Como antigo técnico do metropolitano
de Lisboa, devo ao seu presidente, eng.Vitor Domingues, um agradecimento pelas
já demonstradas dedicação ao
metropolitano e vontade que ele se desenvolva e sirva melhor a população
da área metropolitana de Lisboa. Não posso dizer o mesmo de alguns dos seus
antecessores, que se empenharam em fazer mal à empresa e portanto, aos seus
passageiros, efetivos ou potenciais. Ele conhece as minhas discordâncias sobre
muitas das estratégias seguidas como presidente que tem de satisfazer as
orientações da tutela, e por isso espero que acredite que o que escrevi é
sincero. Posso também discordar sobre a forma de utilização dos recursos
humanos disponíveis. Tenho a honra de ter coordenado o trabalho de muitos dos
atuais técnicos no metropolitano, encontrando-se nos arquivos do metropolitano as
provas de como as coisas se fizeram para pôr em funcionamento algumas dezenas
de quilómetros de novas linhas graças ao trabalho desses técnicos. Sem nunca
ter tido responsabilidades nas áreas de projeto e construção civil da
FERCONSULT, sinto-me também honrado por a colaboração tida com esses colegas
ter sido sempre aberta e leal. Recordo inúmeras vezes em que me ouviram e
atenderam os pormenores de operação e manutenção do metropolitano. Nenhum
projetista é obrigado a saber tudo, e quem faz um projeto deve informar-se das
especificidades do “negócio” do cliente. Mesmo quando a FERCONSULT procurava
trabalho no exterior também eram ouvidos os meus pareceres sobre questões de
operação e de manutenção. Choca-me por isso alguns dos técnicos da FERCONSULT
não me darem agora ouvidos sobre a linha circular.
Não posso portanto concordar com tudo
o que o senhor presidente diz na sua entrevista. É verdade que o plano de 2009
da senhora secretária de Estado dos transportes que inclui a linha circular foi
aprovado em assembleia de municípios, mas sem discussão pública nem pareceres
técnicos, aliás em plena campanha eleitoral. A atribuição da prioridade à linha
circular foi uma decisão interna do metro validada pelo governo em 2016, também
sem consulta pública. Caso interessante, a estação Estrela estava, no plano de
2009, no prolongamento da linha vermelha, isto é, é difícil justificar este
projeto da linha circular com o plano de 2009, porque o plano de 2009 tinha a
estação Estrela na linha vermelha.
Desde 2009 que divulgo documentos com
os argumentos contrários. Não por ser uma linha circular (apesar dos
inconvenientes em si duma linha circular que aliás levaram a, no mesmo ano de
2009, o metro de Londres ter transformado a sua linha circular numa linha em
laço), mas por o plano de 2009 se afastar do plano anterior existente no
metropolitano que privilegiava a extensão a Alcantara para correspondência com
a linha de Cascais e alivio do interface de Cais do Sodré.
Não posso portanto concordar com o
senhor presidente quando diz que não havia plano antes de 2009. E aproveito
para corrigir outra afirmação, que o Cais do Sodré acolhe os barcos do
Barreiro. Não, atualmente a carreira do
Barreiro dirige-se ao Terreiro do Paço. É verdade que em qualquer altura pode
ser desviada para o Cais do Sodré, mas também para Alcantara… Também não posso concordar
com o senhor presidente quando por um lado defende, como eu aliás, a
descarbonização através do desenvolvimento do transporte coletivo, mas por
outro lado justifica a linha circular com a correspondência com os barcos no
interface do Cais do Sodré. Barcos esses movidos por combustíveis fósseis,
quando a linha da FERTAGUS já serve a zona de serviços da Avenida da República,
consumindo energia elétrica maioritariamente de origem renovável…
Quanto aos “estudos” que dão a primazia
à opção da linha circular, convém recordar que nunca foram tornados públicos,
apesar de publicamente isso ter sido pedido, mas também não vale a pena; eles
compararam a linha circular com a extensão da linha vermelha a Campo de Ourique
apenas, isto é, comparou-se o que não era comparável para justificar o que se
queria (reconheço que a indefinição urbanística sobre Alcantara é muito
grande). E sobre a comparação da linha circular com as duas linhas independentes,
a amarela e a verde, que deu uma vantagem de 3 milhões de passageiros por ano à
linha circular, pode dizer-se que isso são 9 mil passageiros por dia, que está na
margem de erro da previsão, que representa cerca de 1,77% dos passageiros
transportados em 2018 e que sem expansão nenhuma da rede os passageiros
aumentaram 7,7 milhões de 2017 para 2018 (crescimento de 4,77%) e, conforme a
entrevista, aumentaram em 2019 8% devido
à redução do preço dos passes.
Não posso portanto concordar com o
senhor presidente quando baseia a decisão da expansão em tais “estudos”.
Mas felicito o senhor presidente pela
forma simples e direta como “desmontou” a questão do “buraco” dos 3 mil milhões
de euros. Aos anos que nós no metro reivindicávamos que os investimentos para a
construção do metro correspondiam a dívida pública; que pela parte operacional respondíamos
nós, esforçando-nos por que a taxa de cobertura das despesas operacionais pelas
receitas se aproximasse da unidade e, tal como previsto no contrato de serviço
público, que é mais uma razão para felicitar o senhor presidente pela sua
próxima entrada em vigor, que nas receitas operacionais se contabilize as
indemnizações compensatórias pela prestação do referido serviço público.
Neste contexto de aumento de
passageiros por redução dos passes e regulação do contrato de serviço público, sinto
que devo contrariar um pouco o otimismo da entrevista e o aplauso geral. Se,
conforme a entrevista, a subida dos passageiros foi de 8% e a da receita de 2%,
então o prejuízo operacional (nº de passageiros x diferença entre o custo por
passageiro-km e a receita por passageiro-km) terá subido 2%, caso se mantenha a
taxa de cobertura da despesa pela receita operacional e se não me enganei nas
contas. Isto é, para subsidiarmos os passageiros (com o aspeto antipático de o
fazermos igualmente para passageiros de grandes e pequenos rendimentos) aumentamos
o défice tarifário ou prejuízo operacional. Poderá nos próximos tempos não ser
significativo, mas a acumulação sucessiva será grave.
Finalmente, não posso deixar de notar
a preocupação das senhoras entrevistadoras em evitar falar da oposição
crescente à linha circular. Apenas referiram ao de leve a petição da câmara de
Loures, nem sequer referiram a resolução da Assembleia da República que
recomenda ao governo para suspender a linha circular e rever o plano de expansão.
Foi pena, foi uma fuga à realidade. A votação daquela resolução foi muito clara,
mas de facto não é vinculativa. Vamos ter de esperar para ver se o próximo
executivo a respeita, numa altura em que se aguarda para fins de 2019 a entrega das
propostas para os toscos da ligação Rato-Cais do Sodré.
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