segunda-feira, 26 de julho de 2021

Reflexões sobre mobilidade urbana - mensagem enviada aos deputados municipais como contributo para o próximo período eleitoral

 

 

Caro candidato(a)

 

 

Resumo: Deixa-se à consideração dos candidatos e candidatas às autárquicas da área metropolitana de Lisboa, algumas reflexões sobre mobilidade, incluindo os modos suaves, e a sua relação com o urbanismo. Analisa-se a questão da sinistralidade e como reduzir a quota do transporte individual, incluindo recurso a modos autónomos “a pedido”. Finalmente, propõe-se que, no caso da linha circular do metro, ao menos se prescinda do 3º lote (viadutos de Campo Grande e se transforme a linha em laço, a exemplo de Londres. Sugere-se também o aumento para 100m da distância da obra ao edificado a monitorizar durante as obras na colina da Estrela.

 

 

 

Mobilidade urbana - Vivemos um tempo em que se discute animadamente em webinars a mobilidade urbana. Sem dúvida que essa discussão tem impacto na perceção dos cidadãos e cidadãs no momento em que decidem as suas escolhas nas eleições.

Quando se fala em mobilidade, fala-se também nos modos suaves, na partilha dos modos, na sua conetividade, na sua eletrificação, na sua partilha, na segurança, eficiência e rapidez, e ainda na associação íntima com o urbanismo e a organização do território. Matérias para preencher horas e horas de webinars e, admita-se, programas e programas eleitorais para as autárquicas.

Seja perdoada a um velho técnico de transportes, reformado do metropolitano, a pretensão de que desde há muitos anos eram essas as preocupações de quem trabalhava no setor. Só que a tecnologia ainda não tinha disponibilizado as baterias de lítio, nem as altas velocidades e capacidades de transmissão e processamento de dados.

Dir-se-ía que com os meios agora disponíveis seria fácil erguer soluções que concitassem o aplauso de todos.

Infelizmente não parece ser assim, e as belas palavras que se ouvem nos webinars, será deficiente entendimento meu, mas aparentam não conseguir ultrapassar essa condição, de serem apenas belas palavras.

Vemos e ouvimos na comunicação social autarcas e vereadores da mobilidade apresentando soluções estudadas na intimidade dos gabinetes das câmaras como factos consumados, sem um debate prévio com os munícipes, e insistindo que são as melhores soluções.

É assim com o avanço das ciclovias, insensível aos casos pontuais de agravamento do congestionamento do tráfego automóvel, ou de risco para a segurança dos peões ou dos próprios ciclistas, rejeitando quaisquer críticas, em defesa do ideal dos modos suaves. Não é possível garantir a segurança de peões que têm de atravessar uma ciclovia de 2 sentidos seguida de faixas de rodagem de dois sentidos, ou a segurança dos ciclistas em ciclovias de dois sentidos paralelas a faixas de rodagem automóvel de dois sentidos e atravessadas por faixas de rodagem também de dois sentidos, com a agravante de nos cruzamentos existirem arbustos que reduzem a visibilidade.

Sinistralidade - Para reduzir a sinistralidade será indispensável a publicação rigorosa da estatística de acidentes, com a discriminação do tipo de veículo de duas rodas, com a investigação das causas do acidente e com  indicação expressa do total de deslocações de bicicleta em km (ou pessoas-km, ou passageiros-km,  para obter o indicador normalizado número de fatalidades por milhar de milhão de passageiros-km para comparação com os outros modos de transporte). Como isso não é feito, estamos a querer impor a generalização das ciclovias à custa do sacrifício de alguns ciclistas, que com a divulgação das estatísticas e dos relatórios dos acidentes ficariam mais informados sobre os riscos reais.

Para além da divulgação de estatísticas consistentes, é indispensável, para redução da sinistralidade, uma campanha publicitária envolvendo todos os meios de comunicação social promovendo o cumprimento rigoroso do Código da Estrada, nomeadamente o cumprimento dos limites de velocidade nas artérias de partilha de modos diferentes, de respeito pelos semáforos, sinais de sentido único, passadeiras de peões e passeios, e uso de capacete de segurança.  Não será curial proibir a publicidade de automóveis de grande potência em excesso de velocidade nem anúncios oficiais dizendo que a bicicleta é o meio mais seguro para uma criança ir para a escola, mas é justo que seja dada informação pública com o mesmo grau de impacto sobre os riscos dessa publicidade.

Uma autarquia que não cumpra estas duas condições, divulgação das estatísticas e promoção do Código da Estrada será, salvo melhor opinião, cúmplice das consequências.

As autarquias e a mobilidade - O grave problema do congestionamento e excesso de uso automóvel está relacionado com a deficiente cobertura da área metropolitana de Lisboa pelos transportes coletivos, nomeadamente o ferroviário pesado nos eixos origem-destino de maior procura. Nas cidades a falta de condições para o estacionamento contribui fortemente para o congestionamento e para limitar as ciclovias. É urgente um plano de construção de parques subterrâneos e de auto-silos. Igualmente deveria adotar-se o critério básico de que numa artéria só deverá haver um sentido de circulação, de modo a reduzir as interferências por mudança de direção.

Este não é um problema exclusivo de Lisboa. Qualquer autarquia da AML deve ponderar seriamente a questão da mobilidade em termos de estratégia de organização do território e de atualização do PROTAML, com uma visão integradora. Infelizmente não é isso que se verifica, assistindo-se a protocolos entre câmaras e a imposição de traçados  e de modos de transporte (LRT, BRT) sem debate público, sem harmonização com planos de urbanismo ou de instalação de unidades produtivas, e com deficientes propostas de articulação entre os modos de transporte. Lamentavelmente, o fator primordial é o da rentabilização imobiliária, privilegiando-se a ocupação dos solos sem reservar antes espaço canal para o transporte coletivo. Exemplo gravoso disso é a zona de Alcântara, que poderia ser um interface intermodal de transportes públicos, incluindo um novo nó desnivelado, mas em que predominam os projetos de imobiliário de luxo (gentrificação), relegando a estação de metro atualmente “em estudo” para Alcântara Terra, longe da estação de correspondência com a linha de Cascais, Alcântara Mar. Não se avança decididamente para a reabilitação habitacional (sugere-se o emparcelamento de números matriciais para melhoria da habitabilidade) e repovoamento da cidade de Lisboa; combater o excesso da quota de transporte individual é também combater a desertificação da cidade de Lisboa.

O transporte individual - Para abordar o grave problema da quota maioritária de transporte individual na AML, terá de se analisar a questão da “first mile” e da “last mile”. Considerando um percurso tipo composto por 3 troços:

 - casa-estação de comboio

 - percurso de comboio

 - estação de comboio-emprego,

verifica-se que não é suficiente um bom traçado de comboio para substituir o TI. Admitindo que a “first mile” corresponda predominantemente ao TI, a “last mile” necessita de ser dotada de modos complementares, que por razões económicas deverão ser automatizados e “self-service”, sem prejuízo, por razões de segurança, de monitorização por sala de controle central guarnecida. Será conveniente prever nas estações ou paragens o serviço de faixas transversais aos traçados dos modos pesados, da ordem de 2 km, por modos complementares como:

 

 - cabinas autónomas (autonomous shuttles) de guiamento por GNSS (global navigation satellite system) e requisitáveis de modo informático ou por consolas dedicadas,“a pedido”, em pistas tipo ciclovia com 4m de largura de utilização preferencial pelas cabinas e bicicletas (veículos de 1,6m de largura e 3,5m de comprimento; sublinha-se que, apesar das cabinas autónomas disporem de sensores de proximidade de peões, as vias de um só sentido são mais seguras para os peões); tecnologia mais simples, por cabo embebido no pavimento e ligação por indução eletromagnética ao veículo

 - frotas partilháveis “renting” de duas rodas e de automóveis elétricos em parques junto das estações

 - para distancias superiores a 2 km, os modos clássicos (autocarros e miniautocarros de horário pré-estabelecido, táxis)

 

Embora a natureza destas soluções permita atrativas intervenções em webinars e promessas de um futuro ambientalmente ideal, o seu estudo requer elevada experiência em mobilidade, colaboração interdisciplinar e capacidade de debate público à medida do avanço do projeto.

Linha circular do metropolitano - Retomando o tema da indiferença do XXII governo e da CML pela opinião dos cidadãos, recordo o caso da linha circular do metro e as inconformidades do EIA que serviu de base à sua aprovação, ao afirmar que satisfazia o PROTAML  de 2002. Trata-se de uma intervenção interna da cidade e não um serviço à AML. Recordo a falsidade de que as linhas independentes não permitem intervalos curtos quando anunciam um intervalo de 3 minutos e meio para a linha circular. Recordo a falsidade de que na rede atual são precisos dois transbordos para chegar à Avenida da República, quando basta um. Recordo a desigualdade de tratamento para os moradores de Odivelas e zona do Lumiar impondo-se-lhes um transbordo para evitarem o transbordo aos da linha de Cascais, quando o plano de 1974 previa a prioridade da expansão a Alcântara para correspondência com a linha de Cascais. Recordo a menor fiabilidade de uma linha circular em comparação com duas linhas equivalentes independentes.

Registo ainda as respostas da Provedoria da Justiça e do Tribunal de Contas rejeitando liminarmente as queixas de moradores em Odivelas e Lumiar, apresentadas ao Gabinete de Interesses Difusos e ao TdC  pelo incumprimento da lei 2/2020 que mandava suspender a construção da linha circular, dar prioridade à expansão para Loures e a parte ocidental de Lisboa, estudar um plano de mobilidade, equipar as estações em falta para pessoas com mobilidade reduzida.

Como aceitar que uma lei da Assembleia da República é ignorada pelo governo, pelo metropolitano, pela Provedora da Justiça e pelo Tribunal de Contas, quando a Constituição da República Portuguesa diz explicitamente no art. 165º.1.z - "... exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre...bases do ordenamento do território e do urbanismo"?

 

A linha em laço - No contexto atual, em pré campanha de autárquicas, se de todo em todo se insiste na ligação de metro entre Rato e Cais do Sodré, e se não se quiser adjudicar o estudo da expansão do metro e de um novo plano de mobilidade na AML por concurso público internacional, ao menos que se evite a agressão visual de mais viadutos no Campo Grande (lote 3), transformando a linha circular em linha em laço (à semelhança do que se fez em Londres em 2009 com a linha circular), e aumentando o limite de controle instrumental de assentamentos de 25 para 100 m no edificado junto do novo traçado na colina da Estrela.

 

Apelo assim a todos os candidatos às eleições autárquicas das câmaras da AML que considerem estes factos ao elaborarem e discutirem os seus programas.

 

 

 

Mais informação:

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/07/julho-de-2021-expansao-do-metropolitano.html

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