Introdução
Provavelmente, nas sociedades primitivas ainda nómadas, em situações de emergência e de fuga, funcionaria uma escala de prioridades com o objetivo de preservar o grupo, com eventual sacrificio dos individuos mais fracos, ou menos importantes para o futuro do grupo. Mais recentemente ficaram registados os casos do sacrificio sistemático dos primogénitos, coisa consagrada pelas religiões de povos como os cartiganeses e fenícios, ou a eliminação das crianças com deficiência, ou simplesmente com indícios de menor reação às ameaças exteriores, como tambem ficou registado na antiga Esparta.
No fundo, mecanismos biológicos para a manutenção da espécie,fenómenos a estudar na antropologia, na sociologia, na psiquiatria (aquela questão dos níveis dos neurotransmissores que afetam a capacidade de adesão ou, ao menos , de compreensão, do que o outro diz, por exemplo).
E um desses mecanismos era a importancia dada aos velhos que mantivessem a capacidade de pensar. Em situações de emergência, a assembleia de seniores, graças à experiencia dos seus membros, analisava e propunha soluções, a executar pelos mais fortes ou a seguir por toda a comunidade. O étimo de senado mostra isso mesmo. Em situações de fuga, a prioridade era dada às mulheres em idade fértil, aos homens mais fortes, aos velhos, e só depois aos jovens (estes a sacrificar como carne para canhão). Porque em qualquer altura as mulheres em idade fértil reporiam o nível demográfico e a capacidade de propor soluções dos velhos era sempre necessária.
Provavelmente a evolução tecnológica, a sedentarização, a proteção sanitária e os mecanismos de pacificação contribuiram para o desprezo dos velhos, considerados agora como um peso inútil a sustentar pelas novas gerações.
E contudo, são os grandes grupos económicos que mostram o poder dos velhos, através dos mecanismos da herança (ver Picketty, 900 páginas, ou Zuckman, 150 páginas), de Angola ao Casaquistão, do Continente ao Pingo Doce, da corticeira às tintas Barbot, da Zara ao Santander, o discurso da tomada de posse na renovação das gerações termina sempre como na anedota, obrigado, papá. Na verdade, não podemos responsabilizar a ferramenta, que não tem culpa do objeto de quem a maneja, não devemos acusar de cumplicidade no assalto ao banco o fabricante do automóvel que serviu de apoio. Mas seria desejável que a experiência dos mais velhos pudesse beneficiar a comunidade, como fazem aqueles grupos...
Questões deontológicas
Eis porque hesito sempre que escrevo sobre questões de transportes. Posso estar a mostrar uma reforma mal aceite, apesar de na altura pensar que estava a fazer a transição de acordo com os manuais, ou a petulancia de um saber superior ao dos mais novos. Talvez devesse cortar com o passado, mas não, insisto, embora receando beliscar os princípios deontológicos que mandam respeitar o trabalho dos outros, não desmerecer dos mais jovens, nos quais aliás tenho confiança. Não quero que eles possam ser acusados de me passar informações que afetem a imagem do metropolitano ou dos seus dirigentes. Por isso o que escrevo baseia-se fundamentalmente nas memórias e registos que tenho e no que vem a público, tal como escrevi, preocupado com questões deontológicas, em:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2016/08/depois-da-reposicao-dos-complementos-de.html
em texto que aliás enviei em agosto de 2016 ao secretariado da administração do metropolitano com o pedido de transmissão ao seu presidente. Em julho as comissões sindical e de trabalhadores tinham divulgado publicamente as condições de degradação no metropolitano e as ameaças para a retoma da procura depois das férias. Alinhei uma série de sugestões e questões como a falta da encomenda de rodados e da admissão de 30 trabalhadores que não mereceram qualquer resposta.
Existem perturbações
E agora é a campanha dos meios de comunicação social sobre as perturbações na linha azul, na linha amarela, na linha verde, na linha vermelha. Claro que existem perturbações, mas como mostrou a amostragem que fiz, não exageremos:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2016/10/uma-amostragem-o-metropolitano-de.html
E eis que sou surpreendido, nesta euforia jornalística com as deficiências de funcionamento do metro, por duas entrevistas televisivas nos primeiros dias de novembro de 2016.
Entrevista de 7 de novembro com o senhor presidente
Na primeira, na SIC, em 7 de novembro, respondendo à reporter sobre o que se está a fazer para melhorar o serviço prestado, o senhor presidente do metropolitano diz que estão a reparar os 18 comboios avariados (18 comboios parados em 111, não 18 carruagens como dito na entrevista) e a formar 30 novos maquinistas.
Ora, é público através das informações das comissões sindical e de trabalhadores, que os rodados encomendados ainda não estão disponíveis (previsão durante o resto do mês de novembro de 2016), e que ainda não há 30 novos funcionários para libertar 30 agentes de estação para o curso de novos maquinistas (seleção a iniciar e concurso interno previsto para fins de novembro de 2016).
Será suscetibilidade minha, mas cresce-me ao ouvir isto um sentimento de vergonha, pela incompreensão quando atempadamente os técnicos propuseram a encomenda de novos rodados, pelas demoras burocráticas, com a desculpa não confessada de que se quer cumprir o défice. Pelas inaceitáveis demoras nas obras de Arroios (as sugestões que eu já fiz...), de conclusão das obras de adaptação de Colégio Militar a pessoas com mobilidade reduzida e início dessas obras em Campo Grande (já realizada a ligação da superfície ao primeiro piso), Entrecampos, Jardim Zoológico, Baixa-Chiado (falta ligação da superfície ao mezanino). Pela incapacidade de dinamizar a elaboração de projetos e programas base a submeter a candidaturas de fundos europeus, como aliás já se tem feito, mas não vejo os jovens colegas do metro e Ferconsult lançados nessa via.
Uma nota ainda para a falta de esperança na entrega da gestão da Carris à CML. Não tenho confiança na sensibilidade para as questões de planeamento de transportes no seio da CML, nem acredito nos autocarros de gás como solução. Continuo a acreditar que deviamos ter um operador único a gerir e a estudar o planeamento das redes de transporte na área metropolitana de Lisboa (confesso também a minha falta de confiança na solução "autoridade metropolitana de transportes", por manifesta falta de meios e recursos humanos).
Entrevista com o senhor ministro no dia da inauguração da web summit
E no dia 8, no dia da web summit, a segunda entrevista, do senhor ministro do Ambiente que tutela os transportes (eu diria que o peso dos transportes justificaria que fosse o contrário e que os transportes estivessem integrados em ministério como o da economia, energia ou infraestruturas, ou melhor, como antigamente, nas Obras Públicas, mas as pessoas gostam de inovações).
http://www.tvi24.iol.pt/sociedade/web-summit/confusao-no-metro-de-lisboa-deveu-se-a-numero-invulgar-de-utentes-diz-ministro
Questionado pelo excesso de afluência na linha vermelha, a caminho de Oriente, disse uma verdade, que apesar de tudo foi cumprido o plano de intervalos entre comboios, no caso 6 minutos e 15 segundos, e reconheceu uma evidencia, que quem trabalha no metropolitano o faz em condições deficientes e com dedicação.
Mas também disse que a linha vermelha não pode ter intervalos inferiores a 6 minutos e 5 segundos por razões de engenharia e de exploração.
Concordo que por razões de exploração possa dizer-se isso, é uma questão de dimensionar em conformidade a chamada almofada, destinada a absorver perturbações, isto é, oscilações em torno do intervalo médio.
imagem retirada do noticiário da RTP, cais de Alameda II cheio depois da partida do comboio; felizmente as pessoas respeitam a faixa amarela e as de trás não empurram |
Mas não posso concordar com a invocação de razões de engenharia. Aliás, preferiria ver um técnico do metro a falar nas razões de engenharia e no intervalo possível do que o senhor ministro.
A entrevista induziu em mim a nostalgia do tempo em que fazia as contas do intervalo mínimo na linha, que é o mesmo que calcular a capacidade máxima de transporte de passageiros por hora e por sentido ((=60min/intervalo em min) x lotação do comboio). E fi-lo para o sistema ATP/ATO (automatic train protection/ automatic train operation) que esteve a funcionar entre 2000 e 2009 e que foi desativado quando a linha foi prolongada de AlamedaII a S.Sebastião II. Quem tinha o poder e a falta de conhecimento técnico decidiu assim, a pretexto de custos de manutenção (claro, a segurança e a rapidez paga-se), embora a principal causa das perturbações, aliás dentro do razoável, estivesse relacionada com o modelo de gerador taquimétrico em uso no material circulante. Não guardei os cálculos, de modo que os refiz agora, com a reserva de, como disse acima, nada ter pedido aos colegas no ativo, para que alguém mal intencionado não os possa acusar de me passar informações. O que segue é de minha exclusiva responsabilidade.
Cálculo do intervalo mínimo entre comboios
O intervalo entre comboios depende da distancia de libertação dos sinais, que nesta linha é maior porque foi projetada para ATP com sinalização mais simples, de recurso, apenas com sinais de saida e de manobra (sem sinais de entrada), Isto é, um comboio só pode sair duma estação depois do comboio precedente ter saido da estação seguinte e deixado um espaço de cerca de 200 metros depois da estação para servir de distancia de travagem de emergencia. A condicionante do intervalo será assim a soma do tempo de percurso, mais o tempo de saida e entrada de passageiros, mais o tempo para o arranque e atingir os tais 200 metros livres. Ou seja, cerca de 2 minutos e meio.
Mas não é isto que impõe o limite mínimo do intervalo, é o estrangulamento do término de S.Sebastião II, inserido numa zona de condições topográficas desfavoráveis, em curva e em rampa, e com uma ligação de serviço com a linha azul. Ver esquema no fim do quadro Excel seguinte.
En passant, esclareço que as condições desfavoráveis do término resultaram de:
1- os decisores não terem aceite a solução de maior proximidade entre as duas estações de S,Sebastião de correspondencia com o pretexto de servir melhor a zona da Duque de Ávila
2 - os decisores, incluindo os da CML, terem alterado o traçado original, mais retilineo e mais plano (se nos lembrarmos que as obras de ampliação de Arroios chegaram a estar adjudicadas mas foram canceladas por imposição da CML, que não queria obras simultaneamente em S.Sebastião e Arroios, eventualmente por razões eleitorais - como se mudam as vontades - compreende-se porque não gosto de ver ministros ou a CML a falar de questões técnicas de metropolitanos) .
Na realidade, o comboio de Saldanha só pode sair depois do comboio precedente ter carregado passageiros no cais único de inversão e depois de ter passado pelo aparelho de via e deste ter voltado à posição de via direta.
De acordo com a linha 14 do quadro, esse tempo, incluindo uma almofada de 30 segundos para absorção de perturbações, é de 5 minutos e 28 segundos se considerarmos a velocidade atualmente limitada a 45 km/h, ou de 5 minutos e 16 segundos, se repusermos o limite de 60 km/h.
Não há portanto razões de engenharia que não sejam falta de material circulante disponível para o intervalo ser de 6 minutos e 5 segundos. Aliás, o horário inaugural do término de S.Sebastião II tinha um intervalo de 5 minutos e 35 segundos.
Mas evidentemente, por razões de exploração pode haver, basta aumentar o tempo da almofada (para absorver o "engarrafamento" de descidas e subidas nas escadas do lado poente de S.Sebastião II que não foram dimensionadas para chegadas e partidas - poderia reservar-se uma para subida e outra para descida).
Pode ainda melhorar-se o intervalo introduzindo o chamado condutor de reforço, um maquinista que aguarda a chegada do comboio em S.Sebastião na extremidade nascente e entra logo para a cabina, substituindo o maquinista anterior. Obriga a mudar de maquinista em todas as inversões em S.Sebastião. Exige um pouco mais de esforço aos maquinistas, mas o esquema chegou a funcionar há muitos anos, antes da extensão de Alvalade para Campo Grande.
Poupa-se o tempo de mudança de cabina e chega-se aos valores da linha 16: 4 minutos e 8 segundos para limite de 45 km/h e 3 minutos e 56 segundos para limite de 60 km/h.
Finalmente, pode ainda reduzir-se o intervalo se se fizer a inversão no aparelho de via a jusante. Tem o inconveniente de estar em rampa, mas o material circulante permite isso. Por razões de segurança, convirá prever a presença de um maquinista ou inspetor na extremidade nascente do cais de inversão enquanto o maquinista faz a mudança de cabina. Como se encontra longe da estação (por causa da ligação de serviço) a economia de tempo não é muito grande.
Na linha 22 do quadro dão-se os valores: 3 minutos e 52 segundos para o limite de 45 km/h e 3 minutos e 40 segundos para o limite de 60 km/h.
Espero não me ter enganado nas contas nem nas distancias.
PS - a propósito da web summit, não podendo constituir-me em investidor, embora alinhasse num crowdfunding, gostaria de ver a concretização de aplicações ou equipamentos robotizados para informação aos passageiros do estado de funcionamento dos elevadores, do intervalo real praticado em todas as linhas (em vez do antipático anuncio "existem perturbações") ou para guiamento e informação nas estações de cegos e amblíopes.
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