No meio dos comentários sobre o BES, oiço a lucidez de dois comentadores, julgo que um deles o historiador económico Pedro Lains, dizer que temos de convencer as pessoas de direita, que as de esquerda já estão convencidas, de que a união bancária tem de ser concretizada (assim como todas as restantes medidas propostas pelos economistas aterrorizados, que os financeiros do BCE tão lentamente e renitentemente vão aplicando). A lentidão das medidas do senhor Draghi contrastam com as da reserva federal americana. A união bancária , fiscal e orçamental é condição sine qua non para o equilibrio orçamental, não o corte das pensões. Outro diz que em dois anos foram transferidos para o Luxemburgo 200.000 milhões de euros de depósitos. Somos um país drenado. Os USA já informaram os bancos estrangeiros que operam no seu território que têm o dever de informar o departamento do tesouro de todas as tranferencias que os clientes americanos fazem para fora do pais, sem o que não poderão operar no país. O fim do sigilo bancário é condição sine qua non para o equilibrio orçamental, não os cortes das pensões.
E não são os reguladores que têm de ser mais eficazes, é o sistema financeiro que tem de mudar.
Porem, o governo português e seus simpatizantes preferem continuar a assistir à luta dos tubarões.
Não é original, a ideia do programa de TV lago dos tubarões. Orson Wells tratou o assunto num dos seus filmes.
Mas prefiro outra perspetiva do caso do BES, esperando que a triste atuação do senhor governador do BP não contribua para problemas de sua saúde. Outros comentadores, respeitosos apoiantes do governo, desculpam-no, que era CMVM que deveria ter alertado os acionistas, que o BP só tem que proteger os depositantes. Ora, o senhor governador disse que previa uma almofada de 2 mil milhões e que havia acionistas interessados no aumento de capital. Falhou por desconhecimento e afundou-se quando disse que se baseava na informação disponível do próprio banco (a do 1º trimestre). Afinal eram 3,5 mil milhões. Felizmente os meus jovens colaboradores nunca cometeram erros desta dimensão por desconhecimento. Os senhores economistas e financeiros não têm a noção dos fenómenos físicos. Deveriam estudar a teoria da predição de Norbert Wiener. Era melhor para todos.
E quanto ao inedetismo e inovação da solução dos bancos bom e mau (cuidado com a analogia do desdobramento da personalidade, é que a responsabilidade do crime é sempre de quem o comete, por mais inimputável que uma escola de psicologia possa defender), permito-me transcrever do livro "Adapte-se" de Tim Harford, copyright de 2011:
"Uma forma simples de reestruturar até um banco complexo foi inventada por dois teóricos do jogo, Jeremy Bulow e Paul Klemperer, e apoiada por Willem Buiter, que posteriormente se tornou economista responsável pelo talvez mais complexo banco do mundo, o Citigroup. Trata-se de uma abordagem tão elegante que, à primeira vista, parece um passe de magia lógico: Bulow e Klemperer propõem que os reguladores possam obrigar um banco em dificuldades a dividir-se num banco "ponte" e num mau banco "traseiro". O banco ponte recebe todos os ativos e apenas os passivos mais sagrados - como os depósitos que as pessoas comuns ainda têm em contas-poupança ou, no caso de um banco de investimento, o dinheiro depositado por outras empresas. O banco traseiro não recebe quaisquer ativos, ficando apenas com o resto das dívidas. Num ápice, o banco ponte é plenamente funcional, tem um bom amortecedor
de capital e pode continuar a fazer empréstimos, a pedir empréstimos e a transacionar. O banco traseiro é, evidentemente, uma inutilidade.
Mas então, os credores do banco traseiro não foram roubados? Não nos precipitemos. É aqui que entra o truque de magia: o banco traseiro é proprietário do banco ponte..."
Ora, a menos que esteja enganado, estamos perante um solução à portuguesa, isto é, uma meia solução apresentada como inovadora a pedir aplausos ao senhor governador do BP, ao governo e ao senhor gestor Vitor Bento, que há muito abandonou o seu diagnóstico: que o setor não transacionável do nosso país tem de convergir com o setor transacionável.
E tambem que quem insistir que a solução do banco bom e do banco mau é inovadora (o copyright do livro é de 2011), está mentindo.
domingo, 24 de agosto de 2014
Um lago de tubarões
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segunda-feira, 4 de agosto de 2014
Colisão de comboios na estação de Mannheim
Em 1 de agosto, um comboio de mercadorias, em movimento
convergente numa agulha, colidiu com a lateral de um Eurocity Graz-Sarrebrucken. A locomotiva do mercadorias e dois vagões descarrilaram
assim como 5 carruagens do intercidades, 3 das quais tombaram ferindo 35
passageiros.
Numa altura em que os burocratas da união europeia impuseram
regras contra o parecer de muitos técnicos, para liberalização do acesso às
infraestruturas ferroviárias, e em que a ideologia dominante é a de poupanças
sistemáticas em investimentos e em manutenção, e a grande preocupação dos
gestores é a de reduzir custos com pessoal e utilizar ao máximo as
infraestruturas, entrando claramente no domínio da sobre-exploração, deixo as
seguintes observações:
- o esquema de vias da estação de Mannheim é realmente complexo,
tendo o acidente ocorrido numa agulha, em movimentos convergentes
- o comboio de mercadorias era operado pela Rail Cargo Group (ferroviária pública de mercadorias austro-hungara), embora o serviço, entre Duisburg na Alemanha e Sotrun na Hungria, tenha sido contratado pela ERS Railways holandesa
e subcontratado por esta à Rail Cargo Group/Balo, puxado por uma locomotiva dos caminhos de ferro austríacos e com vagões da Balo, turca
- a gestora das infraestruturas, a Deutsch Bahn, ainda não
esclareceu as causas do acidente
- dois dos vagões contêm quimicos perigosos
O meu comentário é o de que, em contexto de sobre-exploração, com
comboios de diferentes operadores e diferentes carateristicas de exploração, a
probabilidade de que uma falha técnica ou humana conduza a um acidente cresce.
Por isso deve aceitar-se a necessidade de investimentos para assegurar caminhos
diferentes para o tráfego de passageiros e o de mercadorias, para que a
exploração de ambos não interfira, alem de simplificar as zonas de agulhas, tornando-as imunes a consequencias danosas.
A engenharia tem meios para a
compatibilização de vários operadores e para a mistura de tráfegos diferentes
na mesma linha, mas o risco aumenta. E esse risco não me parece tolerável.
Este
é um problema que se põe em Portugal, mas também na Europa, com as suas linhas
ferreas saturadas, numa altura em que se pretende reduzir a poluição das
autoestradas. E sabe-se como investimentos em infraestruturas têm efeitos
positivos no emprego e no combate à deflação.
Mas não sei se os senhores decisores especialistas da alta finança
querem compreender isto.
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domingo, 3 de agosto de 2014
Num grupo de trabalho como os outros, driverless
O texto seguinte faz parte de umas memórias do metropolitano. A idade tem destas coisas. Atenuam-se alguns mecanismos de inibição, perde-se alguma modéstia, para compensar o pouco que os jovens gostam de ligar ao que os velhos dizem (e contudo, as leis da mecânica clássica, uma vez complementadas com as correções relativistas, continuam a ser válidas, bem como os critérios de segurança ferroviária, independentemente da idade de quem fala). Por isso não estranhem se um dia eu vos comunicar que estas memórias estão publicadas em livro. Corro o risco de incomodar muita gente, mas parece que ainda há liberdade de expressão, e de manifestar indignação pelos maus tratos que deram e dão às empresas publicas como o metro, quer através de nomeações para cargos dirigentes por razões partidárias, quer forçando a privatização ou concessão. Nunca em meu nome ou de quem honestamente exerce a sua vida profissional nas empresas publicas.
O presidente da
administração, Franklin Duques, entusiasmado com as suas funções numa empresa
de transportes equipada com tecnologia de ponta e em estudo permanente de novas
aplicações, bem diferente dos gabinetes financeiros onde recorrentemente perdia
as apostas na evolução das cotações das “commodity”, dos derivados futuros e
das taxas de juro, desafiado pela grande empresa alemã que havia 5 anos
instalava e ensaiava no metropolitano de uma cidade da Baviera a condução
automática integral, sem maquinista (o sistema driverless), convenceu-se de que
reduziria significativamente as despesas de pessoal se encomendasse o mesmo sistema para Lisboa.
Dizia-o em
entrevistas a jornalistas mais ou menos sensacionalistas, que iria ensaiar
carruagens de novo tipo, totalmente automatizadas, num horizonte de poucos
meses.
Para fundamentar
tecnicamente o seu desejo nomeou um grupo de trabalho de que fiz parte.
Preocupado com a
maneira leviana como o presidente da administração e Óscar Albarran, diretor
principal, técnico de engenharia e seu correlegionário, que o aconselhava sem
escutar o parecer dos colegas mais velhos, queriam chegar ao relatório final
sem perder tempo com análises técnicas, formalizei junto do presidente da
administração a minha posição sobre os sistemas automáticos de controle da
circulação de comboios ATP (Automatic Train Protection).
Que a
preocupação deverá ser a de libertar o maquinista da responsabilidade última
pela segurança das circulações, precisamente porque o cérebro humano tem
falhas, mas que o automatismo integral tem também riscos, por exemplo, na
deteção de situações anómalas, em que o cérebro humano é mais eficaz.
Complementarmente, a qualidade da prestação do serviço de transporte exige, num
sistema integralmente automatizado, brigadas itinerantes vigiando a exploração
de estação em estação. Por isso, tal como os nossos colegas de Paris e de Hong
Kong nos diziam, a economia nos quadros de pessoal nunca deverá ser superior a
17%.
O controle
automático de velocidade pode ser obtido por comparação da velocidade medida
com a curva de velocidade autorizada num troço, ou pela manutenção à frente do
comboio de uma distancia de segurança até a um ponto de paragem autorizado. Os
dados da ocupação da linha à frente do comboio são transmitidos em mensagens
codificadas através dos próprios carris ou por via rádio. O sistema controla
ainda outras funções de segurança, como
o lado correto de abertura deportas, por exemplo.
Duques e
Albarran estiveram presentes, sem nada dizer ao grupo de trabalho, na colocação
em serviço do metro integralmente automático na cidade bávara. A grande empresa
alemã não tinha esperanças de vender o sistema na Alemanha, mas pensava
convencer gestores de países periféricos a encomendá-lo.
Porém, os meses
passaram depressa e Albarran passou a aconselhar a desativação simples do sistema ATP que
funcionava na linha vermelha a pretexto de ter uma manutenção cara e de
provocar travagens indevidas, o que
remeteria a segurança das circulações para os maquinistas.
Todos os
sistemas precisam de manutenção, e os seus custos podem ser calculados com o
valor dos seus benefícios ou dos prejuízos pela sua falta.
Quanto às
travagens indevidas, é uma caraterística de qualquer sistema de segurança, à
mínima incoerência ou ausência dos dados recolhidos pelo sistema, ele coloca-se
num estado de segurança máxima, neste caso parando a circulação. Os valores
verificados eram normais, quando
comparados com sistemas análogos noutros metropolitanos.
Duques não
precisou de decretar a desativação do ATP. Nem de contestar a minha defesa de
que em casos de complexidade técnica elevada e de segurança crítica, a lei
europeia da concorrência dispensa o cumprimento dos procedimentos de concurso
aberto.
Aproximava-se a
data de abertura da expansão a São Sebastião. Bastou deixar passar o tempo até
ser impossível cumprir a instalação no novo troço dos equipamentos de ATP. De
forma expedita organizou-se um concurso para instalação de um sistema simples
de sinalização ferroviária, apenas os automatismos dos sinais luminosos, com um
controle pontual de ultrapassagem do sinal proibitivo, e com o sistema de transmissão das
informações para a central de comando das operações.
Os colegas do
instituto homologador, antes de autorizarem o início da circulação no novo
troço questionaram formalmente o metro sobre a desativação de um sistema de
segurança como o ATP, regredindo para um sistema de controle apenas pontual nos
sinais vermelhos e dependente da atenção permanente do maquinista. Duques
alterou a minuta de resposta que eu lhe preparei com os factos, garantindo que
o metro estudava incessantemente novas formas e equipamentos para melhoria
constante das condições de circulação, sendo prioritária a segurança dos
passageiros.
Foi na realidade
uma regressão, felizmente sem consequências catastróficas graças ao
profissionalismo e à qualificação técnica dos maquinistas.
Este foi apenas um
episódio ilustrativo da perversidade do método de nomeação dos gestores das
empresas públicas, administradores e diretores principais, por critérios de ligações partidárias.
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