quinta-feira, 10 de março de 2022

Segundo email para uma senhora jornalista em 7 de março de 2022 sobre a guerra

 



Para: ana.sa.lopes@publico.pt <ana.sa.lopes@publico.pt>
Assunto: Dificil a troca de impressões
 

Bom dia. 

Declaração prévia: as imagens que passam na televisão de destruição de habitações civis, as notícias de utilização de armas de fragmentação e de mortos civis, a invasão pelas forças militares russas são mais do que suficientes para condenar Putin e os seus apoiantes. Mas Carmo Afonso tem razão, “É preciso atender às vozes que dizem … que Putin não está ligado à esquerda mas a interesses económicos … perdeu adeptos a visão pacifista da esquerda… defende-se das posições que toma … [desprendeu-se] uma rude avalanche de anticomunismo”. Como diria Chico Buarque, grita-se “Joguem pedra na Geni”. É isso, existe um subconsciente coletivo que estava reprimido e agora pôde soltar-se numa caça às bruxas, McCartysm revisitado. Pensei calar-me porque é de facto extremamente chocante ver o sofrimento dos ucranianos, todos conhecemos ucranianos imigrados e deles gostamos,  mas vou fazer como o menino da historieta, o pensamento dominante em Portugal vai nu, o artigo 7º da Constituição é muito claro no nº2, “Portugal…preconiza a dissolução dos blocos político-militares”. Muito bem, talvez tenham a maioria para alterar a constituição, mas enquanto o não fizerem não podem aceitar acriticamente o discurso oficial da NATO nem esquecer o que ela bombardeou, também edifícios civis e com armas de fragmentação ou a Constituição não é para cumprir. 

 

Recebi novo email seu que li com interesse. Não é resposta ao meu email  mas serve-me de pretexto para a felicitar pela entrevista a João Oliveira. Não sei se terá atingido o seu (da Ana) objetivo, entendê-lo, aliás também não sei se entendi bem, preferi o discurso de Jerónimo no comício de 6 de março. Não se terá ressarcido completamente das declarações desastradas na AR, mas disse uma coisa que jornalisticamente penso que merecia a pena tirar a limpo. 15000 ucranianos russófonos mortos. Confirma-se? Civis? Civis armados? Membros das milícias do Donbass ou simples civis? Habitações civis bombardeadas? E do lado da população ucraniana? quantos nesta estatística macabra numa guerra civil que já dura desde 2014 (incluídas as vítimas do abate do avião malaio parece que por milícias pró-russas). Pouca atenção foi dada a essa guerra desde 2014, aplaudida a revolução Maidan mas não escrutinadas as circuntancias … e sabe-se que a História é escrita pelos vencedores. 

Existe uma falha grave no PCP, que paradoxalmente até é elogiada pelos comentadores defensores da liberdade de expressão: a persistência. Mas a persistência decorre do método organizativo, da estrutura hierárquica e da forma de tomada de decisões. Era um mecanismo eficiente no tempo imediatamente pós Marx, eram métodos que do ponto de vista representativo e participativo, pelo peso do coletivo, correspondia na altura ao pensamento mais evoluído da sociologia das organizações e das empresas ainda antes de Taylor. 

A sociologia das organizações, a psicologia comportamental dos grupos, evoluíram, os métodos primitivos já não servem a ideia (detenção pela comunidade organizada dos meios de produção necessários para garantir o bem estar da população, dos que produzem e dos que perderam a capacidade de produzir) . Aliás, deixaram de servir quando foi esquecida a proposta de Lenine (não, não estou a propor o método leninista de tomada do poder) quando respondeu a um opositor que dizia que se se fizessem as coisas como Lenine dizia, então até uma senhora da limpeza podia participar e influir no processo decisório, ao que Lenine respondeu, mas é isso mesmo que se pretende. É isso, há laivos de leninismo nos artigos 37º e 48º da nossa Constituição, direito a ser informado e a participar nos assuntos públicos, mais uma mudança a fazer, porque o governo da nossa democracia liberal o que faz é decidir sem ouvir os interessados exteriores ao  seu grupo, depois faz uma consulta pública e quando um insignificante cidadão aponta uma inconformidade, a APA (Agencia Portuguesa do Ambiente) diz “fora do âmbito do RECAPE” (relatório de conformidade ambiental com o projeto de execução). Difícil, fazer progredir assim o país. 

Sobre a organização de um partido tentei sistematizar a crítica aos métodos rígidos e pouco democráticos em  

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/09/5-horas-de-um-fim-de-dia-remansoso.html 

Houve uma quebra entre o partido e os destinatários da mensagem, há que mudar os métodos de representação e participação para servir a ideia. Talvez João Oliveira não tenha aceite isso, talvez Jerónimo de Sousa, apesar de conciliatório. Disse mesmo aquilo? em que contexto? sim, disse, mas também disse isso em 2018, que queria outra Europa, não esta https://www.pcp.pt/portugal-uniao-europeia-romper-dependencias-defender-soberania-construir-uma-outra-europa ;    quererá ele sair do euro e da união europeia? será exagerado concluir que ele disse isso e não parece haver um documento oficial do partido a dizer isso, deixemos o PCP continuar integrado no seu grupo de esquerda no parlamento europeu, mas seria interessante que partidos confessionais como a democracia cristã alemã, não dominassem a orientação da EU, precisamente por ser confessional; curiosamente, parece altamente provável que no discurso que Jerónimo leu automaticamente em 2018, falta um não: “Se é verdade que [não(?)]foi ao arrepio de algumas das orientações da União Europeia que alcançámos conquistas … “  porque no parágrafo anterior a estrutura do raciocínio e a sintaxe foi enunciar primeiro um aspeto positivo logo seguido de um aspeto negativo, valerá a pena esclarecer isto, 3 anos depois? curiosamente também, num artigo recente no Público João Caraça apela a uma nova união europeia, menos desigual … será que vão cair em cima de João Caraça a dizer que está  a apoiar Putin? Quem não for por mim é contra mim?   https://www.publico.pt/2022/03/06/mundo/opiniao/2084-1997712 )  

Não terá, ou o método não lho permitiu, valorizado a necessidade de mudança, de se sentar à mesa com quem amargurado dissidiu, como Carlos Brito, Domingos Lopes … e de aceitar que talvez tenham sido as consequências lógicas do método, “envelhecido” como diria Marx, que quebraram a ligação entre as cúpulas do partido e os eleitores simpatizantes. Esperemos que com humildade aceite a posição de tantos eleitos pelo PCP em autarquias, mais próximos da população, condenando claramente a invasão, como aliás é o sentimento dessa mesma população (se a Ana Sá Lopes falou nos desabafos dos desiludidos que vão deixar de votar no PCP, também pode falar nos desiludidos como eu que vão continuar a votar nele, se chegar às próximas eleições, claro, coisa que faço desde as eleições de 1969 – eleições livres, estava Rogério Paulo na mesa, numas eleições contemporâneas da invasão do Vietnam (ou terá sido uma intervenção militar para defender os valores do “Ocidente”?) e do “Hair”, que sujeitaram a referendo a continuação da guerra colonial, e a maioria … votou pela guerra, sacudo a areia que Churchill lançou nos olhos das pessoas com aquela do sistema pior, a propósito, chegou a rever as Crónicas de Inglaterra de Eça de Queirós?). 

Difícil, trocar impressões, e por vezes perigoso. Li no seu email que reprova a proibição dos canais russos. Alívio meu, mais uma coisa em que concordamos (mas cuidado, é mesmo perigoso trocar impressões, espero sinceramente que aquela do apaziguamento” do Chamberlain não lhe traga comentários verrinosos. Ainda bem que muitos jornalistas e comentadores já exprimiram repúdio por esse ato de censura. Ainda bem também que já divulgaram a crítica do realizador ucraniano Loznitsa ao boicote cultural aos artistas russos, por mais que critiquem Putin    https://www.publico.pt/2022/03/02/culturaipsilon/noticia/boicote-cultural-russia-cresce-dia-dia-historia-forma-luta-nao-100-bemsucedida-1997400   . É um ato de pequenez cultural, digno dos generais ignorantes (Mesopotâmia, berço da cultura da Humanidade …) que deixaram sem proteção o museu de Bagdad (honra aos dois capitães que tinham estudado História e conseguiram montar guarda ao museu). Idem para o desporto, então os jogos olímpicos não foram criados pelos gregos antigos para suspender guerras? Ora, sanções económicas vão atingir as populações civis russas muito para além dos oligarcas, mas também quem, como em Portugal, trabalha em setores exportadores ou é simplesmente afetado pela crise energética e alimentar. A inflação a ameaçar para além do razoável. 

Alternativa? Arranjem um mediador, Israel, Índia, Turquia, China, mas arranjem para parar a guerra. Concentrem-se nisso, façam como Gandhi ou Mandela, ou como os mediadores do IRA, da ETA, funcionou. 

Ah, sim, mas isso é contra o pensamento dominante. Mais vale arranjar um culpado por não condenar o agressor Putin (embora o PCP tenha condenado a agressão mas com a veleidade de querer condenar outras coisas), jogue-se por isso pedra na Geni (Gizas, Gizas, não te ouvem, não matarás, não jogarás pedra em ninguém… mas há sempre alguém que diz, como Carmo Afonso, “pacifistas seguimos”). 

 

Com os melhores cumprimentos 

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