O presidente da
administração, Franklin Duques, entusiasmado com as suas funções numa empresa
de transportes equipada com tecnologia de ponta e em estudo permanente de novas
aplicações, bem diferente dos gabinetes financeiros onde recorrentemente perdia
as apostas na evolução das cotações das “commodity”, dos derivados futuros e
das taxas de juro, desafiado pela grande empresa alemã que havia 5 anos
instalava e ensaiava no metropolitano de uma cidade da Baviera a condução
automática integral, sem maquinista (o sistema driverless), convenceu-se de que
reduziria significativamente as despesas de pessoal se encomendasse o mesmo sistema para Lisboa.
Dizia-o em
entrevistas a jornalistas mais ou menos sensacionalistas, que iria ensaiar
carruagens de novo tipo, totalmente automatizadas, num horizonte de poucos
meses.
Para fundamentar
tecnicamente o seu desejo nomeou um grupo de trabalho de que fiz parte.
Preocupado com a
maneira leviana como o presidente da administração e Óscar Albarran, diretor
principal, técnico de engenharia e seu correlegionário, que o aconselhava sem
escutar o parecer dos colegas mais velhos, queriam chegar ao relatório final
sem perder tempo com análises técnicas, formalizei junto do presidente da
administração a minha posição sobre os sistemas automáticos de controle da
circulação de comboios ATP (Automatic Train Protection).
Que a
preocupação deverá ser a de libertar o maquinista da responsabilidade última
pela segurança das circulações, precisamente porque o cérebro humano tem
falhas, mas que o automatismo integral tem também riscos, por exemplo, na
deteção de situações anómalas, em que o cérebro humano é mais eficaz.
Complementarmente, a qualidade da prestação do serviço de transporte exige, num
sistema integralmente automatizado, brigadas itinerantes vigiando a exploração
de estação em estação. Por isso, tal como os nossos colegas de Paris e de Hong
Kong nos diziam, a economia nos quadros de pessoal nunca deverá ser superior a
17%.
O controle
automático de velocidade pode ser obtido por comparação da velocidade medida
com a curva de velocidade autorizada num troço, ou pela manutenção à frente do
comboio de uma distancia de segurança até a um ponto de paragem autorizado. Os
dados da ocupação da linha à frente do comboio são transmitidos em mensagens
codificadas através dos próprios carris ou por via rádio. O sistema controla
ainda outras funções de segurança, como
o lado correto de abertura deportas, por exemplo.
Duques e
Albarran estiveram presentes, sem nada dizer ao grupo de trabalho, na colocação
em serviço do metro integralmente automático na cidade bávara. A grande empresa
alemã não tinha esperanças de vender o sistema na Alemanha, mas pensava
convencer gestores de países periféricos a encomendá-lo.
Porém, os meses
passaram depressa e Albarran passou a aconselhar a desativação simples do sistema ATP que
funcionava na linha vermelha a pretexto de ter uma manutenção cara e de
provocar travagens indevidas, o que
remeteria a segurança das circulações para os maquinistas.
Todos os
sistemas precisam de manutenção, e os seus custos podem ser calculados com o
valor dos seus benefícios ou dos prejuízos pela sua falta.
Quanto às
travagens indevidas, é uma caraterística de qualquer sistema de segurança, à
mínima incoerência ou ausência dos dados recolhidos pelo sistema, ele coloca-se
num estado de segurança máxima, neste caso parando a circulação. Os valores
verificados eram normais, quando
comparados com sistemas análogos noutros metropolitanos.
Duques não
precisou de decretar a desativação do ATP. Nem de contestar a minha defesa de
que em casos de complexidade técnica elevada e de segurança crítica, a lei
europeia da concorrência dispensa o cumprimento dos procedimentos de concurso
aberto.
Aproximava-se a
data de abertura da expansão a São Sebastião. Bastou deixar passar o tempo até
ser impossível cumprir a instalação no novo troço dos equipamentos de ATP. De
forma expedita organizou-se um concurso para instalação de um sistema simples
de sinalização ferroviária, apenas os automatismos dos sinais luminosos, com um
controle pontual de ultrapassagem do sinal proibitivo, e com o sistema de transmissão das
informações para a central de comando das operações.
Os colegas do
instituto homologador, antes de autorizarem o início da circulação no novo
troço questionaram formalmente o metro sobre a desativação de um sistema de
segurança como o ATP, regredindo para um sistema de controle apenas pontual nos
sinais vermelhos e dependente da atenção permanente do maquinista. Duques
alterou a minuta de resposta que eu lhe preparei com os factos, garantindo que
o metro estudava incessantemente novas formas e equipamentos para melhoria
constante das condições de circulação, sendo prioritária a segurança dos
passageiros.
Foi na realidade
uma regressão, felizmente sem consequências catastróficas graças ao
profissionalismo e à qualificação técnica dos maquinistas.
Este foi apenas um
episódio ilustrativo da perversidade do método de nomeação dos gestores das
empresas públicas, administradores e diretores principais, por critérios de ligações partidárias.
Caro Amigo
ResponderEliminarJulgo conveniente ainda acrescentar o seguinte:
1- o referido GT, nomeado pelo CA e que incluía o Albarran, concluiu por larga maioria pela conveniência em manter o sistema ATP/ATO na linha Vermelha, estendendo-o ás expansões a São Sebastião e a Aeroporto.
O CA, possivelmente mal aconselhado, entendeu não seguir as recomendações do GT, desprezando assim os elevados investimentos já efectuados na linha Vermelha (AM/OR) e no material circulante.
2- A fiabilidade do sistema ATP/ATO na altura, e após os melhoramentos progressivamente introduzidos pelo fabricante, era perfeitamente aceitável.
3- A extensão do sistema ATP/ATO (que incluía a inversão automática controlada nos términos) teria evitado o grave acidente ocorrido na passada 5ª feira dia 31 de Julho, no término da estação Aeroporto.
Abraços
Cerdeira Baptista
Pois foi, pois foi e pois é. Ao que se poupou no investimento no ATP nas expansões e na sua manutenção há que descontar a perda da automotora. Isto para não dizer, que é um argumento que os financeiros compreendem, que com ATP o tempo de condução do maquinista pode ser maior do que em condução manual.
Eliminar