Caro candidato(a)
Resumo: Deixa-se à consideração dos candidatos e
candidatas às autárquicas da área metropolitana de Lisboa, algumas reflexões
sobre mobilidade, incluindo os modos suaves, e a sua relação com o urbanismo.
Analisa-se a questão da sinistralidade e como reduzir a quota do transporte
individual, incluindo recurso a modos autónomos “a pedido”. Finalmente,
propõe-se que, no caso da linha circular do metro, ao menos se prescinda do 3º
lote (viadutos de Campo Grande e se transforme a linha em laço, a exemplo de
Londres. Sugere-se também o aumento para 100m da distância da obra ao edificado
a monitorizar durante as obras na colina da Estrela.
Mobilidade urbana - Vivemos
um tempo em que se discute animadamente em webinars a mobilidade urbana. Sem
dúvida que essa discussão tem impacto na perceção dos cidadãos e cidadãs no
momento em que decidem as suas escolhas nas eleições.
Quando se fala em mobilidade,
fala-se também nos modos suaves, na partilha dos modos, na sua conetividade, na
sua eletrificação, na sua partilha, na segurança, eficiência e rapidez, e ainda
na associação íntima com o urbanismo e a organização do território. Matérias
para preencher horas e horas de webinars e, admita-se, programas e programas
eleitorais para as autárquicas.
Seja perdoada a um velho técnico
de transportes, reformado do metropolitano, a pretensão de que desde há muitos
anos eram essas as preocupações de quem trabalhava no setor. Só que a
tecnologia ainda não tinha disponibilizado as baterias de lítio, nem as altas
velocidades e capacidades de transmissão e processamento de dados.
Dir-se-ía que com os meios agora
disponíveis seria fácil erguer soluções que concitassem o aplauso de todos.
Infelizmente não parece ser
assim, e as belas palavras que se ouvem nos webinars, será deficiente
entendimento meu, mas aparentam não conseguir ultrapassar essa condição, de
serem apenas belas palavras.
Vemos e ouvimos na comunicação
social autarcas e vereadores da mobilidade apresentando soluções estudadas na
intimidade dos gabinetes das câmaras como factos consumados, sem um debate
prévio com os munícipes, e insistindo que são as melhores soluções.
É assim com o avanço das ciclovias,
insensível aos casos pontuais de agravamento do congestionamento do tráfego
automóvel, ou de risco para a segurança dos peões ou dos próprios ciclistas,
rejeitando quaisquer críticas, em defesa do ideal dos modos suaves. Não é
possível garantir a segurança de peões que têm de atravessar uma ciclovia de 2
sentidos seguida de faixas de rodagem de dois sentidos, ou a segurança dos
ciclistas em ciclovias de dois sentidos paralelas a faixas de rodagem automóvel
de dois sentidos e atravessadas por faixas de rodagem também de dois sentidos,
com a agravante de nos cruzamentos existirem arbustos que reduzem a
visibilidade.
Sinistralidade - Para
reduzir a sinistralidade será indispensável a publicação rigorosa da
estatística de acidentes, com a discriminação do tipo de veículo de duas rodas,
com a investigação das causas do acidente e com indicação expressa do total de deslocações de
bicicleta em km (ou pessoas-km, ou passageiros-km, para obter o indicador normalizado número de
fatalidades por milhar de milhão de passageiros-km para comparação com os
outros modos de transporte). Como isso não é feito, estamos a querer impor a
generalização das ciclovias à custa do sacrifício de alguns ciclistas, que com
a divulgação das estatísticas e dos relatórios dos acidentes ficariam mais
informados sobre os riscos reais.
Para além da divulgação de
estatísticas consistentes, é indispensável, para redução da sinistralidade, uma
campanha publicitária envolvendo todos os meios de comunicação social
promovendo o cumprimento rigoroso do Código da Estrada, nomeadamente o
cumprimento dos limites de velocidade nas artérias de partilha de modos
diferentes, de respeito pelos semáforos, sinais de sentido único, passadeiras
de peões e passeios, e uso de capacete de segurança. Não será curial proibir a publicidade de
automóveis de grande potência em excesso de velocidade nem anúncios oficiais
dizendo que a bicicleta é o meio mais seguro para uma criança ir para a escola,
mas é justo que seja dada informação pública com o mesmo grau de impacto sobre
os riscos dessa publicidade.
Uma autarquia que não cumpra
estas duas condições, divulgação das estatísticas e promoção do Código da
Estrada será, salvo melhor opinião, cúmplice das consequências.
As autarquias e a mobilidade -
O grave problema do congestionamento e excesso de uso automóvel está
relacionado com a deficiente cobertura da área metropolitana de Lisboa pelos
transportes coletivos, nomeadamente o ferroviário pesado nos eixos
origem-destino de maior procura. Nas cidades a falta de condições para o
estacionamento contribui fortemente para o congestionamento e para limitar as
ciclovias. É urgente um plano de construção de parques subterrâneos e de
auto-silos. Igualmente deveria adotar-se o critério básico de que numa artéria
só deverá haver um sentido de circulação, de modo a reduzir as interferências
por mudança de direção.
Este não é um problema exclusivo
de Lisboa. Qualquer autarquia da AML deve ponderar seriamente a questão da
mobilidade em termos de estratégia de organização do território e de
atualização do PROTAML, com uma visão integradora. Infelizmente não é isso que
se verifica, assistindo-se a protocolos entre câmaras e a imposição de
traçados e de modos de transporte (LRT,
BRT) sem debate público, sem harmonização com planos de urbanismo ou de instalação
de unidades produtivas, e com deficientes propostas de articulação entre os
modos de transporte. Lamentavelmente, o fator primordial é o da rentabilização
imobiliária, privilegiando-se a ocupação dos solos sem reservar antes espaço
canal para o transporte coletivo. Exemplo gravoso disso é a zona de Alcântara,
que poderia ser um interface intermodal de transportes públicos, incluindo um
novo nó desnivelado, mas em que predominam os projetos de imobiliário de luxo
(gentrificação), relegando a estação de metro atualmente “em estudo” para Alcântara
Terra, longe da estação de correspondência com a linha de Cascais, Alcântara
Mar. Não se avança decididamente para a reabilitação habitacional (sugere-se o
emparcelamento de números matriciais para melhoria da habitabilidade) e
repovoamento da cidade de Lisboa; combater o excesso da quota de transporte
individual é também combater a desertificação da cidade de Lisboa.
O transporte individual - Para abordar o grave problema da quota maioritária de
transporte individual na AML, terá de se analisar a questão da “first mile” e
da “last mile”. Considerando um percurso tipo composto por 3 troços:
- casa-estação
de comboio
- percurso de
comboio
- estação de
comboio-emprego,
verifica-se que não é suficiente um bom traçado de
comboio para substituir o TI. Admitindo que a “first mile” corresponda
predominantemente ao TI, a “last mile” necessita de ser dotada de modos
complementares, que por razões económicas deverão ser automatizados e
“self-service”, sem prejuízo, por razões de segurança, de monitorização por
sala de controle central guarnecida. Será conveniente prever nas estações ou
paragens o serviço de faixas transversais aos traçados dos modos pesados, da
ordem de 2 km, por modos complementares como:
- cabinas autónomas
(autonomous shuttles) de guiamento por GNSS (global navigation satellite
system) e requisitáveis de modo informático ou por consolas dedicadas,“a
pedido”, em pistas tipo ciclovia com 4m de largura de utilização preferencial
pelas cabinas e bicicletas (veículos de 1,6m de largura e 3,5m de comprimento;
sublinha-se que, apesar das cabinas autónomas disporem de sensores de
proximidade de peões, as vias de um só sentido são mais seguras para os peões);
tecnologia mais simples, por cabo embebido no pavimento e ligação por indução
eletromagnética ao veículo
- frotas
partilháveis “renting” de duas rodas e de automóveis elétricos em parques junto
das estações
- para
distancias superiores a 2 km, os modos clássicos (autocarros e miniautocarros
de horário pré-estabelecido, táxis)
Embora a natureza destas soluções
permita atrativas intervenções em webinars e promessas de um futuro
ambientalmente ideal, o seu estudo requer elevada experiência em mobilidade,
colaboração interdisciplinar e capacidade de debate público à medida do avanço
do projeto.
Linha circular do
metropolitano - Retomando o tema da indiferença do XXII governo e da CML
pela opinião dos cidadãos, recordo o caso da linha circular do metro e as
inconformidades do EIA que serviu de base à sua aprovação, ao afirmar que
satisfazia o PROTAML de 2002. Trata-se de uma intervenção interna da
cidade e não um serviço à AML. Recordo a falsidade de que as linhas
independentes não permitem intervalos curtos quando anunciam um intervalo de 3
minutos e meio para a linha circular. Recordo a falsidade de que na rede atual
são precisos dois transbordos para chegar à Avenida da República, quando basta
um. Recordo a desigualdade de tratamento para os moradores de Odivelas e zona
do Lumiar impondo-se-lhes um transbordo para evitarem o transbordo aos da linha
de Cascais, quando o plano de 1974 previa a prioridade da expansão a Alcântara
para correspondência com a linha de Cascais. Recordo a menor fiabilidade de uma
linha circular em comparação com duas linhas equivalentes independentes.
Registo ainda as respostas da Provedoria da Justiça e
do Tribunal de Contas rejeitando liminarmente as queixas de moradores em Odivelas
e Lumiar, apresentadas ao Gabinete de Interesses Difusos e ao TdC pelo
incumprimento da lei 2/2020 que mandava suspender a construção da linha
circular, dar prioridade à expansão para Loures e a parte ocidental de Lisboa,
estudar um plano de mobilidade, equipar as estações em falta para pessoas com
mobilidade reduzida.
Como aceitar que uma lei da Assembleia da República é
ignorada pelo governo, pelo metropolitano, pela Provedora da Justiça e pelo
Tribunal de Contas, quando a Constituição da República Portuguesa diz
explicitamente no art. 165º.1.z - "... exclusiva competência da Assembleia
da República legislar sobre...bases do ordenamento do território e do
urbanismo"?
A linha em laço - No contexto atual, em pré campanha de
autárquicas, se de todo em todo se insiste na ligação de metro entre Rato e
Cais do Sodré, e se não se quiser adjudicar o estudo da expansão do metro e de
um novo plano de mobilidade na AML por concurso público internacional, ao menos
que se evite a agressão visual de mais viadutos no Campo Grande (lote 3),
transformando a linha circular em linha em laço (à semelhança do que se fez em
Londres em 2009 com a linha circular), e aumentando o limite de controle
instrumental de assentamentos de 25 para 100 m no edificado junto do novo
traçado na colina da Estrela.
Apelo assim a todos os candidatos às
eleições autárquicas das câmaras da AML que considerem estes factos ao
elaborarem e discutirem os seus programas.
Mais
informação:
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/07/julho-de-2021-expansao-do-metropolitano.html
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