1315).
[1] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/HTML/?uri=COM:2023:702:FIN
https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-15200-2023-ADD-1/en/pdf
[2] https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-15664-2022-INIT/en/pdf
https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/A-9-2023-0147_PT.html#_section6
[3] https://transport.ec.europa.eu/news-events/news/study-analyses-transhipment-options-more-competitive-intermodal-transport-and-terminal-capacity-ten-2022-05-05_en
[6]
autoestradas ferroviárias em Espanha
autoestradas ferroviárias em
França
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