Meu carissimo amigo e colega relações públicas do metropolitano de Lisboa
A idade tem destas coisas, quando
um idoso como eu embica com uma coisa e decide descarregar numa vítima inocente
as suas angustias passadas.
Não leve a mal eu tomá-lo como
essa vítima, e especialmente não veja aqui o menor vestígio de crítica.
Devo até destacar bem a sua
reação, ao reconhecer com humildade e especialmente, com dignidade, que tinha escolhido
mal a palavra, depois da observação da pessoa com deficiência, que deslocar-se
nas condições atuais é que é complexo.
Evoco também o dito de um antigo
colega das relações públicas da CP, que pedia aos técnicos para lhe explicar em
pormenor todas as deficiências, para que ele pudesse o melhor possível “dourar
a pílula” aos jornalistas.
Durante alguns anos fui uma
espécie de coordenador, e digo uma espécie porque o fiz de modo informal por as
sucessivas administrações se terem recusado a formalizar a constituição de uma
equipa interdisciplinar, da adaptação das 14 estações não acessíveis do
metropolitano ao PNPA – plano nacional para a promoção da acessibilidade
(resolução do conselho de ministros nº9/2007). Um dos presidentes do metro tinha
a ousadia de defender o recurso exclusivo a mini autocarros para serviço
domiciliar de passageiros com cadeiras de rodas, quando estes, e a lei, queriam acessibilidade ao metro, mesmo que em
situação de emergencia pudessem correr maiores riscos . Por coerência, esse
senhor fez sempre os possíveis por poupar verbas destinadas à melhoria das acessibilidades.
Apesar de tudo, conseguiu-se projetar e aplicar o sistema de guiamento tátil
nas estações. Curiosamente, quando se montou a instalação experimental no PMOI,
convidei o senhor presidente a assistir à inauguração, com a presença da ACAPO
e do então SNRIPD (secretariado nacional para a reabilitação e integração das
pessoas com deficiência). O senhor mandou dizer que não tinha agenda para poder
ir. Entretanto recebi a informação de que duas secretárias de Estado iriam estar
presentes. Comuniquei ao senhor presidente e ele apressou-se a comparecer.
Infelizmente não consegui obter, da parte dos colegas financeiros, a preparação
de candidaturas a fundos comunitários (não admira, a comparticipação financeira
para a Reboleira demorou anos a chegar), nem dos colegas arquitetos a conclusão
do projeto das obras de adaptação em todas as estações. Para Campo Grande e
Jardim Zoológico, apesar de concluído o projeto, nunca se lançou o concurso.
Para Colégio Militar, o presidente recusou a minha proposta de lançar o
concurso antes da entrada em vigor da nova legislação da contratação pública,
para agilizar o processo, no primeiro semestre de 2009, mais ou menos na altura
em que decidiu colocar-me na prateleira. Sabe-se no que deu a obra, parou no
tempo depois de adjudicada como consequência das deficiências não só de acompanhamento
da empreitada como da própria legislação. No caso de Baixa Chiado, os
imperativos financeiros determinaram a eliminação da hipótese de acesso por elevador de
superfície através do edifício da Rua Ivens 32. Foi vendido o edifício, para apartamentos
de luxo, como é da moda, e o metro limitou-se a pôr uma plataforma elevatória,
que penso não é usada. Ficou também no tinteiro a inclusão no sistema de
supervisão centralizada do estado de funcionamento dos elevadores , para
informação na internet a quem precisasse de programar a viagem. No caso do
material circulante, ainda se conseguiu uma instalação experimental de cintos
de segurança para cadeiras de rodas, mas ficou-se por aí. Estudei com a nossa apreciada arquiteta alternativas na estação Baixa Chiado para acesso à
estação por elevadores. Olimpicamente se absteve a estrutura da empresa de
responder. Atempadamente propus à administração a inclusão nas obras de
ampliação de Areeiro a ligação com a estação da CP acessível com cadeiras de
rodas. O projeto incluiu essa valencia mas ela não foi incluída no concurso
(outro exemplo de eternização das obras). No caso da ampliação da estação
Arroios, eu próprio fiz um pequeno estudo para simplificar as obras e a
localização dos elevadores, dispensando a intervenção no átrio norte (é verdade
que isso implicaria a redução do cais de largura de 4 m a um comprimento de 99
m em vez dos habituais 105 m, mas havia medidas de segurança para isso). A
simples inclusão no normativo para construção de estações do projeto de
guiamento tátil foi boicotada pela estrutura da empresa.
Tenho de insistir num pedido de
desculpas porque nada disto é consigo, é apenas o meu desabafo perante a vergonha
e a injustiça que se têm praticado contra as pessoas com dificuldade de
mobilidade.
Mas achei que, tal como o citado
colega dizia, deve conhecer tudo o que está por trás do que se vê ou sente, talvez para, entre outras coisas, desconfiar das promessas.
Transcrevo finalmente um extrato
do meu livro “Nós, os velhos do
metropolitano”, ed ex-libris, abr2016 , que
trata de manifestações de reformados e que penso ainda existirá na biblioteca do
CDI:
Com um grande abraço de solidariedade
e apreço
Extrato:
DEFICIENTE É AONDE NEM TODOS PODEM IR, PORQUE TODOS DIFERENTES, TODOS
IGUAIS
Saúdo o protesto da APD, Associação portuguesa de deficientes junto da
assembleia da Republica, a propósito do orçamento de Estado.
Como antigo funcionário do metropolitano de Lisboa, lamento não ter
conseguido vencer a resistência de sucessivos conselhos de administração que se
opuseram de forma mais ou menos velada ao investimento na superação das
barreiras arquitetónicas, com o argumento “caridoso” de que as pessoas com deficiência
corriam maiores riscos em caso de acidente.
Falhei também na minha luta contra as burocracias e descoordenações
internas que impediram a conclusão dos projetos de alteração das estações, o
simples lançamento de concursos para esse efeito ou a submissão de candidaturas
a fundos QREN (o que permitiria contestar a velha cassete de que “não há
dinheiro”). A interrupção das obras de adaptação das estações Colégio Militar e
Baixa para garantir a acessibilidade e instalações sanitárias para pessoas com
deficiência é o melhor exemplo da falta de financiamento através de fundos
europeus. Penso por isso que, em situação de emergência, deveriam ser
reelaborados os projetos das principais estações que ainda não dispõem de
elevadores ou outros meios de acesso à superfície, as de correspondência, Campo
Grande, Entrecampos, Jardim Zoológico, Colégio Militar, Baixa-Chiado, elaborado
o projeto de um sistema de informação aos interessados sobre o estado de
funcionamento dos meios de acesso e submissão das respetivas candidaturas a
fundos QREN (agora Quadro Europeu 2014-2020). Fazer isso é o mínimo se lermos a
carta compromisso com o cliente afixada em todas estações e no portal na net do
metro: “... está a ser desenvolvido um programa gradual de implementação de
acessibilidades nas estações ainda não preparadas para o efeito”
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