quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Redes TEN-T em Portugal e Espanha de ligações ferroviárias interoperáveis à Europa

 Comentário a artigos e podcast em agosto de 2023 sobre a ferrovia:

https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2651/html/economia/temas/manifesto-portugal--uma-ilha-ferroviaria-seis-anos-de-luta-contra-a-bitola-iberica

https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2651/html/economia/temas/invasao-espanhola-uma-questao-de-tempo

https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2651/html/economia/temas/portugal-pede-700-milhoes-a-europa-para-linha-porto-lisboa

https://omny.fm/shows/expresso-money-money-money/vamos-mesmo-ter-comboio-de-alta-velocidade 


Caro Pedro Lima

 

Antes de mais, cumprimento-o pelos artigos informados sobre a ferrovia e o podcast de 23ago2023. É um assunto árido e sem atratividade para os leitores, mas é importante para o futuro da economia do país.

Pertenço ao grupo que em 2017 divulgou o manifesto Portugal uma ilha ferroviária? apelando ao cumprimento dos regulamentos comunitários que regem as redes transeuropeias de transporte TEN-T. De então para cá temos vindo a tentar mostrar aos governos e à IP a importância de um plano de implementação das ligações ferroviárias à Europa com plena interoperabilidade. Sem sucesso, e sucessivamente alvo de desqualificações, deturpações da nossa mensagem e argumentação (por exemplo, não queremos “migrar” a bitola da rede existente, queremos sim que as linhas a construir o sejam em bitola europeia conforme a regu8ulamentação comunitária e que a gestão da nova rede de bitola europeia, de alta velocidade e tráfego de mercadorias, seja independente da gestão da rede convencional ibérica, tal como se faz em Espanha).

Contando com a comunicação social para a divulgação da nossa posição, que julgamos defender a economia nacional e a competitividade das nossas exportações e atratividade de investimento estrangeiros, temos publicado alguns artigos de opinião sobre o tema, destacando a nossa participação em congressos da ADFERSIT e do CRP e em próximo debate promovido pela Ordem dos Engenheiros.

Junto no final desta comunicação uma lista de endereços onde pode ser estudada a nossa argumentação, embora requerendo algum tempo.

 

I - Sobre alguns aspetos dos seus artigos e do podcast, gostaria de fazer as seguintes observações:

1 – travessas polivalentes e travessas para 3 carris

Pareceu-me no podcast haver alguma confusão entre as travessas polivalentes (que permitem a circulação de comboios de uma bitola com os carris numa posição e, depois de a mudar, passam a permitir a circulação dos comboios da outra bitola) e as travessas para 3 carris (que permitem que a seguir a um comboio de uma bitola passe um comboio de outra bitola). Numa das ligações no fim da comunicação vem explicada a diferença entre estas travessas.

2 - Igualmente nos artigos e no podcast se aceita sem discussão  a afirmação de que será fácil a mudança nas travessas polivalentes, embora sem planear essa mudança (em engenharia, pese embora a “boutade” de Eisenhower,  devem fazer-se planos atempadamente, daí o referido manifesto ser acompanhado de um cronograma de construção da rede TEN-T em Portugal, como poderá ver numa das ligações no final).  

3 - duvida-se que a “migração” nas travessas polivalentes seja apenas 5% do custo inicial porque o regresso dum empreiteiro ao local da obra tem custos adicionais relacionados com os custos do estaleiro. Segundo estimativas em Espanha, a transição nas travessas polivalentes terá um rendimento de 1km por equipa de 17 trabalhadores e por turno. No caso de vias uma interrupção prolongada de tráfego será inevitável, agravada no caso dos viadutos da Évora-Caia, em que será necessário contruir novos pilares para a segunda via).

4 – efetivamente está em fase de aprovação uma proposta de revisão do regulamento 1315 já da autoria do Parlamento Europeu que, como a resposta da Comissária referiu, permite isenções e diferimentos que objetivamente são, do ponto de vista da normalização enquanto disciplina de engenharia, subterfúgios para iludir as diretivas.

5 - Se já não é possível concluir a linha Lisboa-Porto em 2030, ela deveria ser construída de raíz em bitola europeia para tráfego de passageiros e de mercadorias na perspetiva das ligações à Europa além Pirineus de Sines e de Leixões, e não na perspetiva do PFN de tráfego regional, pedindo-se mais uma isenção, dispensa, subterfúgio, flexibilização de datas-objetivo ou adiamento

6 - o art.16a da proposta do Parlamento referido pela Comissária propõe para os troços das redes TEN-T inaugurados com bitola ibérica a realização até 2 anos após a entrada em vigor do novo regulamento (eventualmente 2026) de uma avaliação da viabilidade da migração da bitola, e até 1 ano após essa avaliação (2027), um plano de migração. A avaliação incluirá uma análise de custos benefícios e avaliará o impacto na interoperabilidade e na continuidade da rede. Se a análise for negativa a Comissão poderá conceder uma isenção temporária dos requisitos da bitola 1435mm mas considerará aquele impacto e a coordenação com Espanha nos troços transfronteiriços.

7 – aparentemente, apesar da proposta de revisão definir claramente os requisitos e os aspetos normativos das redes transeuropeias, poderá sempre uma interpretação demasiado flexível obstar ao seu cumprimento, como aliás se depreende da confiança do senhor secretário de Estado em beneficiar dessa flexibilização através do financiamento dos 700 milhões do CEF para o troço Porto-Soure (estudos e projetos, ponte do Douro, expropriações?). Deverá porém considerar a hipótese de incorrer num processo de infração.

8 – sobre a afirmação do senhor secretário de Estado de que a bitola europeia não trará poupança de custos nem de tempo de viagem, convirá completar a ideia que esses benefícios resultam da uma linha nova construída segunda as normas (menores pendentes e raios de curvas maiores) que permitem menores consumos e maiores velocidades. A vantagem da bitola europeia resulta da normalização, facilitando a encomenda de material circulante normalizado e reduzindo o tempo de viagem nas ligações à Europa evitando o transbordo em Madrid, nos Pirineus ou, no caso das mercadorias, na plataforma de Vitoria (sintomática a entrevista do presidente da Medway à Railway Gazette em set2021:” It’s evident that I, as a railway operator, would like to have standard gauge. It would be much easier.”). Além disso, a existência de bitola europeia favorece a atração de investimento estrangeiro, como é exemplo Espanha e o seu corredor mediterrânico (Valencia), e o crescimento das exportações e a transferencia da carga rodoviária para a ferrovia (obviamente a longo prazo, mas temos de prepara cedo o futuro). São estas variáveis que devem entrar numa análise de custos benefícios completa.

9 – não parece suficientemente fundamentada a afirmação do senhor secretário de Estado de que a construção em bitola ibérica é a única solução que permite ter a linha Lisboa-Porto concluída em 2030 (aliás, inserir o troço Carregado-Lisboa, saturado com tráfego regional apesar de eventual quadruplicação, não é concluir a linha de alta velocidade em 2030).  Durante anos, a argumentação do governo e da IP foi de que a bitola não era um problema porque a tecnologia dos eixos variáveis (agora disponível para mercadorias apesar dos seus inconvenientes) permitia a mudança de bitola nos Pirineus. Agora somos acusados de querer uma ilha ferroviária de bitola europeia com Espanha ao lado com bitola ibérica (se continuarem a fazer cimeiras ibéricas em que o governo português foge ao cumprimento dos regulamentos europeus, obviamente que Espanha aproveitará paara canalizar o seu orçamento e o financiamento comunitário para as suas regiões de maior PIB como as do  Y basco e do corredor mediterrânico). Mas não é assim que se devem discutir os argumentos técnicos.

 

II - Resumo dos argumentos para fundamentação do cumprimento dos regulamentos europeus das redes transeuropeias TEN-T:

1 – a natureza dos regulamentos comunitários é vinculativa obrigando os Estados membros a cumpri-los sob pena de privação dos financiamentos comunitários e de sujeição a processos de infração

2 – o valor das exportações por modos terrestres para o resto da Europa é superior ao valor para Espanha apesar de em tonelagem ser o inverso. As ligações interoperáveis à Europa além Pirineus conforme os regulamentos estimulariam as exportações e o investimento estrangeiro

3 - a substituição das ligações aéreas Lisboa-Madrid por uma linha de alta velocidade reduziria substancialmente o desperdício energético inerente a viagens aéreas curtas. Note-se que as viagens aéreas são subsidiadas por uma isenção fiscal dos combustíveis

4 – a substituição do tráfego de mercadorias em linhas existentes com pendentes não conformes com os padrões da interoperabilidade por tráfego em novas linhas de caraterísticas normalizadas reduziria os custos do transporte da carga (especialmente na linha da Beira Alta)

É essencial um acordo com Espanha e a EU para a concretização dos corredores internacionais das partes portuguesa e espanhola das redes TEN-T, abandonando-se a política do governo  de pedir à Comissão Europeia isenções, flexibilizações e adiamentos.

 

III - Comentários à argumentação do governo e da IP:

O PFN e as comunicações do governo e da IP insistem na manutenção da bitola ibérica e não garantem uma data para a interoperabilidade do sistema CONVEL, impedindo o acesso de operadores estrangeiros, mesmo espanhois, enquanto não existir uma solução STM (adaptação das mensagens das balizas CONVEL ao controle de bordo).

A exceção do material circulante espanhol com eixos variáveis pode resolver situações temporariamente mas é objetivamente um obstáculo à concorrência.

A invocação pelo governo e a IP, de que uma análise de custos benefícios justificaria o arranque da construção das novas linhas em bitola ibérica, deveria ser acompanhada da apresentação dessa análise, esclarecendo se cobre o período de amortização (eventuais benefícios de curto prazo não serão ultrapassados por futuros prejuízos, dando razão ao provérbio “atrás do isco vem o anzol”?) e se foram contabilizados os custos adicionais devidos às caraterísticas das linhas existentes (maior consumo de energia, custos dos acidentes em passagens de nível ou travessias pedonais, custos da demora em percursos de passageiros e mercadorias devidos ao congestionamento).

Notar a contradição entre os regulamentos comunitários e o projeto da linha Lisboa-Porto em bitola ibérica: os regulamentos preveem bitola 1435mm, integração na rede europeia e tráfego misto de passageiros e mercadorias, extensíveis para estas a Sines e Leixões (eventualmente com vias de 3 carris como em Espanha); o PFN prevê exclusividade do tráfego de passageiros privilegiando o tráfego do litoral atlântico e deslocação do tráfego de mercadorias para as linhas existentes. Igualmente prevê o PFN a partilha da linha Lisboa-Porto por comboios regionais em bitola ibérica, desconhecendo-se se há garantias de que o ERTMS ou uma solução STM venha a permitir o acesso de operadores estrangeiros, o que aliviaria a necessidade de aquisição de comboios pelo incumbente nacional.

Aparentemente, o conservadorismo da bitola ibérica terá como causa principal a inexistência de entidades distintas, contrariamente a Espanha (ADIF convencional com gestão e orçamento independente da ADIF Alta Velocidade), uma  para a manutenção e gestão da rede existente de bitola ibérica, a outra para estudos e desenvolvimento da rede de alta velocidade. São perspetivas e objetivos diferentes, a primeira mais virada para a coesão nacional, a segunda para as ligações internacionais, incluindo as exportações.

Considerando que entre a decisão e a inauguração de uma linha podem decorrer 7 a 10 anos, o adiamento da bitola europeia e do ERTMS agravará cada vez mais o atraso na ligação à rede europeia dificultando a acesso ao financiamento comunitário.

 

iV  -  Mais informação:

diferença entre as travessas polivalentes e as travessas para 3 carris

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2019/11/da-ligacao-do-porto-de-sines-europa-por.html

documento técnico de suporte do manifesto Portugal, uma ilha ferroviária?

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwenzfjzLz-uqN9PNRI

apresentação ao 10ºcongresso do CRP em jul2022 sobre as redes TEN-T

https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwewRhhykTGy-BDVeEY?e=3jpMnm

as propostas de revisão do regulamento 1315

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewkTzOOWX0f-NKXRG?e=QkCRGG

consulta publica PFN 24fev2023

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewjpD7AMsgElqfUSH?e=kr6sWo

5th workplan Atlantic Corridor jul2022

https://transport.ec.europa.eu/transport-themes/infrastructure-and-investment/trans-european-transport-network-ten-t/atlantic-corridor_en

ponto de vista jurídico nov2022

https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwewUlpHoTZtHNYjU1e?e=gglLFX

respostas Adina Valean 6mar2023 e 12jun2023

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewkLW_4CwSmeYUQqi?e=IKX6X9

https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/E-9-2023-001039-ASW_EN.html

processo de infração de mai2020 sobre segurança ferroviária

https://www.jn.pt/nacional/bruxelas-abre-processo-de-infracao-a-portugal-sobre-seguranca-ferroviaria-12194029.html/

 

entrevista do presidente da Medway

Freight: Medway takes on the trucks | In depth | Railway Gazette International

repositório de informação sobre as ligações ferroviárias à Europa

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbweviVamDcu4_uspt3j?e=QYKc0R

comentários ao artigo sobre a bitola no Portugal Ferroviário de jan2023

http://fcsseratostenes.blogspot.com/2023/06/comentario-ao-artigo-no-portugal.html

 

 

Com os melhores cumprimentos e votos de sucesso

 



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