Email enviado à ADFERSIT depois da videoconferencia de 17 de junho de 2020:
https://14-congresso.adfersit.pt/videoconferencia-1-acesso-universal/
No seguimento da videoconferencia de 17 de junho venho felicitar-vos e à ADFERSIT pela pertinente iniciativa e pela qualidade dos oradores e das suas intervenções. Foi uma excelente abertura do ciclo de videoconferências.
Gostaria de comentar alguns pontos das intervenções.
1 - interdependencia mobilidade-urbanismo - trata-se de uma ligação essencial, há muitos anos destacada pela UITP e exemplificada pela negativa pela deslocalização da ANSR. Até certo ponto, foi isso que aconteceu com o desenvolvimento da urbanização da Expo, a desertificação da Baixa.
2 - a desertificação de Lisboa -Para combater a desertificação de Lisboa, mantendo ao mesmo tempo o nivel populacional da AML, para não afetar mais o interior , é necessário deslocar população dos suburbios para a cidade, libertando alojamentos para população carenciada. Mas para isso é necessária uma politica agressiva de reabilitação urbana em Lisboa (recordo as normas antissismicas) . Cruzando o declinio populacional de Lisboa com o crescimento da quota do transporte individual eu diria que se aumentarmos a população de Lisboa de 500.000 para 600.000 habitantes teremos uma quebra no TI de 10%. Será apenas um exemplo do que o ordenamento do território correto pode fazer. Notar que um aumento de 100.000 habitantes corresponde à reabilitação de 30.000 habitações e infraestruturas complementares como estacionamento.
exemplo de falta de planeamento, desordenamento urbanistico e do território, e dependencia do automóvel (fonte: Publico 22jun2020) |
3 -Financiamento - Como muito bem afirmado, daquela ligação decorre que a mobilidade é um bem que deve beneficiar da politica fiscal (já cá se pratica o financiamento com o fundo ambiental, mas as mais valias dos projetos imobiliários de que o metro de Hong Komg é exemplar - ou até o ISP não são devidamente canalizados para a mobilidade).Este problema reflete a desestruturação da AML, desertificação de Lisboa, deslocação da população para os suburbios, e a fatal sobrecarga das vias rápidas. Neste sentido, parece condenável a politica urbanistica de Oeiras, desviando habitantes motorizados e sedes de empresas de Lisboa para o seu concelho, ao mesmo tempo que aprova planos de urbanização ambientalmente agressores como nos casos da serra de Carnaxide e do Jamor e Cruz Quebrada. Feito o diagnóstico, penso que em próximas sessóes se terão de apresentar soluções concretas alicerçadas, como tambem muito bem assinalado, na tecnologia clássica e na tecnologia mais recente
4 - as soluções concretas terão de passar pelo transporte público, parecendo, como afirmado , exageradas as noticias da morte do TP e pelos novos modos geridos pela teleinformática. Recordo que as soluções clássicas de transporte de massas por razões de eficiencia energética, são ferroviárias. Apesar da eletrificação dos autocarros diminuir a poluição (se a eletricidade for produzida de fontes renováveis) , o consumo especifico de energia por passageiro-km é inferior ao equivalente ferroviário devido ao maior coeficiente de resistencia ao rolamento do pneu com o asfalto , alem do problema do congestionamento. Paradoxalmente, o congestionamento é também um problema no caso do modo suave bicicleta. Se quisermos transportar 100 pessoas de bicicleta numa via de 6 m de largura a 20 km/h, para garantirmos um intervalo de segurança de 2 segundos entre ciclistas, teremos uma ocupação de 200 m de rua. Isto é, nos percursos estruturantes precisamos de um modo pesado subterraneo ou em viaduto. Curiosamente, para evitar o congestionamento nas deslocações pedonais (a mesma rua de 6 m de largura será ocupada numa extensão de 50 m por 100 peões deslocando-se a uma velocidade de 3,6 km/h, separados tambem por um intervalo de segurança de 2 segundos para evitar colisões) , deverá pensar-se em passadiços sobrelevados para peões, embora reconheça grande oposição pelo impacto visual
5 - problema dos vários modos num percurso - como falado na videoconferencia, mesmo aceitando um modo pesado como estruturante (backbone - i.é, no planeamento de uma rede urbana em zona desestruturada, em vez de se aumenater a oferta na zona de maior procura deveria estimular-se a oferta nas zonas de menor procura ao mesmo tempo que se tenta aumentar esta pela melhoria da habitação ou instalação de polos de emprego) , para evitar o recurso ao TI sobram os dois problemas: a "first mile" e a "last mile". A solução para a primeira, em urbanizações de população dispersa (moradias com quintal), dependentes do TI como por exemplo Ramada, Famões (concelho de Odivelas) ou Casal de Cambra (concelho de Sintra) ou Barcarena (concelho de Oeiras), será preferencialmente o TI, enquanto na segunda será preferencialmente os modos complementares de apoio teleinformático. Por modos complementares entendo cabinas autónomas de funcionamento a pedido em sitio próprio, não necessariamente segregado, para alem das clássicas linhas de elétrico ou de mini-autocarro, e das frotas de car sharing ou car rent e bike rent. Será interessante referir , a propósito do exemplo "montanhoso" dado para Coimbra, em que aliás existe um importante elevador público, nada impedindo que se aumente o seu número, que em cidades acidentadas um dos modos ligeiros complementares dos modos pesados, e de grande utilidade, é o teleférico. Temos bons exemplos no Funchal e na Madeira, em Vila Nova de Gaia, em Guimarães e, em maior, em Medellin, Colombia (4 linhas, 13 estações, 10,7 km), Bogotá e Caracas. As cabinas autónomas em percursos em sítio próprio, controladas em posto central de comando e com possibilidade de requisição do serviço à distância (por smartphone ou em consolas de ativação por cartão com chip), poderão, se elaborado um plano consistente e com mecanismos de vigilância eficazes, ser uma boa solução complementar dos eixos pesados, com vias dedicadas (vias unicas do tipo ciclovia) segregadas do tráfego automóvel e com prioridade em semáforos em cruzamnetos). Qualquer teste de pequena dimensão não permitirá tirar conclusões.
6 - O problema atual da necessidade de preparação da contribuição da mobilidade para os planos de recuperação pós pandemia e para o plano de descarbonização "green deal", para podermos garantir cofinanciamento - Numa altura em que as competências do planeamento dos sistemas de transporte foram maioritariamente delegadas na AML, penso que, até para aproveitamento do quadro comunitário 2021-2027, o tempo urge para o estudo e definição de um plano progressivo de expansão das redes urbanas que, para redução do peso do TI, serão eventualmente de tipo ferroviário por razões ambientais e energéticas. Desejar-se-ia assim assistir a um debate alargado com discussão dos melhores traçados, dos modos e das políticas de habitação e ordenamento do território, ao arrepio do que tem sido feito por exemplo com a expansão da rede do metropolitano, sem consideração do parecer dos cidadãos e das decisões da AR.
7 - disposições constitucionais - Neste sentido, que aliás foi citado na videoconferência ao afirmar-se a mobilidade como um direito, gostaria de citar, em defesa da promoção desse debate público informado, as seguintes disposições constitucionais:
art.65º.2 - "incumbe ao Estado executar uma política de habitação ... apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes"
art.65º.5 - "é garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos do planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território"
art.165º.1.z - "é da exclusiva competência da AR legislar sobre ... as bases do ordenamento do território e do urbanismo"
e considerando que compete ao Governo executar,
art.162º.a - "compete à AR, no exercício de funções de fiscalização ... apreciar os atos do Governo e da Administração"
PS - 8 - a acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida - o desprezo da maior parte das empresas, publicas ou privadas, pelo cumprimento da lei e das diretivas europeias sobre a mobilidade das pessoas com limitações é chocante. Há alguns exemplos dignos, nos autocarros de algumas empresas, no comportamento correto dos seus motoristas, em muitas estações da CP. Mas os maus exemplos são muitos, nomeadamente no metropolitano de Lisboa. Era importante aproveitar algumas verbas do orçamento de Estado para ir corrigindo isto. Não é aceitável que utilizadores de cadeiras de rodas não possam aceder ao metropolitano, embora possam fazer um percurso independente do comboio da CP até à rua, em Sete Rios e em Entrecampos, por exemplo. Também o interface de Campo Grande não está preparado para pessoas com mobilidade reduzida. É falta de vontade, há financiamento comunitário para isto. Mas nem se fazem os projetos de adaptação das estações.
PS - 9 - os perfis geográficos e a mobilidade - ver https://www.publico.pt/2020/06/12/sociedade/noticia/marcas-pandemia-afectam-pais-fragil-robusto-1920257
Trata-se de um ensaio de relacionamento entre a pandemia covid19 e os perfis geográficos de Portugal:
Curiosamente, poderá aproveitar-se a diversidade de cores carateristica dos perfis para tentar traçar percursos para dinamização do interior através da mobilidade, ligando cores semelhantes e cores mais afastadas. Provavelmente "cair-se-ia" no plano nacional de autoestradas, mas não é concebível a localização de industrias no interior sem uma sólida e energeticamente eficiente rede de transportes coletivos que garantam, pelo menos, a habitação a menos de 50 km do emprego. Sem considerar as ligações transfronteiriças teriamos assim a interligação afastada do litoral das cores mais escuras no sentido vertical e da irradiação das cores do litoral para o interior através de linhas horizontais. É essa a estrutura dos esquemas das redes "core"(2030) e "comprehensive"(2050) dos acordos da CE com Portugal para a ferrovia.
PS - 10 - estratégias para Lisboa - para além da estratégia principal para Lisboa através da integração na AML e do repovoamento da cidade e reordenamento da instalação de atividades secundárias e terciárias, com os objetivos de melhoria da mobilidade global com redução do consumo de energia e de emissões com efeito de estufa, pequenas estratégias poderão contribuir para isso:
- parques de estacionamento à entrada da cidade do tipo park and ride, com correspondencia com o metropolitano, outros meios ligeiros e outros complementares
- introdução de portagens para o TI
- vias dedicadas para cabinas autónomas de sentido unico por artéria
- generalização à maioria das artérias do sentido unico e interdição de viragem à esquerda para o transito automóvel, reduzindo assim os pontos de conflito
- redução dos lugares de estacionamento à superficie através da construção de auto silos e parques subterraneos
PS - 11 - georeferenciação por smartphone - aproveitando o desenvolvimento de programas de referenciação por smartphone, deverá, tal como referido na videoconferencia a propósito da região de Madrid, aplicar-se estes programas ao estudo das deslocações origem- destino , à adaptação da curva de oferta e procura, e ao estudo de novos traçados. Poderá encara-se a dispensa dos torniquetes, de que um dos argumentos era precisamente a facilidade de determinação dos pares origem-destino.
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