Conferencia do eng.Faustino Gomes,
da TIS, sobre "Tendencias para a
gratuitidade do transporte público" em 25 de novembro de 2019 na sociedade
de advogados SRS:
Citados os exemplos de Talin,
Luxemburgo e Vargem Grande (Brasil/S.Paulo), a conclusão foi que a tendência
será desejável, mas no atual contexto requer que se encontrem primeiro
alternativas para o financiamento, para o necessário aumento da oferta sem
degradação do serviço, contra eventuais efeitos no desemprego e na especulação
imobiliária e que na sua implementação seja cumprida uma rigorosa monitorização
dos resultados.
Comentário meu:
Foi uma agradável surpresa ouvir a
análise lúcida pelo conferencista dos resultados das experiencias de
gratuitidade já disponíveis e da problemática associada.
A gratuitidade pode ter sucesso em
cidades não muito populosas. Mas será principalmente uma decisão politica,
quiçá eleitoralista, que se sobrepõe à questão económica e financeira, e que
requer as alternativas citadas pelo conferencista.
Dos resultados conhecidos para os
primeiros meses no metropolitano de Lisboa, após o início do programa de
redução tarifária, em que se prevê investir anualmente talvez 20 milhões de
euros, e sublinhando que os números se referem a validações e não vendas de
passes, estimou-se um aumento de 2% nas receitas e 8% na procura (dados
posteriores indicam apenas 6%, mas é ainda cedo para ter certezas).
Vou tentar avaliar a evolução dos
prejuízos no metro como consequência da redução tarifária, sabendo que em 2017
as receitas operacionais foram cerca de 155 milhões de euros , as despesas
(incluindo juros e amortizações) 182 milhões de euros e o número de passageiros
162 milhões:
R1=n1.r1 R2=n2.r2 C1=n1.c1 C2=n2.c2 P1=C1-R1 P2=C2-R2
Sendo
R1 a receita antes do programa de
redução tarifária R2 a receita
depois do programa r1 e
r2 as receitas por passageiro
antes e depois do programa
C1 os custos antes do programa C2 os custos depois do programa c1
e c2 os custos por passageiro antes e depois do
programa
P1 e P2 os prejuízos antes e depois
do programa
Fazendo n2=1,08n1
e R2=1,02R1 resulta
R2=n2.r2=1,08n1.r2 e R2=1,02n1.r1 donde 1,08r2=1,02r1 e
r2=0,944r1
Isto é, a receita por passageiro
diminuiu, sendo que se trata de um indicador de produtividade que só não
pioraria se o número de km percorrido em média pelos passageiros subisse em
compensação.
É verdade que aumentando a
indemnização compensatória (a contribuição do orçamento de Estado) a nova receita poderá subir, mas o indicador
de produtividade “indemnização compensatória por passageiro” também piorou.
Para os prejuízos antes e depois:
P2 = c2.n2 – r2.n2 = 1,08 n1.c2 –
1,02 n1.r1
P1 `= n1.c1 – n1.r1
Para que a redução tarifária não
aumente os prejuízos terá de ser
1,08 c2 – 1,02 r1 < c1 –
r1
entrando com os valores referidos
para a receita e a despesa, teremos para a receita por passageiro r1=155/162 = 0,96 €/passageiro ; e para os custos por passageiro c1 = 182/162 = 1,12 €/pass.
1,08 c2 < 1,12 +
0,02.0,96
c2 < 1,055 €/pass.
ou
C2 / 1,08 n1 < 1,055
C2 < 1,08 . 1,055 . n1
C2 < 1,139 . C1 / c1
C2 < 1,017 C1
Isto é, para os valores
considerados, para que os prejuízos não aumentem, é necessário que o custo por
passageiro diminua e o custo total não
ultrapasse mais de 1,7% o custo anterior
ao programa. Isso será difícil, uma vez que o aumento de procura requer aumento
da oferta com os consequentes aumentos de custos de operação, manutenção e
energia.
Como conclusão parece legitimo
dizer que se a gratuitidade parcial já pode aumentar os prejuízos e piora os
indicadores de produtividade, então são de temer os efeitos da gratuitidade
total.
Junto quadro de valores para vários parâmetros, indicando-se os limites a partir dos quais os custos terão de baixar para que o prejuízo não aumente.
Junto quadro de valores para vários parâmetros, indicando-se os limites a partir dos quais os custos terão de baixar para que o prejuízo não aumente.
Contra a ideia da gratuitidade total
temos por exemplo a analogia com os gastos do Estado com a saúde e a educação,
em que a gratuitidade é constitucionalmente definida como tendencial (art.64).
Gastos públicos com:
- saúde 5,5% do PIB / 12% da despesa pública
- educação 3,2%
« / 7%
«
- infraestruturas e ambiente 4,8% «
/ 5%
«
- segurança social 10% « / 21% «
É razoável para um país
desenvolvido ter uma despesa pública anual com
investimentos em infraestruturas da ordem de 2 a 3% do PIB. Para uma
área metropolitana como a de Lisboa, contribuinte para o PIB em 40%, será razoável contar anualmente com metade de 0,8%
do PIB (cerca de 800 milhões de euros)para investimentos nas suas
infraestruturas de transportes, mas tendo em conta que o peso dos fatores
referidos, saúe, educação e segurança social, terá de aumentar.
Sendo um dos principais objetivos
do movimento pela gratuitidade dos transportes públicos o desenvolvimento de
sistemas de transporte sustentáveis, poderá imaginar-se que a transferência massiva
das deslocações em transporte individual e em autocarros de combustíveis
fósseis para transporte ecológico (ferrovia, modo elétrico e modos suaves) iria
buscar a justificação económica no desperdício energético do TI e combustíveis fósseis
do sistema dominante. O problema é que as infraestruturas que suportam esse
sistema não estão amortizadas, muitos empregos e empresas dependem delas e a
motorização individual, para além de ser um direito à mobilidade, é
dificilmente substituível em domínios como áreas pouco povoadas, pese embora a
promessa dos modos autónomos.
Sujeitos os resultados às minhas
limitações, estimei há tempos que os custos de investimento num sistema
ferroviário na área metropolitana de Lisboa que substituísse o sistema dominante
de transporte individual (TI) teria um
custo da mesma ordem de grandeza do sistema TI, mas que as amortizações,
supondo também equivalentes os custos de manutenção, seriam favoráveis ao
sistema ferroviário em cerca de 200 milhões de euros por ano. Igualmente
estimei que o desperdício na importação de combustíveis correspondente a 10% de
deslocações em automóvel na área metropolitana de Lisboa (que poderia
transferir-se para o modo ferroviário) será de cerca de 32 milhões de euros por
ano.
Desses números inferi que os objetivos
de sustentabilidade da gratuitidade através da transferencia do transporte
privado automóvel para o transporte público também podem ser atingidos através
de investimento no próprio transporte público (aliás sempre necessário para
responder ao aumento da procura) e na penalização com taxas do uso, das
portagens e do estacionamento para automóveis (eventualmente dos IMIs e
licenças de construção nas zonas em que predomina o TI).
Donde concluo que é dificil
justificar a redução de receitas associada à gratuitidade quando é necessário
fazer investimentos em infraestruturas, incluindo medidas radicais de reurbanização,
e em material circulante. E que a ideia da gratuitidade pode
ser uma ilusão e um perigo para políticos desejosos de seduzir eleitores sem
ponderar os custos.
Paris decidiu recusar a
gratuitidade estimando um encargo de 6 mil milhões de euros por ano. Em Lisboa
estimo que seriam 500 milhões (eventualmente deduzir 100 milhões de poupança
dos custos de cobrança). Com 400 milhões de euros ao fim de 25 anos teriamos 10
mil milhões de euros, o que permitiria construir 125 km de rede de metro ou 500
km de LRT. Custos pesados, os da gratuitidade, ou por outras palavras, poupe-se
o que for possível (por exemplo combustíveis fósseis e emissões) para pagar o
que for preciso (investimento, juros e manutenção de infraestruturas e material
circulante).
Nas ligações seguintes encontram-se
argumentos pró e contra:
https://www.franceinter.fr/emissions/histoires-economiques/histoires-economiques-01-octobre-2019
Estes dois artigos, sobre a experiencia francesa,
parecem-me os melhores:
Cálculos próprios citados:
Além de se discutir a gratuitidade dos transportes públicos, seria também interessante discutir o preço do transporte em automóvel particular
ResponderEliminarApesar dos impostos sobre os combustíveis, portagens e estacionamento, a verdade é que o transporte particular ainda é subsidiado, especialmente o estacionamento.
O aumento da tributação sobre o automóvel permitiria financiar os transportes públicos, reduzindo o seu preço e aumentando a sua qualidade.
Sobre a subsidizição do automóvel ver a página 48 da ligação que termina em 7XH que refiro no meu texto
EliminarExatamente, e é isso que se faz parcialmente, embora de forma incipiente, com o ISP e o fundo do carbono. No entanto, tem de se considerar que muitos empregos e empresas dependem do automóvel, que as vias de comunicação foram desenvolvidas para o automóvel, que talvez 1/4 do rendimento das famílias seja sacrificado ao automóvel e que parece ser normal por esse numdo fora quando se aumentam os custos do automóvel dá coletes amarelos ou manifestações ainda piores. Donde, o problema é complicado se não se conseguir demonstrar à maioria das pessoas as medidas necessárias para a transferencia do transporte individual para o publico.
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