Aproximando-se as eleições, o prefeito de Fadópoles entendeu
que era uma boa oportunidade aplicar na construção de uma nova linha de
metropolitano os dinheiros que os viajantes deixavam e os dinheiros das vendas
de palacetes abandonados. Para mais, as boas condições financeiras da
prefeitura até proporcionavam a obtenção de um empréstimo vantajoso por parte
do banco central do subcontinente.
Consultados os órgãos dirigentes do partido do prefeito, foi
desenterrado um pequeno estudo de há uns anos de uma estagiária no metropolitano,
filha de um dos ministros do partido. A rapariga, aliás muito simpática, pouco
andou de metro, e no seu estágio ninguém lhe ensinou os princípios do projeto
de uma linha de metro, mas era muito hábil a projetar as curvas e os declives
dos traçados errados. Não é assim de admirar que a nova linha escolhida para
expandir a rede do metro tivesse suscitado vivas críticas. Tratava-se de uma
linha circular, possivelmente idealizada após uma viagem a Londres, antes da
transformação da linha circular do metropolitano em linha em espiral. Do lado
dos opositores, reivindicava-se a expansão da rede a zonas ainda não servidas
pelo metro.
Não quis saber o prefeito das razões dos insatisfeitos, nem
da demonstração da má aplicação dos dinheiros. Porém as cúpulas do partido não
estavam tranquilas e chamaram o especialista preferido de marketing,
comunicação e sondagens eleitorais.
Este não tinha grandes conhecimentos sobre as técnicas de
computação dos pares origem-destino para avaliar os percursos mais indicados para
uma nova linha, mas conhecia profundamente os meandros das sondagens eleitorais.
Por isso, começou por traçar um quadro a preencher com os
resultados das sondagens. Nas colunas, a hipótese de construção da linha
circular, a hipótese de construir a linha para as zonas não servidas, e a
hipótese de não construir nenhuma delas. Nas linhas, as freguesias da prefeitura
(cujos nomes, curiosamente, começam pelas mesma letras com que começam os nomes
das freguesias de Lisboa). No cruzamento das linhas e colunas, a percentagem de
votos no partido para cada hipótese de construção.
Freguesia linha circular linha p/zona não servida não construir nenhuma linha
ODI
12% 20% 25%
AME
15%
25% 25%
LUM
15% 25% 25%
CAR 10% 15% 20%
ALC
5% 30% 15%
EST
60%
50% 45%
C.OUR 50% 55% 45%
Média 23,9% 31,4% 28,6%
Feitas as necessárias sondagens a utilizadores de
smartphones, o especialista de marketing concluiu que a hipótese que mais votos
traria ao prefeito como recandidato seria a construção da linha para as zonas
não servidas e, em segundo lugar, não fazer nada. Caso se construir a linha
circular, o partido terá a pior votação.
As cúpulas do partido não gostaram, mas corajosamente
decidiram, perante tais resultados, que já não se fazia a linha circular. Mas para
não darem o braço a torcer, também não se construirá a linha para as zonas não servidas.
Isto é, foi adotada a hipótese em segundo lugar. Estas coisas, porém,
transpareceram cá para fora, e não há a certeza do que as cúpulas vão decidir a
seguir, uma vez que estão a discutir à porta fechada. Pensa-se que, já que não
fazer nenhuma linha dá mais votos que fazer a linha circular, então as cúpulas encarregarão
o prefeito de pegar no dinheiro orçamentado e organizar um cortejo de
autocarros elétricos em faixas bus na autoestrada que serve os bairros finos da
zona suburbana marginal do oceano, ao longo da foz do rio que banha Fadópoles. Perde-se a noção que se estuda na escola
secundária, que existe caminho de ferro porque o atrito da roda de ferro com o
carril de ferro é menor do que o atrito da roda de borracha com o asfalto. Mas
isso que importa, se é de respeitar o princípio de quem detém o poder em Fadópoles,
que a política se sobrepõe aos pareceres técnicos.
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