terça-feira, 26 de setembro de 2023

A mobilidade no futuro

 Ainda bem que temos seminários e outros eventos a explicar-nos, eternos ignorantes, como vai ser a mobilidade no futuro, com muita sustentabilidade, que meios de comunicação social, universidades e câmaras municipais se preocupam connosco:

https://www.portugalms.com/noticia/4965570205/uma-amostra-da-mobilidade-do-futuro-circulou-pela-praca-do-comercio/?eg_sub=71fe830fef&eg_cam=5c6983e16d0704b163c51b975cd92013&eg_list=185

Em 2014 a câmara de Lisboa promoveu uma série de encontros no antigo cinema Roma. Qualquer cidadão podia inscrever-se e apresentar as suas ideias  e propostas. Não seria a solução milagrosa do problema da mobilidade de Lisboa, mas foi uma iniciativa honesta, que infelizmente se ficou por ser apenas iniciativa. Os decisores e seus assessores da CML entenderam que as sugestões recolhidas pela sociedade civil eram apenas a confirmação do seu superior entendimento, seu deles. Provavelmente ter-se-ão baseado numa das leis fundamentais do tráfego, que num troço em que exista excesso de procura e se constroi um novo troço com capacidade para absorver esse excesso, a procura volta a subir e esgota a capacidade do novo troço. 

Provavelmente a CML, para esquecer as propostas, elegeu o tráfego automóvel como inimigo a abater e inverteu a lei: se reduzirmos a capacidade de um troço de capacidade já esgotada, a procura diminuirá e circular-se-á melhor. Foi assim que onde havia 3 vias de tráfego automóvel se reduziu para duas, e onde havia recortes para a paragem de autocarros elas foram eliminadas, para que os automóveis atrás se imobilizassem durante  a paragem dos autocarros (e depois dela).

A moda seguida acriticamente por várias câmaras dos superquarteirões veio reforçar o convencimento dos nossos decisores e seus assessores, de modo que não tenho esperanças de poder inverter essa tendencia, por mais evidencias que se reunam de que ao estabelecimento de zonas sem circulação automóvel com instalação de esplanadas e cafés, restaurantes e discotecas abertas durante a madrugada correspondem de forma direta o êxodo dos habitantes da zona e sua substituição por hoteis ou alojamentos locais de fundos imobiliários. Também a tendencia para defender a supremacia dos modos ativos esquece por vezes que a maioria das ciclovias foi projetada sem defender os elementos mais vulneráveis do que os ciclistas, os peões,  ou inviabilizando que um idoso seja transportado por automóvel até à porta de sua casa, mais uma vez contribuindo para que a população tenda a deslocar-se para os suburbios.

Recordo algumas sugestões de 2014: desenvolvimento dos planos de mobilidade urbana conforme as diretivas comunitárias, incluindo redes de transporte urbano e suburbano e ligação às redes interurbanas de alta velocidade e aeroportos - portagens automáticas à entrada do núcleo da cidade - eliminação dos sentidos duplos nas artérias de circulação automóvel e proibição de virar à esquerda - construção de auto-silos e parques subterrâneos de estacionamento para os residentes e uma fração de quem trabalhe na zona - proibição de estacionamento e de paragem de mais de 5 minutos - criação de percursos segregados de veículos autónomos requisitados "a pedido" por meios informáticos ou telefónicos. Ver as intervenções de 2014, infelizmente muito poucas desatualizadas, em:

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2014/05/mobilidade-urbana-em-lisboa.html

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2014/06/organizacao-e-financiamento-de.html

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2014/06/ultima-sessao-do-debate-sobre.html

Duma forma tecnicamente mais informada o tema da mobilidade do futuro é tratado no livro de Luis Amaral, "Mobilidade no futuro", ed. Clube do Autor, 2022


2 comentários:

  1. Vamos imaginar que, dentro das cidades, se vai abolir o transporte individual.
    Vamos imaginar que se projetam e constroem redes de transporte público, não poluente, que servem com qualidade e frequência os habitantes das cidades e os seus utilizadores.
    Vamos imaginar a criação de parques de estacionamento, dissuasores (gratuitos), na periferia das cidades.
    Qual o resultado disto no OE (orçamento de estado)?
    Deixando de consumir combustíveis fosseis, como se iria compensar o imposto que o estado arrecada com o seu consumo?
    Deixando de ter transporte individual nas cidades, como se obteria o valor que é arrecadado com o estacionamento público?
    Deixando de ter transporte individual nas cidades, como se obteria o valor que é arrecadado com as multas aplicadas no estacionamento indevido?
    Deixando de ter transporte individual nas cidades, como se obteria o valor que é arrecadado com as multas por excesso de velocidade?
    E mesmo nas estradas nacionais ou nas autoestradas, se se sabe que o excesso de velocidade é prejudicial, porque não se instalam de fábrica, limitadores nos motores para não ser possível velocidades superiores?
    E neste caso, qual o reflexo dessa medida na economia? Na venda de carros de alta cilindrada. No IUC. No menor consumo de combustível. Nas multas por excesso de velocidade.
    Haverá uma enorme hipocrisia em todo este sistema?

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    1. Faz uma análise muito interessante com elevada probabilidade de estar certa. Eu não diria que o sistema é hipócrita no sentido de ser doloso, será antes a consequência de incapacidade , incompetência e ignorância de quem decide, e da própria sociedade, ao adotar soluções de curto prazo sem pensar nas consequências negativas; o metro de Londres desenvolveu-se no fim do séc.XIX porque os excrementos dos cavalos das carruagens eram insuportáveis; será que os fumos de escape dos motores de combustão de combustíveis fósseis já são insuportáveis obrigando à mudança?
      Não podendo responder com certezas, parece-me que devemos tentar ir devagar, mas num rumo, por exemplo, que eu referi nas intervenções na Assembleia Municipal de 2014. >A sugestão da taxação da entrada dos automóveis na cidade não foi seguida em Lisboa e apenas parcialmente e desajustadamente no Porto. É verdade que obriga a investimentos em transporte público, mas se os projetos estiverem bem feitos é possível candidatá-los a fundos comunitários. O que verificamos, em termos de capacidade financeira do país (para além dos milhares de milhões gastos em jogo on line, raspadinhas e importação de automóveis de topo de gama), é investimentos em aumento da capacidade de autoestradas ou vias rápidas (que gerando aumento da procura pelo TI reporão o congestionamento). Igualmente verificamos descontos em portagens para o transporte rodoviário enquanto o ferroviário geme com o desinvestimento. Bancos e empresas saem do centro da cidade e instalam-se nas periferias (para montar um negócio é preciso uma licença, não seria justificável não permitir a saída de um banco ou de uma empresa da Baixa de Lisboa?).
      A perda da receita fiscal dos combustíveis fósseis é um problema complexo e a própria União Europeia nõ sei se o sabe resolver, de modo que reitero que devemos ir tentando, devagar, a reduzir a quota do TI e aumentando a quota do TP. Parece-me que isso pode-se ir fazendo se conseguirmos aumentar a população da cidade de Lisboa. Não se elimina o TI (desde que se construam parques de estacionamento para residentes e visitantes temporários, sem esquecer as portagens à entrada da cidade com linhas de metro ou de LRT a servi-los.
      Relativamente aos limitadores de velocidade, a EU deveria exigir aos seus fabricantes e aos importadores que instalassem nos automóveis sem o que não teriam autorização de circulação, mas prece que não querem pensar nisso.
      Cumprimentos

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