Comentário a artigos e podcast em agosto de 2023 sobre a ferrovia:
https://omny.fm/shows/expresso-money-money-money/vamos-mesmo-ter-comboio-de-alta-velocidade
Caro Pedro Lima
Antes de mais, cumprimento-o pelos artigos informados sobre
a ferrovia e o podcast de 23ago2023. É um assunto árido e sem atratividade para
os leitores, mas é importante para o futuro da economia do país.
Pertenço ao grupo que em 2017 divulgou o manifesto Portugal
uma ilha ferroviária? apelando ao cumprimento dos regulamentos comunitários que
regem as redes transeuropeias de transporte TEN-T. De então para cá temos vindo
a tentar mostrar aos governos e à IP a importância de um plano de implementação
das ligações ferroviárias à Europa com plena interoperabilidade. Sem sucesso, e
sucessivamente alvo de desqualificações, deturpações da nossa mensagem e
argumentação (por exemplo, não queremos “migrar” a bitola da rede existente,
queremos sim que as linhas a construir o sejam em bitola europeia conforme a
regu8ulamentação comunitária e que a gestão da nova rede de bitola europeia, de
alta velocidade e tráfego de mercadorias, seja independente da gestão da rede
convencional ibérica, tal como se faz em Espanha).
Contando com a comunicação social para a divulgação da nossa
posição, que julgamos defender a economia nacional e a competitividade das
nossas exportações e atratividade de investimento estrangeiros, temos publicado
alguns artigos de opinião sobre o tema, destacando a nossa participação em
congressos da ADFERSIT e do CRP e em próximo debate promovido pela Ordem dos
Engenheiros.
Junto no final desta comunicação uma lista de endereços onde
pode ser estudada a nossa argumentação, embora requerendo algum tempo.
I - Sobre alguns aspetos dos seus artigos e do podcast,
gostaria de fazer as seguintes observações:
1 – travessas polivalentes e travessas para 3 carris
Pareceu-me no podcast haver alguma confusão entre as
travessas polivalentes (que permitem a circulação de comboios de uma bitola com
os carris numa posição e, depois de a mudar, passam a permitir a circulação dos
comboios da outra bitola) e as travessas para 3 carris (que permitem que a seguir
a um comboio de uma bitola passe um comboio de outra bitola). Numa das ligações
no fim da comunicação vem explicada a diferença entre estas travessas.
2 - Igualmente nos artigos e no podcast se aceita sem
discussão a afirmação de que será fácil
a mudança nas travessas polivalentes, embora sem planear essa mudança (em
engenharia, pese embora a “boutade” de Eisenhower, devem fazer-se planos atempadamente, daí o
referido manifesto ser acompanhado de um cronograma de construção da rede TEN-T
em Portugal, como poderá ver numa das ligações no final).
3 - duvida-se que a “migração” nas travessas polivalentes
seja apenas 5% do custo inicial porque o regresso dum empreiteiro ao local da
obra tem custos adicionais relacionados com os custos do estaleiro. Segundo
estimativas em Espanha, a transição nas travessas polivalentes terá um
rendimento de 1km por equipa de 17 trabalhadores e por turno. No caso de vias uma
interrupção prolongada de tráfego será inevitável, agravada no caso dos
viadutos da Évora-Caia, em que será necessário contruir novos pilares para a
segunda via).
4 – efetivamente está em fase de aprovação uma proposta de revisão
do regulamento 1315 já da autoria do Parlamento Europeu que, como a resposta da
Comissária referiu, permite isenções e diferimentos que objetivamente são, do
ponto de vista da normalização enquanto disciplina de engenharia, subterfúgios
para iludir as diretivas.
5 - Se já não é possível concluir a linha Lisboa-Porto em
2030, ela deveria ser construída de raíz em bitola europeia para tráfego de
passageiros e de mercadorias na perspetiva das ligações à Europa além Pirineus
de Sines e de Leixões, e não na perspetiva do PFN de tráfego regional,
pedindo-se mais uma isenção, dispensa, subterfúgio, flexibilização de
datas-objetivo ou adiamento
6 - o art.16a da proposta do Parlamento referido pela Comissária
propõe para os troços das redes TEN-T inaugurados com bitola ibérica a
realização até 2 anos após a entrada em vigor do novo regulamento
(eventualmente 2026) de uma avaliação da viabilidade da migração da bitola, e
até 1 ano após essa avaliação (2027), um plano de migração. A avaliação
incluirá uma análise de custos benefícios e avaliará o impacto na
interoperabilidade e na continuidade da rede. Se a análise for negativa a
Comissão poderá conceder uma isenção temporária dos requisitos da bitola 1435mm
mas considerará aquele impacto e a coordenação com Espanha nos troços
transfronteiriços.
7 – aparentemente, apesar da proposta de revisão definir claramente
os requisitos e os aspetos normativos das redes transeuropeias, poderá sempre
uma interpretação demasiado flexível obstar ao seu cumprimento, como aliás se
depreende da confiança do senhor secretário de Estado em beneficiar dessa
flexibilização através do financiamento dos 700 milhões do CEF para o troço
Porto-Soure (estudos e projetos, ponte do Douro, expropriações?). Deverá porém
considerar a hipótese de incorrer num processo de infração.
8 – sobre a afirmação do senhor secretário de Estado de que
a bitola europeia não trará poupança de custos nem de tempo de viagem, convirá
completar a ideia que esses benefícios resultam da uma linha nova construída segunda
as normas (menores pendentes e raios de curvas maiores) que permitem menores
consumos e maiores velocidades. A vantagem da bitola europeia resulta da
normalização, facilitando a encomenda de material circulante normalizado e
reduzindo o tempo de viagem nas ligações à Europa evitando o transbordo em
Madrid, nos Pirineus ou, no caso das mercadorias, na plataforma de Vitoria
(sintomática a entrevista do presidente da Medway à Railway Gazette em set2021:” It’s evident that I, as a railway operator,
would like to have standard gauge. It would be much easier.”). Além
disso, a existência de bitola europeia favorece a atração de investimento
estrangeiro, como é exemplo Espanha e o seu corredor mediterrânico (Valencia),
e o crescimento das exportações e a transferencia da carga rodoviária para a
ferrovia (obviamente a longo prazo, mas temos de prepara cedo o futuro). São
estas variáveis que devem entrar numa análise de custos benefícios completa.
9 – não parece suficientemente fundamentada a afirmação do senhor
secretário de Estado de que a construção em bitola ibérica é a única solução
que permite ter a linha Lisboa-Porto concluída em 2030 (aliás, inserir o troço
Carregado-Lisboa, saturado com tráfego regional apesar de eventual
quadruplicação, não é concluir a linha de alta velocidade em 2030). Durante anos, a argumentação do governo e da
IP foi de que a bitola não era um problema porque a tecnologia dos eixos
variáveis (agora disponível para mercadorias apesar dos seus inconvenientes) permitia
a mudança de bitola nos Pirineus. Agora somos acusados de querer uma ilha
ferroviária de bitola europeia com Espanha ao lado com bitola ibérica (se
continuarem a fazer cimeiras ibéricas em que o governo português foge ao
cumprimento dos regulamentos europeus, obviamente que Espanha aproveitará paara
canalizar o seu orçamento e o financiamento comunitário para as suas regiões de
maior PIB como as do Y basco e do
corredor mediterrânico). Mas não é assim que se devem discutir os argumentos
técnicos.
II - Resumo dos argumentos para fundamentação do
cumprimento dos regulamentos europeus das redes transeuropeias TEN-T:
1 – a natureza dos regulamentos comunitários é vinculativa
obrigando os Estados membros a cumpri-los sob pena de privação dos
financiamentos comunitários e de sujeição a processos de infração
2 – o valor das exportações por modos terrestres para o
resto da Europa é superior ao valor para Espanha apesar de em tonelagem ser o inverso.
As ligações interoperáveis à Europa além Pirineus conforme os regulamentos estimulariam
as exportações e o investimento estrangeiro
3 - a substituição das ligações aéreas Lisboa-Madrid por uma
linha de alta velocidade reduziria substancialmente o desperdício energético
inerente a viagens aéreas curtas. Note-se que as viagens aéreas são subsidiadas
por uma isenção fiscal dos combustíveis
4 – a substituição do tráfego de mercadorias em linhas
existentes com pendentes não conformes com os padrões da interoperabilidade por
tráfego em novas linhas de caraterísticas normalizadas reduziria os custos do
transporte da carga (especialmente na linha da Beira Alta)
É essencial um acordo com Espanha e a EU para a
concretização dos corredores internacionais das partes portuguesa e espanhola
das redes TEN-T, abandonando-se a política do governo de pedir à Comissão Europeia isenções,
flexibilizações e adiamentos.
III - Comentários à argumentação do governo e da IP:
O PFN e as comunicações do governo e da IP insistem na
manutenção da bitola ibérica e não garantem uma data para a interoperabilidade
do sistema CONVEL, impedindo o acesso de operadores estrangeiros, mesmo
espanhois, enquanto não existir uma solução STM (adaptação das mensagens das
balizas CONVEL ao controle de bordo).
A exceção do material circulante espanhol com eixos
variáveis pode resolver situações temporariamente mas é objetivamente um
obstáculo à concorrência.
A invocação pelo governo e a IP, de que uma análise de custos
benefícios justificaria o arranque da construção das novas linhas em bitola
ibérica, deveria ser acompanhada da apresentação dessa análise, esclarecendo se
cobre o período de amortização (eventuais benefícios de curto prazo não serão
ultrapassados por futuros prejuízos, dando razão ao provérbio “atrás do isco
vem o anzol”?) e se foram contabilizados os custos adicionais devidos às
caraterísticas das linhas existentes (maior consumo de energia, custos dos acidentes
em passagens de nível ou travessias pedonais, custos da demora em percursos de
passageiros e mercadorias devidos ao congestionamento).
Notar a contradição entre os regulamentos comunitários e o
projeto da linha Lisboa-Porto em bitola ibérica: os regulamentos preveem bitola
1435mm, integração na rede europeia e tráfego misto de passageiros e mercadorias,
extensíveis para estas a Sines e Leixões (eventualmente com vias de 3 carris
como em Espanha); o PFN prevê exclusividade do tráfego de passageiros privilegiando
o tráfego do litoral atlântico e deslocação do tráfego de mercadorias para as
linhas existentes. Igualmente prevê o PFN a partilha da linha Lisboa-Porto por
comboios regionais em bitola ibérica, desconhecendo-se se há garantias de que o
ERTMS ou uma solução STM venha a permitir o acesso de operadores estrangeiros,
o que aliviaria a necessidade de aquisição de comboios pelo incumbente nacional.
Aparentemente, o conservadorismo da bitola ibérica terá como
causa principal a inexistência de entidades distintas, contrariamente a Espanha
(ADIF convencional com gestão e orçamento independente da ADIF Alta Velocidade),
uma para a manutenção e gestão da rede
existente de bitola ibérica, a outra para estudos e desenvolvimento da rede de
alta velocidade. São perspetivas e objetivos diferentes, a primeira mais virada
para a coesão nacional, a segunda para as ligações internacionais, incluindo as
exportações.
Considerando que entre a decisão e a inauguração de uma
linha podem decorrer 7 a 10 anos, o adiamento da bitola europeia e do ERTMS
agravará cada vez mais o atraso na ligação à rede europeia dificultando a
acesso ao financiamento comunitário.
iV - Mais informação:
diferença entre as travessas
polivalentes e as travessas para 3 carris
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2019/11/da-ligacao-do-porto-de-sines-europa-por.html
documento técnico de suporte do manifesto Portugal, uma
ilha ferroviária?
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwenzfjzLz-uqN9PNRI
apresentação ao 10ºcongresso do CRP em jul2022 sobre as
redes TEN-T
https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwewRhhykTGy-BDVeEY?e=3jpMnm
as propostas de revisão do regulamento 1315
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewkTzOOWX0f-NKXRG?e=QkCRGG
consulta publica PFN 24fev2023
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewjpD7AMsgElqfUSH?e=kr6sWo
5th workplan Atlantic Corridor jul2022
ponto de vista jurídico nov2022
https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwewUlpHoTZtHNYjU1e?e=gglLFX
respostas Adina Valean 6mar2023 e 12jun2023
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewkLW_4CwSmeYUQqi?e=IKX6X9
https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/E-9-2023-001039-ASW_EN.html
processo de infração de mai2020 sobre segurança ferroviária
entrevista do presidente da
Medway
Freight: Medway takes on the trucks
| In depth | Railway Gazette International
repositório de informação sobre as ligações ferroviárias à
Europa
https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbweviVamDcu4_uspt3j?e=QYKc0R
comentários ao artigo sobre a bitola no Portugal Ferroviário
de jan2023
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2023/06/comentario-ao-artigo-no-portugal.html
Com os
melhores cumprimentos e votos de sucesso
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