9 de março de 2018, na fundação Gulbenkian, pela sua orquestra e coro, e solistas externos, soprano e contralto, a segunda sinfonia da Mahler.
Chamada da ressureição por celebrar os herois mortos, em poesia de carater romantico.
A musica de Mahler tem muitas vezes, como nesta sinfonia, uma natureza fúnebre, mas tem também elementos simples da musica popular e momentos de grande sensibilidade. Para além de uma instrumentação rica e ainda moderna. A sua música integrava-se no movimento intenso de renovação cultural em Viena no fim do século XIX e início do século XX. Não apenas nas artes (Klimt na pintura) mas também na ciência (Freud e a psicanálise). Mas era também um caldo de decadência e de incoerência na organização social. Depois do congresso de Viena de 1815, as monarquias europeias quiseram reconstituir-se. No seu pior, eu diria, e a dinastia Habsburgo é um exemplo trágico de progressiva decomposição. A reação à primavera de 1848 foi a reunião da familia real em torno do imperador deficiente mental. Acumularam-se as decisões insustentáveis que culminaram na primeira guerra mundial. Ver "Declínio e queda do império habsburgo" de Alan Sked. Numa altura em que tenta consolidar a ideia de Europa unida, convinha revisitar os erros passados. Por exemplo, o presidente eleito da câmara de Viena do início do século XX foi um dos principais inspiradores da ideologia de Hitler, que por lá andou nesse tempo. Como é estranho que nas comunidades possam conviver, lado a lado, o mais extremo obscurantismo e as mais elevadas formas de arte, como a 2ª sinfonia de Mahler... Razão suficiente para rever os mecanismos democráticos...
E quanto à interpretação neste concerto? Para mim, foi primorosa a interpretação do 1º andamento. Assim como as do contralto e do soprano (sinceramente preferiria, mesmo em nível menos elevado, intérpretes nacionais, mas é a orientação sufragada da Gulbenkian). Também com sinceridade acho muito rudimentar a poesia, assente em crenças religiosas de misticismo vulgar, mostrando à sua escala os grandes contrastes da sociedade vienense: "nada para ti está perdido, é teu sim, é teu aquilo por que ansiaste, por que lutaste" mas também "ressuscitarás, sim, ressuscitarás, meu coração, num instante!aquilo por que lutaste a Deus te levará"... como é estranho que possam conviver, lado a lado, as maiores aspirações do homem e as crenças que mais podem iludir...
Por isso preferiria que o andamento final não culminasse num fortissimo de tantos decibeis (ignoro se Mahler anotou fff), a suscitar aplausos no climax, como se se tratasse de um golo, e eu a meditar nestas coisas e o ruido das palmas e dos bravos a não me deixar absorver a transcendencia daquela musica....
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