quarta-feira, 28 de março de 2012

A eficiência energética nos transportes urbanos

Recentemente a comunicação social divulgou uma informação da Carris sobre os gastos de combustível em 2010:  20 milhões de euros para 18,8 milhões de litros de gasóleo e 1,8 milhões de metros cúbicos de gás natural para os seus autocarros.
Mais informava a notícia que a Carris tinha ganho o prémio de empresa mais eficiente na área de energia em 2010.
Eu detesto escrever o que se segue, porque pode ser mal interpretado numa altura em que o governo determinou a fusão das empresas Carris e Metropolitano de Lisboa, porque embora o conceito de fusão das empresas seja correto, temo que a forma como vai ser concretizada seja muito má, e porque a forma como abordo estas questões tenta basear-se em cálculos (embora a política de secretismo ou de desvio das atenções oculte ou engane os dados) contrariando a prática comum de discutir apenas os aspetos emocionais ou subjetivos.

Cosiderar uma empresa maioritariamente de autocarros com motor de gasóleo em meio urbano como eficiente parece-me incompatível com as preocupações ambientais de melhoria da eficiência energética na área dos transportes, pese embora o mérito de ações da Carris como a campanha "menos um carro":
http://www.menosumcarro.pt/

É que Portugal "queima" em transportes cerca de 40% da energia primária que consome (de que depende em quase 80% do exterior) , sob a forma de combustíveis fósseis (cuja contribuição para as alterações climáticas através da emissão de CO2 já são do domínio público). A energia elétrica é obtida apenas a partir de 20% do total de energia primária consumida.
Mas enfim, a atribuição desse prémio poderá refletir a pouca atenção que no nosso país é dada às questões técnicas de transportes.
O problema é a dependencia do exterior, o custo e os efeitos dos combustíveis fósseis e o receio de que os decisores não avaliem bem a gravidade das questões de energia.
Num país em crise, custa ver o desperdício nos transportes rodoviários, coletivos ou individuais, menos eficientes do que o transporte ferroviário (o que não quer dizer que o esforço de melhorias em eficiência na ferrovia não deva ser intensificado).

Comecemos pelo quadro de equivalencias de formas de energia, reduzindo a toneladas equivalentes de petróleo, conforme estabelecido pelo DL 228/1990.
Será insuspeita tal tabela de equivalencias, visto em 1990 ainda não se vivia a crise de hoje.
Neste pequeno quadro Excel podemos comparar os valores retirados dos sites das duas empresas, relativos a 2010.
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Temos assim, com base nos valores recolhidos:
              - eficiência energética:
                             Carris.......... 43 500 passageiros.km por tep (tonelada equivalente de petróleo)
                             ML ............. 52 300 pass.km/tep
              - emissões de CO2 por passageiro.km:
                             Carris .........  71 gramas de CO2/pass.km
                             ML .............  26 gCO2/pass.km

Mas estes valores dizem respeito apenas à energia dos combustíveis para a tração (gasóleo e gás natural no caso da Carris, kWh da rede elétrica no caso do ML) embora reduzidos ao mesmo equivalente energético tep (toe, em inglês).

Tomando valores mais ou menos estimados para considerar todo o consumo de energia das empresas, porque assim é necessário para calcular a chamada pegada ecológica da empresa e as emissões específicas de CO2 por passageiro.km (confesso que ignoro se a Carris publicou já os cálculos da sua pegada ecológica), teremos o seguinte quadro, salientando que alguns valores não são de confiança, sendo desejável que a própria Carris trabalhe esses elementos e os dissemine.




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Curiosamente, não serão muito diferentes as emissões de CO2 por passageiro.km  (se não me enganei nas contas, claro) , dado que no caso do ML elas ocorrem também nas centrais térmicas que alimentam a rede elétrica, havendo a contar com perdas na transmissão e na produção e de energia elétrica nas centrais térmicas (1 kWh consumido no comboio corresponde a cerca de 2,6 kWh produzidos nas centrais térmicas e nas renováveis, dependendo da repartição entre estas produções - aqui se compreende a importancia do nosso país investir nas renováveis, porque o setor dos transportes tem sempre consumo para elas; poderá é não ter garantia para os privados produtores).
O que é muito diferente é a eficiência:
                Carris.............19 300  pass.km/tep
                ML ................34 600 pass.km/tep

e as emissões de CO2 na zona da cidade:
                Carris ........... 85 gCO2/pass.km
                ML .................8,4 gCO2/pass.km

Seria interessante ainda calcular o efeito que a circulação de autocarros tem no agravamento do consumo dos combustíveis pelos automóveis particulares e ainda os consumos e emissões de CO2 se o montante de passageiros.km da Carris e do ML fosse substituido por transporte em automóveis, taxis e carrinhas, mas ficará  outro post.

Veja-se ainda o quadro seguinte com os custos por pass.km dos combustíveis (custos globais em milhões de euros):

errata:  0,48 é o valor em cêntimos da energia elétrica de tração no metro por pass.km
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Se considerarmos apenas os custos do combustível (gasóleo e gás natural na Carris e kWh no ML) temos:
                  Carris ................. 2,7 centimos/pass.km
                  ML .................... 0,5 centimos/pass.km

Dá que pensar, não dá, apesar de esperar o aumento do preço do kWh?

Dir-se-ia que um dos fatores mais claros para se aferir da utilidade da fusão das empresas (não, não vou dizer que vai ser a redução dos quadros de pessoal, não gosto de ver pessoas desempregadas ou mal ocupadas) será, para o ano, com a análise destes indicadores de eficiência, verificar se continuamos ou não a desperdiçar combustíveis fósseis.
É que, como dizia o professor Ilharco, na cadeira de Quimica Geral, a energia é o problema fundamental da humanidade (lembrem-se disso da próxima vez que tiverem de ouvir uma conferencia e estiverem a necessitar de "coffee break" para repor os níveis energéticos musculares e cerebrais).


Ver cálculos e uma apresentação sobre o potencial dos metropolitanos na redução dos consumos em:

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