Cerca de 3 meses depois da publicação do Manifesto Portugal, uma ilha ferroviária na Europa? que propunha a adoção progressiva da bitola UIC (1435 mm) na rede ferroviária portuguesa, foram surgindo algumas reações, nomeadamente dos colegas da Infraestruturas de Portugal ou dos assessores do governo, que apuraram os seus argumentos.
Tentando fazer o ponto da situação, também para manter os subscritores informados, tais argumentos, no sentido de que não é necessário avançar já para a bitola UIC para assegurar as exportações pelo modo ferroviário, consubstanciam-se da seguinte forma:
- modernização da rede existente de bitola ibérica, nomeadamente nos troços transfronteiriços
- utilização de travessas de furação dupla, inicialmente para bitola ibérica e mais tarde para bitola UIC (nestas travessas não é possível a coexistencia das duas bitolas).
Foram ainda tornadas públicas soluções pontuais e temporárias utilizadas em Espanha, apresentadas como medidas que evitariam a instalação de bitola UIC nos próximos tempos. A Espanha há 25 anos que vem progressivamente instalando uma rede de bitola UIC, primeiro apenas para passageiros e agora também para mercadorias. Dada a inevitabilidade da existencia de duas redes de bitolas distintas que se verificará por várias décadas, a Espanha utiliza essas soluções do tipo "last or extra mile":
- 3º carril, ou via algaliada: coexistencia na mesma via das duas bitolas permitindo a circulação de comboios com qualquer uma delas (inconveniente: instalação de via cara, complexidade dos aparelhos de mudança de via; utilização principal nas ligações portuárias)
- eixos variáveis (mudança automática de bitola nos intercambiadores: solução vulgarizada em Espanha em comboios de passageiros; em comboios de mercadorias, solução menos vulgarizada,mas existente em Espanha e na Polónia, tem como inconvenientes o encarecimento dos vagões e o aumento do seu peso e das necessidades de manutenção, desincentivando a sua aquisição pelos operadores.
De referir ainda as soluções nas estações fronteiriças para mudança de bitola:
- transbordo de contentores (com pórticos-grua do tipo usado nos portos)
- desmontagem e substituição dos bogies (solução utilizada no comboio China-Europa na mudança de bitola entre a China e o Kasaquistão e a Ucrania e a Polónia) ou dos eixos; tem o inconveniente do tempo de imobilização que não sendo teoricamente significativo, poderá introduzir constrangimentos ao cumprimento de horários por eventual indisponibilidade dos meios
(Falou-se ainda na solução das autoestradas ferroviárias, ou transporte
por comboio de camiões com reboque de longo curso; trata-se de uma solução
compatível com os objetivos da bitola europeia e da intermodalidade e que
garante o futuro das empresas de camionagem de longo curso em ambiente de
restrição de emissões de gases com efeito de estufa)
Apesar da natureza sedutora, expedita e aparentemente económica daquelas soluções, que levará os operadores a considerarem-se satisfeitos com a situação atual, o Manifesto mantem a sua crítica à presente situação e a sua proposta de avançar progressiva mas firmemente para a bitola europeia por duas principais razões:
- é um facto reconfortante o crescimento atual das exportações portuguesas com indícios de ser sustentável, desejando-se que o modo ferroviário aumente a sua participação no transporte das mercadorias, o que só será possível melhorando os corredores internacionais ferroviários
- as orientações da União Europeia, relativamente aos planos de redução das emissões de gases com efeito de estufa e de melhoria da eficiência energética nos transportes que apontam para uma transferência até ao ano 2030 de 30% do volume de mercadorias transportadas por modo rodoviário a mais de 300 km para o modo ferroviário.
Concretamente, o regulamento 1315/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho (desenvolvimento da rede transeuropeia de transportes):
- especifica a bitola nominal de 1435 mm para os corredores da rede principal ("core") - art.39º, nº2, al. iv)
- especifica para os corredores da rede global ("comprehensive") a prioridade para a migração para a bitola de 1435 mm - art.13º al. b)
- define como "isolada" a rede com bitola diferente de 1435 mm - art.3º al. u)
- fixa a data de 2023 para ponto do progresso da rede principal - art.38º
Os corredores da rede principal estão definidos, por exemplo, no anexo I do regulamento 1316/2013 (Mecanismo Interligar a Europa - CEF) no alinhamento Atlântico:
- Sines/Lisboa-Madrid-Valladolid
-Lisboa-Aveiro-Leixões/Porto
-Aveiro-Valladolid-Bilbao/Bordeaus-Paris-Mannheim/Strasbourg
Urge por isso reformular a política com Espanha para acelerar a implementação da bitola UIC no troço Badajoz-Madrid (enquanto se deverá desbloquear a construção do troço Poceirão-Caia)
e desenvolver o projeto Aveiro-Salamanca.
Igualmente se deverá garantir com França a livre passagem de comboios de bitola europeia com origem em Portugal, em sintonia com o acordado na recente cimeira franco-espanhola de 4 de setembro de 2017. Se assim se fizer, a adoção da bitola UIC de 1435mm contribuirá
eficazmente para o crescimento das exportações.
O tempo urge, até porque a atribuição dos necessários fundos comunitários requer a elaboração atempada dos projetos, pelo que é intenção do Manifesto promover brevemente uma conferência de divulgação dos seus objetivos, para a qual já foi obtido o apoio do senhor Presidente da República, e que se espera dar um contributo oarticipativo e positivo para o debate anunciado pelo Governo sobre as infraestruturas para a próxima década.
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