terça-feira, 4 de novembro de 2025

A linha circular do metropolitano de Lisboa em outubro de 2025. Declarações da Secretária de Estado da Mobilidade

 


https://observador.pt/2025/10/31/governo-assume-beneficios-da-linha-circular-do-metro-de-lisboa-que-e-para-manter-contra-um-passado-de-criticas-do-psd-e-moedas/

A senhora Secretária de Estado, pela sua experiência em empresas públicas de transporte, conhece o problema . Por definição, qualquer expansão de uma rede ferroviária exige o concurso de especialistas de muitas disciplinas. O caráter pluridisciplinar de qualquer investimento para uma expansão exige um planeamento rigoroso e um controle periódico de malha apertada da evolução dos diferentes componentes do investimento. Ora, não é possível dominar todas as disciplinas, é necessário recorrer a assessores para formar uma opinião e tomar decisões. Mas como saber que o assessor consultado está dentro do assunto se quem pergunta está fora dos meandros que demonstram a razão das coisas? Forçoso é ouvir várias opiniões e afastar as orientações que a priori foram definidas quiçá em âmbito partidário, longe da realidade, ou porque suscitam o apoio da opinião pública.   Mas infelizmente é vulgar os decisores definirem uum “lado bom” e rejeitarem ouvir qualquer opinião contrária.

Foi o que aconteceu com o projeto da linha circular do metropolitano de Lisboa.

Alguém nos gabinetes ministeriais e nos idos da primeira década do século XXI pôs de parte o PROTAML de 2002 e seduzido pelo conceito de linha circular do metro de Londres, que precisamente nessa altura se transformava por ironia do destino em linha em laço, elaborou um plano de expansão do metro com uma pequena circular (em comparação com as linhas circulares de outros metropolitanos)  e várias expansões para as periferias com que seduziu e obteve a aprovação dos senhores presidentes de câmara contíguas a LIsboa.

Seguiu-se a disseminação da ideia pelos dirigentes do próprio metropolitano  de nomeação por confiança política, que disciplinadamente encarregaram os técnicos de promover o projeto da linha circular sem admitir alternativas. E assim se obtiveram, para reforço da decisão, “estudos” que dizem que é a melhor solução. Neste caso, apesar de em várias sessões públicas, nomeadamente na Assembleia Municipal na presença de representantes do metro, terem sido pedidos esses estudos, eles não foram fornecidos.  Não devia utilizar-se este argumento, próprio dos tempos medievais do “magister dixit”. Desde o século XVI que os promotores do método científico requerem o referendo dos seus trabalhos pelos pares.

Em vão moradores apresentaram queixas no TAF(Tribunal Administrativo e Fiscal/Interesses Difusos, o simpático procurador que me ouviu como testemunha achou que o melhor era arquivar o protesto para não agitar as águas e  porque a gravura da página 76 do PROTAML 2002  que mostra o prolongamento da linha amarela do Rato para Alcantara/estação da linha de Cascais afinal não mostrava o prolongamento para Alcântara.

Em vão a Assembleia da República aprovou a lei 2/2020 que mandava suspender a construção da linha circular, em vão porque o TdC se apressou a contrariar o poder legislativo e apôs o visto.

Em vão entreguei ao antecessor da senhora Secretária de Estado os “estudos” que eu próprio fiz e publiquei. Não perdeu tempo a lê-los. Se a senhora Secretária de Estado estiver interessada, terei muito prazer em lhos enviar.

Dispenso-me de transcrever os artigos 48, 65 e 165.1.z sobre o direito à participação dos cidadãos e da AR no ordenamento do território. Certamente que se aduziriam contra-argumentos jurídicos irrebatíveis.

Mas não resisto a recordar a não conformidade da linha circular e a comentar os seus “benefícios”:

1 – contradiz o PROTAML 2002 que asseguraria o acesso dos utilizadores da linha de Cascais ao centro graças a correspondência em Alcântara e que propunha uma circular externa Algés-Loures-Sacavém em metro ligeiro de superfície

2 – beneficia zonas já servidas em detrimento dos eixos de penetração das periferias ao centro. A ligação Cais do Sodré- Campo de Ourique, por exemplo, poderia ser alvo da modernização e pedonalização parcial da linha de elétrico.

3 – ignorou o peso das validações dos utilizadores da linha de Odivelas  comparativamente com as validações na estação Cais do Sodré , obrigando aqueles a um transbordo (esquecendo também o “estudo” que do Cais Sodré para a zona da avenida da República basta um transbordo em Alameda e não dois transbordos)

4 – o “estudo”  ignorou também que em igualdade de circunstancias topológicas a fiabilidade de duas linhas independentes é superior à de uma linha circular  porque a probabilidade de ocorrência simultânea de uma avaria em cada linha independente é inferior à probabilidade de ocorrência de uma avaria na linha circular, perturbando toda a circulação (o que, juntamente com melhor capacidade de recuperação de perturbações  por ter términos,  compensa a desvantagem das duas linhas exigirem mais comboios no caso dos términos habituais)

5 – o desperdício de obras em zonas de grandes dificuldades geológicas conforme já se sabia da experiência da ligação Rossio-Cais do Sodré da linha verde, e que já foram responsáveis por graves avarias na linha de Cascais

Em 2021 o senhor ministro de então perdeu a oportunidade de refazer todo o plano de expansão, sem sequer ter entendido a inutilidade da obra dos novos viadutos de Campo Grande, por desconhecimento da operação e das infraestruturas ferroviárias, ele que tinha experiência de administração portuária. Nos novos viadutos do Campo Grande, dispensáveis se fosse adotada a linha em laço, as caraterísticas da via saem das normas até agora seguidas no metropolitano em termos de curvas verticais e horizontais, que obrigarão a restrições de velocidade para minimizar o incómodo dos passageiros e os desgastes na via e no material circulante, além de maiores requisitos de manutenção nas juntas de dilatação dos tabuleiros.

Sobre a hipótese de transformação em linha em laço (como fez o metro de Londres) que segundo o antecessor da senhora Secretária de Estado não seria necessária por poder fazer-se uma exploração em partilha durante as horas de ponta para servir a população da linha de Odivelas ( nas agulhas de Campo grande, vindo da Cidade Universitária,  um comboio segue para Odivelas  e o comboio seguinte segue para a linha circular para Alvalade), direi que quem tem um mínimo de experiência de operação reconhecerá que por razões de segurança (comprovação da correção dos itinerários) essas manobras aumentarão o intervalo de  tempo entre comboios na linha circular, precisamente na hora de ponta. A evitar.

Mas tem razão a senhora Secretária de Estado, transformar agora a linha circular em laço tem custos, principalmente do sistema de sinalização. Talvez não chegue aos dez milhões, mas requer custos, mas não os impute a quem há tanto tempo, desde o PROTAML de 2002, defendia o prolongamento da linha amarela para a estação de Alcântara  da linha de Cascais (em viaduto para fugir à construção em aterro e evitando a ligação da linha de Cascais à sobrecarregada linha Norte-Sul).

Sobre a linha violeta regista-se que o seu traçado em “U” poderia evitar-se com o prolongamento de 5km em túnel do metro de Odivelas ao Hospital Beatriz Ângelo para correspondência com o tráfego da A8 (a linha violeta de metro ligeiro requer 3,5 km de túneis) e a integração do troço Patameiras-Infantado no projeto da linha circular externa do PROTAML 2002.

Em vez disso, vem a senhora Secretária de Estado, provavelmente para compensar os utilizadores da linha de Odivelas pelo transbordo em Campo Grande, anunciar “estudos” para o prolongamento de Telheiras ao Colégio MilitarvMilitar e a Benfica. Não parecerá ser um troço prioritário se comparado com uma ligação à periferia.

Infelizmente a expansão das redes de transporte público na AML vem-se fazendo por troços desligados de um plano integrado, privilegiando propostas de metrobus que são menos eficientes energeticamente, e criando-se paulatinamente “puzzles” de cada vez mais difícil correção. Esta observação é oportuna quando o regulamento 1679, nas cláusulas 40 e 41 relativas aos nós urbanos, requer a elaboração de um SUMP (plano de mobilidade urbana sustentável) até dezembro de 2027,  A resolução RCM 77/2025 ameaça perverter esta disposição, ao encarregar a IP de avaliar os investimentos essenciais na AML, nomeadamente o traçado para o NAL , a TTT e o serviço metropolitano/suburbano, regional, intercidades e de mercadorias. Receia-se o desrespeito pelas disposições do regulamento 1679, dificultando o acesso aos fundos comunitários (beneficiando os promotores das PPP), e pelas disposições constitucionais dos artigos 48, 65 e 165.1.z  (natureza participativa e competência legislativa sobre ordenamento do território).

 

Em síntese, parecerá que a correção dos erros que sucessivos governos têm cometido na expansão da rede do metropolitano exigirá investimentos ao longo de  muitos anos até ser atingido um equilíbrio entre  o ordenamento do território da AML e a mobilidade em termos de distribuição modal, com uma rede de transportes públicos energeticamente eficiente e assumindo uma quota superior a 70% das deslocações motorizadas.