Nos meios de comunicação social aparecem agora numerosos artigos sobre a correlação disseminação do virus-pobreza, ou disseminação do virus-condições de habitação. E é dado destaque às componentes tipo de mobilidade (transporte coletivo) e tipo de habitação (bairros da periferia sem condições).
- De uma carta ao diretor do Publico, enviada por Carlos Anjos, engenheiro eletrotécnico, com notável percurso profissional na CP/REFER, destaco: "... as razões (para os valores elevados de infectados pelo novo coronavirus na região da Grande Lisboa) são fundamentalmente sociais. O trabalho precário que obriga a deslocações ao trabalho... porque de fome morre-se de certeza, as condições de habitação e as condições de transporte ... nestas últimas tem particular gravidade a camionagem , onde é dificil manter distancias convenientes entre os passageiros. E a única zona da Grande Lisboa sem comboio ou metro é Loures. Talvez seja uma boa altura para que o Governo reveja a inútil linha circulsr do metro e utilize o dinheiro na linha para Loures. Era um passo para atenuar os efeitos de futuras pandemias e um serviço que se prestava a Loures."
- De uma excelente reportagem do Publico (ver https://www.publico.pt/2020/06/29/local/reportagem/querem-pais-ande-frente-apostado-transportes-publicos-1922320?utm_source=notifications&utm_medium=web&utm_campaign=1922320 a ) refiro o desabafo de passageiros que em hora de ponta chegam a esperar até 12 minutos por que apareça o comboio na estação de Odivelas e assim se queixam da falta de comboios (e de maquinistas, acescento eu, independentemente do período ser de férias, como há muito reclamam as organizações de trabalhadores). Mas a reportagem tambem acrescenta que às 7.30 da manhã, com intervalos de 7 minutos em Odivelas, não havia sobrelotação.
Conforme referido pelo diretor de segurança do metro, a hora de ponta antecipou-se (referido na reportagem que às 5.30 o comboio da Fertagus, para Sete Rios, Entrecampos e Roma, vem cheio) e neste momento haverá cerca de 200 mil passageiros por dia no metro, ou 36% relativamente ao anterior. Tambem foi sugerido desenvolver a desfasagem ou desencontro de horários, mas isso exige coordenação geral que transcende o metro (mas não a AML nem a tutela). Eu acrescentaria a redução do numero de horas de trabalho, mas lá caimos na discussão da produtividade porque isso equivaleria a valorizar o preço da hora de trabalho.
Destaco o desabafo de uma passageira: ". “Se querem que o país ande para a frente, deviam ter apostado mais nos transportes. Se as pessoas voltarem todas ao trabalho, não sei como vai ser.”
É isso, investir no transporte ferroviário, o que diz a própria Comissão Europeia, a propósito do plano de "Green deal" e do plano de recuperação pós pandemia. Mas é pouca a esperança de que seja bem interpretada pelos decisores, apesar da ideia de, aproveitando os juros baixos, poder ser esta uma oportunidade para investimento público ( ver
Quanto à questão da lotação máxima de 2/3, consideremos um autocarro com 50 lugares sentados e sem lugares de pé. 2/3 serão 33 passageiros, ou 5 passageiros em duas linhas de 4 lugares cada. Será talvez mais fácil fixar a lotação em 1/2, com o prejuízo que isso implica, isto é, não ter 2 pessoas sentadas lado a lado. No caso dos autocarros, o ar condicionado poderá não ser uma boa solução. No caso de não se fazer uma desinfeção sistemática do sistema de ar condicionado, será preferivel a abertura de pequenas janelas, o que só será suportável limitando a lotação a metade.
No caso do metro, a lotação de uma carruagem com ocupação média em pé de 4 passageiros/m2 é de cerca de 140 incluindo os 40 lugares sentados (taxa média de ocupação ao longo do dia antes da pandemia : cerca de 26% ~36 passageiros/carruagem). Considerando a ocupação de metade dos lugares sentados, i.é, 20, ter-se-á para 4 passageiros/m2 um total de 128; para 3 pass/m2 um total de 101; para 2 pass/m2 um total de 74 e para 1 pass/m2 (distancia média entre passageiros cerca de 1 m) teremos um total de 47 passageiros por carruagem. Será talvez este o limite, cerca de 50 por carruagem, a considerar nos próximos tempos em vez de aplicar a regra geral dos 2/3, obrigando a lançar o máximo possivel de composições na hora de ponta e esperando das instituições o desfasamento de horários.
- Artigo de João Miguel Tavares no Publico de 27 de junho de 2020 :
Citando:
"Os surtos que supostamente nasciam nas festas de betinhos desgovernados, afinal pegaram de estaca nos bairros pobres, na construção civil, nos transportes suburbanos lotados; nos meios onde o gel desinfectante é um luxo e o distanciamento social uma miragem. O problema é estrutural, não é individual. Os mapas portugueses da covid-19 são hoje os mapas da pobreza, o que não é mais do que a evidência daquilo que sabemos há muito: a pandemia é profundamente desigual e o confinamento Netflix será sempre um privilégio burguês."
- Sobre a desigualdade patente face à pandemia, um lúcido artigo de Paulo Pedroso:
Citando:
"Mas rapidamente percebemos que a propagação seguia a desigualdade socioeconómica no país. O estudo sobre as desigualdades da Escola Nacional de Saúde Pública não podia ser mais claro, está divulgado desde antes da abertura que começámos a ensaiar em junho e cito: “A precariedade no trabalho, remuneração desadequada face ao custo de vida e a dificuldade de acesso a apoios sociais podem impedir que as pessoas se resguardem mais nas suas habitações, para se protegerem do vírus. Trabalhos que não podem ser realizados à distância (teletrabalho), ou a necessidade de continuar a fazer pequenos trabalhos para garantir a subsistência a curto prazo, sujeitam as pessoas a uma maior exposição à infeção. Este facto é confirmado pela análise do número de casos por concelho em Portugal (...), onde se verifica que os concelhos com menor taxa de desemprego, maior média de rendimento e menor desigualdade de rendimento (medida pelo índice de Gini) são também os locais onde existe menor número acumulado de casos.”"
Antes da pandemia, muitos de nós defendemos sem sucesso o investimento no transporte publico urbano ferroviário, quer na manutenção em boas condições do existente, quer no planeamento e construção de novas linhas. Foi fundamentada a nossa posição na melhor eficiencia energética do transporte ferroviário no transporte de massas.Mas houve os cortes nos orçamentos e houve as cativações.E o hábito tem muita força, e a camionagem domina, porque os custos de investimento e de manutenção são mais baixos.
O interface do Campo Grande do metropolitano é um exemplo pela negativa. De lá irradiam carreiras rodoviárias para o eixo Torres Vedras/Ericeira/Mafra-Loures-Campo Grande; ou para a zona de Sacavem-Povoa de Santa Iria. Quando o correto seria desviar o interface para a periferia para evitar o desperdicio. da circulação rodoviária no interior da cidade. Mas não, decorrem obras no Campo Grande para deslocação do terminal rodoviário para poente da estação, libertando espaço para mais um bloco adjacente à estação.
Eis que se agrava a pandemia na região de Lisboa. O mapa das 19 freguesias em que prevalece a pandemia mostra o contraste com as freguesias de melhor rendimento per capita:
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A oferta da camionagem suburbana baixou mas os seus operadores prometem subi-la depois do anúncio de quase 100 milhóes de euros de subsidio (para todo o país).
Mas ficou na opinião publica o facto de que a camionagem é uma solução mais fácil, mas menos eficiente, numa altura em que é geralmente aceite o combate á poluição e às alterações climáticas.
Entretanto foi concedido o visto do tribunal de contas à contratação do 1º lote da linha circular do metropolitano, Rato-Santos.
Tal como comentado no processo de consulta da linha circular, esta contrariou o PROTAML que apelava à consideração de ações de ordenamento do território com mais de 10 km de influencia. Ora, esta linha circular tem a particularidade de ter uma distancia de 600 a 900 m entre troços opostos, um diametro máximo de 6,3 km e um comprimento total de 16 km . Uma linha circular metropolitana em Lisboa deveria ser o que já foi proposto e recusado, uma circular externa de Algés a Loures e Sacavem , visando no futuro 2 travessias do Tejo e o fecho pela margem sul. Mas o governo insiste na pequena linha circular.
Por outras palavras, antes da pandemia os técnicos propuseram soluções técnicas de dimensão metropolitana e de natureza ferroviária. Os decisores preferiram os cortes e as cativações, apesar de cofinanciamentos comunitários de 85% . Assiste-se hoje ao reconhecimento das vantagens das soluções ferroviárias, mas o governo insiste em desobedecer à lei do orçamento, estribado no comentário do Presidente da República que o art 282 da lei 2/2020 era uma recomendação (!?) e agora no visto do tribunal de contas. Estamos em plena ignorancia do artigo 165 alinea z) da Constituição: "é competencia da Assembleia da Republica legislar sobre as bases do ordenamento do território e do urbanismo". Dir-se-á que uma rede de transportes duma área metropolitana faz parte das bases do urbanismo, não é competencia do governo, a menos que haja delegação ou declaração de colaboração.
Retomando o tema da pandemia, assiste-se à publicação de "estudos" sobre as condições de propagação nos espaços fechados dos transportes coletivos. Muitos infeciologistas reconhecem que se sabe pouco sobre os mecanismos de contágio e que os estudos se baseiam na observação estatística ou nas imagens das partículas e micropartículas em suspensão no ar e na relação com a velocidade do ar nos compartimentos fechados. (https://www.publico.pt/2020/07/07/ciencia/noticia/espacos-fechados-aerossois-coronavirus-podem-viajar-dezenas-metros-1923498 )
Tentemos então uma reflexão aplicável ao metropolitano, com a reserva de não dispor de certezas mas gostar de ver estes pormenores debatidos por infeciologistas, e naturalmente pelos especialistas de ventilação:
1 - parecendo certo que a exposição ao contágio será maior em ambientes fechados em que o ar circula a baixa velocidade, deverá a ventilação no interior do compartimento das carruagens estar pelo menos na velocidade média.
2 - apesar de diversas vozes menorizarem a importancia do limite de 2/3 da lotação por motivo da pandemia (têm uma certa razão, mas o correto seria aumentar o numero de veículos em circulação, coisa que não parece possível considerando as limitações) julgo que, para além de definr um esquema de ocupação de lugares como referido acima, se pode estudar a colocação de paineis de policarbonato separando parcialmente os bancos dos corredores ou zonas de entrada das carruagens.
3 - a circulação forçada do ar parecerá dever ser no sentido de cima para baixo, afastando-se de nariz e boca das pessoas. Mas atualmente a saída do ar dos compartimentos só é feita com a abertura das portas nas estações, eventualmente contrariada pela pressão do ar admitido pelos ventiladores das estações. A considerar então a hipótese de praticar furos nas paredes junto do pavimento para saída do ar, o qual deverá ser constantemente renovado (retomar a prática de inverter com as portas abertas o que implica vigilancia). A incluir estas especificações no novo material circulante em processo de aquisição. Conviria ainda estudar a questão do ar condicionado na cabina do maquinista, sabendo-se que o ar frio, eventualmente não renovado, é favorável aos virus.
4 - A considerar a disseminação de desinfetantes não agressivos para os passageiros pelo sistema de ventilação e a instalação de lampadas germicidas de ultra violeta no teto das carruagens (avaliar o grau de toxicidade, o tempo de desinfeção e o tempo de ligação dos ultra violetas)
5 - O ar no interior das carruagens é tomado pela composição das galerias e das estações. O ar das estações é tomado da superfície (as tomadas de ar das estações deverão estar pelo menos a 2 m de altura relativamente à cota da superficie e a velocidade dos ventiladores deverá ser pelo menos média). Avaliar tambem a desinfeção por ventilação e a instalação de lampadas de ultravioletas. Nas estações em que o ar é injetado na estação ao nivel do pavimento (exemplo Baixa Chiado e Rato) considerar a instalação de ventiladores axiais junto do teto
6 - o ar nas galerias é arrastado para os ventiladores de meio troço que deverão estar pelo menos na velocidade média e cujas grelhas de saída tambem deveráo estar pelo menos a 2 m de altura relativamente à superficie. A avaliar tambem a desinfeção por ventilação.
7 - nos meios troços com ventiladores de potencia menor, avaliar a hipótese de instalação de ventiladores axiais no teto das galerias
PS m 22 de julho de 2020 - Sobre as declarações do ministro Pedro Nuno Santos de que Portugal é dos poucos paises que impõe a restrição de 2/3 à lotação dos TC, mais uma vez refiro que a resposta correta seria aumentar o numero de unidades em linha (isto é, aumentando a frequencia e reduzindo o intervalo entre comboios), o que exige disponibilidade de material circulante e de maquinistas. Em janeiro de 2020 a informação dada pelo mesmo ministro era de que até ao fim de 2020 seriam recuperadas e colocadas na linha de Sintra 8 UQE (unidades quadruplas). Segundo a entrevista do presidente da CP, Nuno Freitas,
até julho foram reintroduzidas na linha de Sintra 3 UQE recuperadas e espera-se poder reintroduzir outras 3 para serviço na linha de Sintra e da Azambuja.
Prevê tambem Nuno Freitas o recrutamento de 17 técnicos para as oficinas de Campolide para duplicação dos turnos. Regista-se a lucidez do raciocinio mas teme-se que aqui haja dificuldades de cativações leoninas. Alguns ministros deviam ir para os ministérios de TC.
PS em 24 de julho de 2020 :
- registo com satisfação as medidas no metro de Lisboa referidas no artigo da Revista Cargo
- transcrevo também o ponto de vista da Railway Gazette sobre a redução do distanciamento de segurança nos comboios:
"With mask-wearing being made mandatory in more and more places, there
seems to be a growing feeling that a combination of masks, good ventilation and
regular cleaning could allow the social distancing guideline to be reduced to
1·5 m or 1 m, or even abolished. This would reinstate much needed capacity on
urban rail services."
PS em 29 de julho - a imprensa divulgou em 26 de julho as normas da Direção Geral de Saúde sobre a definição de exposição de risco de contágio em função das condições de ventilação, incluindo no interior dos meios de transportes:
Caro Santos e Silva
ResponderEliminarNo ML só temos ventilação forçada com 100º ar novo. Nestes períodos conturbados temos mantido a ventilação no seu valor máximo, bem como nas estações e galerias. Mas para as redes com AC em que a renovação só se faz em 30% não há necessidade de "praticar furos" ou introduzir luz ultravioleta que poderá ser prejudicial para os paszsageiros.
Permita-me falar de sistema que apresentei recentemente na UITP, tecnologia que não é nova (desenvolvida há mais de 40 anos) e que costuma ser designada por ionização bipolar por plasma frio.
Trata-se de nome complicado de tecnologia simples utilizada para purificação do ar, uma vez que elimina bactérias, alergogenes e recentemente verificou-se que inativa vírus, nomeadamente do tipo que enfrentamos. Se pretender poderei enviar-lhe relatório de testes efetuados em laboratório oficial espanhol. Para já junto site de um dos fabricantes desta tecnologia onde se explica a tecnologia: https://www.plasma-air.com/how-it-works.
Cumps,
AV
Muito obrigado pelo comentário e, especialmente, pela sugestão do Plasma-air. Não tendo conhecimentos para avaliar a sua eficácia, posso no entanto propor veementemente o estudo efetivo da sua aplicação, pelo menos numa fase experimental. Relativamente aos ultravioletas, seriam instalados na conduta, não em contacto com os passgeiros.
EliminarFiquei com a impressão de que atualmente a taxa de renovação nas carruagens é de 30%, o que me parce que deveria passar a ser 100%, isto é, sem retorno, o que justificaria as tais grelhas nas paredes das carruagens de modo a facilitar a circulação de cima para baixo independentemente da abertura de portas. Isto tambem sugere a instalação de paineis separadores dos corredores e dos átrios relativamente às zonas dos bancos (mais uma questão para o novo material circulante).
Entretanto, devo referir que não duvido da competencia dos colegas das infraestruturas e do material circulante da especialidade de ventilação, apenas reclamo o direito previsto na constituição de fazer sugestões e de ser informado sobre um assunto que é de interesse público (ver art.48.2 da CRP). Este direito constitucional é evidentemente incompatível com o fechamento ao exterior de estruturas hierárquicas assentes no respeito pelos decisores de cúpulas e de que os técnicos são as principais vítimas.
Sinceramente, parabens pela sua iniciativa na UITP e veja se consegue envolvê-los em ensaios reais para bem dos utilisadores do transporte ferroviário.