Confesso que tenho a paciência dos idosos, isto é, não a tenho. E por isso ao desgosto da leitura das notícias sucede a raiva da impotência para corrigir o que poderia ser corrigido, se na sociedade portuguesa não predominasse a imposição aos cidadãos de se concentrarem nos problemas e nas carências das suas vidas (e por isso não pode exigir-se às pessoas que se documentem com rigor) e se não predominasse nas "elites" (normalmente autointituladas elites) uma crónica indisponibilidade para o planeamento informado e realista e uma não menos crónica rejeição dos processos de trabalho coordenado em equipa.
Por isso leio as explicações sábias dos comentadores que a subida dos preços da energia e consequente inflação não tem nada que ver com o excesso de zelo liberalizador das regras europeias que aceitam o preço máximo do comercializador de energia nos leilões intradiários para todos os comercializadores, esquecendo a experincia da desregulação na California e no Texas (ordenação 888). E dizem os sábios que tem que ver com o congestionamento do transporte marítimo, da falta de contentores, da falta de tripulantes marítimos.
Mas, não foram os mesmos sábios que explicaram aos senhores ministros, não menos sábios depois de absorverem os ensinamentos dos primeiros sábios, que o transporte marítimo resolvia tudo, não era preciso gastar dinheiro com os comboios para a Europa? aliás bastava exportar para Espanha. Mas eu consulto o INE e verifico que o valor das exportações para o resto da Europa supera o valor das exportações para Espanha, embora para Espanha em toneladas o número seja superior. Por outras palavras, para Espanha exporta-se menos valor acrescentado, próprio de qualificações mais baixas de quem produz.
Sem talvez reparar nisso, os mesmos sábios disseram ao jornalista do excelente artigo "Governo quer 25 mil novos empregos de I&D até 2030" que sim, há pouca notoriedade dos produtos portugueses no estrangeiro e baixa intensidade de conhecimento nos produtos exportados (espero que os fabricantes de moldes e de componentes para a industria automóvel, para não falar nos softwares para a NASA e outros locais dos USA, não leiam estas declarações do governo que devem ter escapado ao controle semântico dos sábios).
Mas tinham-nos dito, governo e sábios, que as novas gerações eram as mais bem preparadas. Bem, a ocasião agora não é para dizer isso, é para justificar alocar verbas comunitárias para o Portugal 2030. Será que sábios e governo terão lido a crónica do prof Santana Castilho "Dar murro na ponta da faca" chamando "escandalosamente incompetente ao senhor ministro da educação e que a desgraça da Educação começou com Maria de Lurdes Rodrigues e prosseguiu com Nuno Crato (não menor escandalo, a noo fundo expulsão de bons professores, vindo agora os sábios e o governo queixar-se de que não há professores). Arrepiante pergunta a do cronista, "Pode quem trouxe a Educação a este estado continuar a governar?".
Não se lembraram, governo e sábios, de perguntar às pessoas que ainda são do tempo em que as empresas compensavam a baixa escolaridade com formação interna?, no tempo em que a escola de Turismo de Lisboa era uma escola de serralheiros especializados?
Leio atordoado, porque há anos que quem estuda o problema da Educação sabe que as desigualdades sociais são ampliadas pelo sistema escolar, porque os filhos das elites têm acesso a melhor educação dos que os filhos das classes de menores rendimentos. "Entrevista de Daniel Markovits, a meritocracia bloqueia a igualdade".
E como que numa fábrica virtual de powerpoints, sábios e governo encontraram as combinações de palavras, as "keywords" ("inovação de produtos e processos, melhorias na transição entre I&D e inovação, investigação científica e tecnológica, empregos qualificados, digitalização, competitividade") que mobilizam as atenções, fazem acreditar em não menos virtuais milagres produtivos em ações de digitalização e partilha conectada, e, acima de tudo, justificam as verbas dos fundos comunitários do acordo de parceria para 2030 que saiu para breve consulta pública de 15 a 30nov2021, nomeadamente o PT2030 22.995 milhões de euros. São ainda 11.500 milhões do FEDER, 7.500 milhões do Fundo Social Europeu, 3.400 milhões do Fundo de Coesão, 200 milhões do Fundo de Transição Justa e 400 milhões do Fundo de Assuntos Marítimos. Não se critique a Área Metropolitana de Lisboa que neste domínio só beneficiará de 400 milhões.
Que diria António Aleixo (calai-vos que pode o povo querer um mundo novo a sério)? deixem seguir a consulta pública, em que a minha impotência e raiva me impedem de participar, na esperança de que afinal tenha havido gente bem intencionada que estudou a distribuição das verbas e que o seu trabalho não venha a ser vilipendiado por negligencia, incompetência, má vontade, oportunismo, ganancia ou corrupção (há um ex secretário de Estado investigado por ter uma conta em off-shore que atingiu quase 900.000 euros e ligado a um licenciamento dum equipamento social em que mediaram 11 dias entre a emissão do alvará de licenciamento das obras correspondentes à ampliação do edifício de 4 para 6 pisos e a emissão do alvará de licença de utilização !!, são os riscos da descentralização).
Fica a esperança, pequena porque o governo e os seus sábios não gostam de ser contrariados, de que as verbas do restante acordo de parceria ajudem a melhorar as infraestruturas que facilitam as exportações: PRR 16.644 milhões + PAC 9.769 milhões + REACT 2.139 milhões.
Ou, fora do acordo, o CEF 2021-2027 (quem faz os anteprojetos?) 25.800 milhões.
Continuo a dizer, precisamos de assistência também técnica para utilizar estas verbas, não apenas financeira. Talvez escreva isso na consulta pública, simples aplicação do artigo 5º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, o princípio da subsidiariedade, ajuda da UE quando o Estado membro não consegue.
Leio um texto de Isabel do Carmo com algum sentimento de culpa, porque me vou interessando mais pelo problema das infraestruturas, como se quisesse que fosse mais importante discutir equipamentos sociais do que as dificuldades na saúde de cada um:
O que a professora pede é o processo digital único para cada cidadão, para que não tenha de levar um saquinho de plásticocom todos os examens , análises e documentos sobre a sua saúde. Como os sábios proclama para a janela única do transporte marítimo, para o bilhete único da rede europeia de transportes, etc, etc.
Deveria surpreender-me com a notícia das manifestações de violencia a propósito do agravamento das restrições da pandemia nos Países Baixos (consta que agora não gostam que lhes chamem Holanda) ? Um país tão civilizado, tão do norte frugal, pleno de lições através do seu sábio ministro das finanças do tempo da troika, Daiselblum, ou do agora não menos sábio primeiro ministro Rutte, sempre com aquele arzinho de desprezo pelos preguiçosos do sul (mas ter-lhe-ão estes fivado a dever algum cupão de juros?), com violencia nas ruas. como na França?
Atento às explicações de senhores professores da universidade de Leyden "nãao podem ir a bares e discotecas, não podem estar na rua a divertir-se com amigos", "as desigualdades sociais não são debatidas abertamente", "existe uma inquietação sobre questões como habitação acessível, empregos seguros ...".
Estranho, sempre nos disseram que as forças do mercado liberal resolviam estas coisas. Parece que não, subsitem e agravam-se as desigualdades. Podiam os senhores políticos falarem com mais precisão dos factos sociais e da sua evolução.
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