terça-feira, 13 de maio de 2025

Sobre a RCM 77/2025 de 16abr2025

 

Ao tomar conhecimento da RCM 77/2025       https://dre.tretas.org/dre/6143163/resolucao-do-conselho-de-ministros-77-2025-de-16-de-abril          em que Governo declara aprovado o PFN e incumbe a IP de promover a realização dos estudos necessários à tomada de decisão, relativamente aos seguintes investimentos ferroviários:
a) Ligação das Terras de Santa Maria à Área Metropolitana do Porto;
b) Ligação da zona Oeste a Lisboa;
c) Ligações transfronteiriças entre Bragança/Zamora, Aveiro/Salamanca e Faro/Huelva,


            tomei a liberdade de enviar aos senhores primeiro ministro e ministro das Infraestruturas  uma análise crítica cujo texto está incluido no email em que o Portal do Governo acusou a receção do meu email enviado através do formulário do portal do governo.

Transcrevo o email acusando a receção do meu:



 Portal do Governo: Assunto: RCM 77/2025 

 De noreply@portugal.gov.pt 

Data sáb, 19/04/2025 14:32 

 Para santos.silva45@hotmail.com 

Agradecemos o seu contacto. Perante o exposto, o mesmo será encaminhado para as entidades competentes de forma a ser analisado e tratado em conformidade. 

 A sua mensagem: 

 Lisboa, 19 de abril de 2025 

Senhor primeiro ministro, 

Senhor ministro das Infraestruturas 

Assunto: RCM 77/2025 

Tendo dedicado a minha vida profissional a um serviço público ferroviário urbano, li com apreço a RCM 77/2025 relativa a novos investimentos ferroviários. Apreciei sobretudo a vontade de tomar decisões que sirvam o interesse público. Verificou-se uma reação favorável por parte da maioria do poder local envolvido. Mas como técnico de transportes, não posso deixar de recordar diversos episódios em que testemunhei a dificuldade que os decisores tinham perante problemas específicos da engenharia de transportes para os quais tinham de se socorrer dos relatórios e das opiniões de assessores e consultores sem que tivessem formação específica para poderem avaliar a correção das soluções propostas. Eis-nos agora perante uma situação semelhante. Urge tomar as decisões, mas os critérios utilizados respondem satisfatoriamente às regras da arte? É que a técnica de engenharia é uma mistura de ciência e de arte, e as grandes conquistas da ciência do século XX trouxeram-nos muito de incerteza e de indeterminação conforme o observador. Temos de aceitar e respeitar a diversidade de posições sobre temas técnicos. Mas permitam-me abordar o problema por um tema caro à formação e à experiência do senhor primeiro ministro. A RCM 77 declara a sua conformidade com o artigo 199º Competência administrativa da Constituição. E isso remete-me para uma questão em que por várias vezes, num grupo de técnicos, temos criticado as sucessivas políticas ferroviárias dos governos da República. Que nos levou até a apresentarmos queixa nas Provedorias de justiça Europeia e Portuguesa, que naturalmente, perdoem-me a ironia, arquivaram os processos, fundamentalmente consistindo em queixa por má administração, não por posições políticas. Como fundamentámos a queixa por má administração da coisa pública? Por inconformidade com os instrumentos jurídicos, da qual decorria a impossibilidade de beneficiar de fundos comunitários o que prejudicava a economia do país. Pormenorizando: 1 – O Tratado de Funcionamento da União Europeia apoia explicitamente o desenvolvimento de uma rede única ferroviária europeia (artigos 170º e 171º). As especificações desta são, com força jurídica, expressas no regulamento 2024/1679, que é vinculativo para qualquer Estado membro e cujo cumprimento é necessário para beneficiar dos cofinanciamentos CEF do regulamento 2021/1153. Incumprir ou adiar o seu cumprimento através de pedidos sistemáticos de isenção, aliás regulamentarmente sempre temporárias conforme o artigo 17º.5 do 1679, configurará assim um ato de má administração por desperdício de financiamento. 2 - O artigo 198º Competência legislativa da Constituição é muito claro, o Governo fará decretos-lei em matérias de reserva relativa da AR mediante autorização desta, a qual figurará nos decretos-lei em causa. Ora, bases do ordenamento do território é matéria exclusiva da AR salvo autorização ao Governo, conforme determina o artigo 165º.1.z, não constando, salvo ignorância minha, que tal autorização tenha sido expressa pela AR nem que douta jurisprudência tenha feito vingar o parecer, perdoe-se-me novamente a ironia, que determinações da AR contrárias ao poder executivo são simplesmente recomendações (o que poderia sugerir que reciprocamente as decisões do Governo seriam também simples recomendações, arrumando tais jurisprudências no domínio da anarquia). Sintetizando: Apesar das referências na RCM 77 às CCDR o Governo entrega à IP a responsabilidade pela escolha dos traçados das linhas ferroviárias no País e na AML à revelia da atualização dos instrumentos jurídicos do ordenamento do território a qual constitucionalmente deveria ser tutelada pela AR. O que é preocupante, quando é público o reconhecimento pela própria IP das suas limitações por carência de meios humanos e pelo sistemático recurso a ajustes diretos a assessores externos (SMA&Partner, p.ex.), em detrimento da implementação de uma cooperação técnica (incluindo assistência técnica efetiva) com a Comissão Europeia/DG MOVE e o ministério espanhol MITMA e com os coordenadores do corredor atlântico Carlo Secchi (DG MOVE) e José António Sebastian (MITMA). Como pode afirmar-se que a TTT será entre Chelas e Barreiro, que a linha de AV descerá pela margem direita ou pela margem esquerda do Tejo, se o PROTAML em vigor é de 2002 e não consta, salvo ignorância minha, que não obstante o REOT 2024 esteja o PROTAML a ser atualizado segundo as normas constitucionais, nomeadamente ofendidas as dos artigos 48º (direito de participação dos cidadãos diretamente na direção dos assuntos públicos e a serem esclarecidos objetivamente sobre a gestão dos assuntos públicos) e 65º.5 (garantia de participação na elaboração dos instrumentos de planeamento físico do território). Que pensará da RCM 77 o Tribunal Constitucional? Continuarão o nosso Ministério Público e o nosso Tribunal de Contas a ignorar a estratégia da nossa ferrovia como prejudicial para o crescimento da nossa economia? Quando o Tribunal de Contas Europeu (ECA European Court of Auditors) não se cansa nos seus relatórios de verberar a ineficiência dos governos europeus, nalguns lá também como cá, na promoção da rede única ferroviária europeia e na transferência do transporte de mercadorias da rodovia para a ferrovia? Cingindo-nos ao regulamento 2024/1679 porque, como referido no nº5.a da RCM 77, devem procurar-se fundos comunitários para financiamento dos estudos, e sabe-se que a aprovação do financiamento depende da conformidade dos traçados com o regulamento: 

i) Os Estados membros aos quais não se aplica a obrigação dos parâmetros de interoperabilidade nas novas linhas da rede ferroviária (25kVAC, comboios de 740m, pendentes de 1,25%, 22,5 ton/eixo, bitola europeia, ERTMS, etc.) são, explicitamente no regulamento, a Irlanda, Chipre e Malta, por serem ... ilhas. Não se tendo verificado a separação da Jangada de Pedra dos Pireneus, perdoe-se-me a metáfora, não deverá Portugal comportar-se como sendo uma ilha ferroviária 

ii) A adjudicação do primeiro troço da linha de AV, Porto-Oiã com bitola ibérica e com pendentes superiores a 1,25% afasta-se do regulamento 1679. Foi invocado o artigo 17º.2 para justificar a bitola ibérica através duma avaliação incluindo uma análise de custos benefícios negativa para a bitola europeia a apresentar até julho de 2026 à Comissão Europeia. Mas esse procedimento de isenção não é aplicável à linha de AV Porto-Lisboa porque já estava planeada a sua ligação transfronteiriça na ficha F11 do PNI 2030 de novembro de 2023, e o artigo 17º.2 requer para essa isenção que “ on 18 July 2024, no new railway line is planned to be connected to the land border of another Member State according to Annex I”. O que será aplicável á linha Porto-Lisboa será o artigo 17º.5 que determina a possibilidade de uma isenção mas apenas temporária. 

iii) Os mapas 7 (corredor atlântico) do Anexo I do regulamento preveem: 

a. a rede de passageiros de AV (>200km/h)
i. em 2030 (rede “core”) 1. Porto-Lisboa 2. Aveiro-Viseu 3. Lisboa-Caia-Madrid
ii. em 2040 (rede “extended core”) 1. Porto-Braga-Vigo 2. Viseu-Salamanca
iii. em 2050 (rede comprehensive”) 1. Évora-Faro-Huelva

b. a rede de mercadorias com partilha da rede passageiros AV
i. em 2030 1. Évora-Badajoz 2. Badajoz-Mérida-Puertollano-Manzanares-Madrid (em linha de bitola ibérica e velocidade convencional) 3. Aveiro-V.Formoso-Salamanca (idem) 4. Salamanca Valladolid
ii. em 2040 1. Porto-Braga-Vigo 2. Lisboa-Porto 3. Lisboa-Évora 4. Aveiro-Viseu V.Formoso
iii. em 2050 1. Merida-Caceres-Madrid 2. Évora-Faro-Huelva

iv) Da análise do ponto iii) resulta que o próprio regulamento adia para 2050 a ligação para mercadorias a Irun em bitola europeia (com transbordo de contentores em Vitoria) comprometendo assim o crescimento a médio prazo das exportações de bens, cujo valor por modos terrestres para a Europa além Pirineus (6 milhões de toneladas no valor de 26.900 milhões de euros) já supera o valor das exportações de bens para Espanha (11 milhões de toneladas no valor de 17.300 milhões de euros) (fonte: INE). Seria bom renegociar com a DG MOVE, antecipando-as, as datas regulamentares para as mercadorias. Tal seria do interesse de Espanha, quando um relatório do INECO apresentado ao MITMA reconhece que a fraca quota da ferrovia no transporte de mercadorias tem, entre outras causas, a deficiência de interoperabilidade da bitola ibérica. 

v) Tomando também como fonte o INE, para fundamentar os traçados das ligações ferroviárias à Europa e a sua conformidade com o regulamento 1679, considerem-se os valores das exportações de bens por região e por todos os modos. São as seguintes as percentagens das exportações para um total pelo continente, em 2024, de 69.611 milhões de euros: i. Norte 38,44% ii. Centro 17,54% iii. Lisboa e Sul 44,02% Nesta perspectiva, reportando-me ao nº3 da RCM 77, parecem corretos os traçados para passageiros e mercadorias Aveiro-Salamanca (corredor atlântico norte) e Lisboa-Évora-Badajoz (corredor atlântico sul). Já o traçado Porto-Bragança-Zamora, pese embora a excelência do estudo prévio realizado e a comodidade para os habitantes da região, não terá a prioridade dos corredores do regulamento, sem prejuízo de também interessar uma ligação ferroviária entre Bragança e Vila Franca das Naves, na ligação Aveiro-Salamanca. Quanto à ligação Évora-Faro-Huelva já prevista no regulamento para 2050, seria de facto bom a sua antecipação para 2040 como fator estruturante da capacidade produtiva do Sul e do crescimento dos portos de Sines e de Faro. 

vi) Recentes declarações do ministro espanhol Oscar Puente revelaram que a linha de AV da Extremadura ficará a funcionar em 2030 no troço Madrid-Navalmoral de la Mata (ca 210 km) em bitola europeia e ERTMS e no troço Navalmoral de la Mata-Badajoz (ca 230 km) em bitola ibérica e ERTMS, ambos de momento exclusivos para passageiros. Existirá portanto um intercambiador em Navalmoral de la Mata analogamente ao que existe em Ourense na ligação à Galiza, ficando dependentes dos fornecedores de material circulante de eixos variáveis. Muito bom seria que no mandato à IP do nº3 da RCM 77 tivesse sido determinado uma eficiente coordenação técnica com Espanha para antecipação da bitola europeia, quer para passageiros, quer especialmente para mercadorias, em que é importante corrigir as datas do regulamento 1679. Quanto mais não fosse, para evitar alguns desabafos que responsáveis espanhóis já vão deixando escapar quando se referem às ligações fronteiriças e descreem das datas de chegada à fronteira dos portugueses. 

vii) Reiterando a aparente inconformidade legal dos procedimentos da RCM 77 para intervenção nos instrumentos de ordenamento do território da AML, é pertinente citar o artigo 41º.4 do regulamento 1679 que determina a realização até 19jul2025 por cada Estado membro de um programa para implementação até 31dez2027 nos respetivos países dos SUMP (Sustainable Urban Mobility Plan) para os nós urbanos relacionados no Anexo II do regulamento. Reconhecendo que vários municípios têm em curso estudos para a elaboração de PAMUS, receia-se que os artigos correspondentes do regulamento 1679 não venham a ser satisfeitos, sendo que para Lisboa o SUMP se refere à área metropolitana. De referir ainda que o PFN aprovado com a RCM 77, aparentemente seguindo acriticamente o critério das ligações “diametrais” em redes homólogas de estádios diferentes de desenvolvimento, interfere significativamente com as redes existentes ferroviárias regionais, suburbanas e urbanas sem que, contrariamente ao referido na RCM 77, a participação pública pudesse ter suscitado um amplo debate participativo com a evidencia das vantagens comparativas de alternativas (exemplo: prolongamento da linha do Oeste da Malveira em percurso típico para uma linha suburbana ou de metropolitano e em sobreposição parcial com uma linha de metro). Duvida-se igualmente que a anunciada linha violeta do metro ligeiro de Loures se integre corretamente no SUMP. 

viii) Ainda sobre o PFN, relativamente às ligações ferroviárias de mercadorias à Europa, cabe aqui referir a plena concordância com o que está escrito no seu ponto 2.2 interoperabilidade : "A criação de ligações ferroviárias em bitola padrão (1435 mm) teria inegáveis vantagens no transporte de mercadorias internacional de longa distância, contribuindo para melhorar a competitividade das exportações portuguesas". Para logo acrescentar que o PFN não tratará disso. Quem e como o fará? 

Senhores primeiro ministro e ministro das Infraestruturas Para a hipótese remota de que assessores incondicionais apoiantes da estratégia ferroviária que vem sendo seguida pelos governos da República, venham a manifestar repúdio e indignação pelo que deixo escrito e talvez até distorcendo-o, reafirmo em minha defesa que o que escrevi corresponde ao artigo 48º da nossa Constituição, baseia-se na minha experiência profissional em transportes ferroviários e resultou do que para mim é um imperativo deontológico, transmitir a opinião como técnico sobre um assunto público com implicações económicas. 

Desejo a V.Exas e Famílias as maiores felicidades 


Esta mensagem foi enviada dia 2025-04-19 às 14:28

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