quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Pequena amostragem em 2 de janeiro de 2025 e ampliação do campo de visão da sinistralidade rodoviária


1 - Uma pequena amostragem do comportamento de alguns condutores de duas rodas 

 Moro na parte norte da cidade de Lisboa. Tive de me deslocar no dia 2 de janeiro a cerca de 20km a norte de Lisboa. Ao entrar numa das avenidas principais (4 vias, 2 em cada sentido, limitação a 30km/h, estacionamento fora da faixa de rodagem de anbos os lados; os gestores da coisa pública em Lisboa ignoram que avenidas principais só devem ter um sentido para reduzir o risco de colisões e respetivas consequências) deparou-se-me um cidadão em trotineta em contramão na via da direita.

200 metros depois, reparo que um ciclista se desloca alegremente no passeio do lado contrário, indiferente ao direito à tranquilidade dos peões que lá circulavam. Passo uma passadeira de peões e reparo pelo retrovisor que o ciclista a atrevessou também alegremente, indiferente ao Código da Estrada quando diz que os ciclistas só têm prioridade nas passadeiras com indicação  explícita para velocípedes. Penso, aliviado, que ele não se atravessou à minha frente.

500 metros a seguir, abrando no final da avenida porque vou virar à esquerda no entroncamento.O semáforo já está permissivo, não chego a parar e sou ultrapassado pela direita por uma scooter. Graças a uma decisão de há uns anos dos gestores da coisa pública, há apenas uma via para virar à esquerda, apesar da nova avenida ter duas vias por sentido. O que quer dizer que a distancia entre o automóvel e o duas rodas de 1,5 metros do código não foi cumprida por mim durante a ultrapassagem pela scooter. Só que... a via junto dos semáforos é limitada em largura por pequenas "ilhas" com lancil. Apesar de abrandar, estou muito perto do duas rodas quando o seu condutor verificou que a largura da via diminuiu ao chegar à "ilha", e alegremente atravessa-se à minha frente para concluir a ultrapassagem. Não contribui para a estatística de condutores de duas rodas vítimas dos automóveis porque travei a fundo.

De volta a casa, já de noite, noutra avenida principal, a cerca de 40 metros do semáforo, vejo que passou a permissivo. Mantenho a velocidade mas vejo um ciclista alegremente atravessar na perpendicular. Terá concluido que os 40m de distancia lhe davam tempo para passar. Calculou bem, mas não introduziu no cálculo um fator que deveria ser obrigatório pelo código, que será deixar uma margem de segurança em tempo ou em espaço.

Antes de abandonar a avenida, perto de casa, ultrapasso pela via da esquerda um ciclista que na via da direita circulava sem luz trazeira, sem luz dianteira, sem refletor trazeiro visível, por sujidade ou inexistência.

Observei também alguns comportamentos censuráveis em condutores de automóveis, essencialmente por desrespeito de limites de velocidade ou por mudança de via em fils de transito sem necessidade de mudar de direção, mas o tema principal deste texto é as duas rodas, quando a grande medida para redução da sua sinistralidade é a acalmia do transito automóvel através da melhoria das infraestruturas do transporte coletivo e das vias de comunicação com segregação de tráfegos. 


2 - Ampliando o campo de visão para o tema de sinistralidade rodoviária

Escrevi o que antecede 2 dias depois do relatado. Entretanto consultei a estatística da ANSR (Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária),  da UE, e da  FARS  (Fatality Analysis Reporting System) dos USA :

ANSR

http://www.ansr.pt/Noticias/Pages/Seguran%C3%A7a-Rodovi%C3%A1ria--Balan%C3%A7o-de-2024.aspx

http://www.ansr.pt/Estatisticas/RelatoriosDeSinistralidade/Pages/default.aspx

http://www.ansr.pt/Estatisticas/RelatoriosDeSinistralidade/Documents/2023/Relat%C3%B3rio%20Anual%20de%20Sinistralidade%20a%2024h,%20fiscaliza%C3%A7%C3%A3o%20e%20contraordena%C3%A7%C3%B5es%20rodovi%C3%A1rias%202023.pdf

UE

https://transport.ec.europa.eu/background/road-safety-statistics-2023_en


USA

https://www.nhtsa.gov/research-data/fatality-analysis-reporting-system-fars

https://crashstats.nhtsa.dot.gov/#!/PublicationList/19


Não pretendo encontrar culpados nem atribuir a grupos específicos a responsabilidade pela gravidade da sinistralidade rodoviária. Aliás, o objetivo de um inquérito a um acidente deve ser a de aproximar-se o mais possível das circunstâncias e causas do acidente e, medindo a gravidade das suas consequências e a probabilidade de repetição, produzir e divulgar as recomendações para evitar acidentes ou pelo menos, limitar o risco (produto da probabilidade de ocorrência pela gravidade das suas consequências). 

Retiro os seguintes elementos das referidas estatísticas:

  • do relatório dos USA:

- dum total de 1335 fatalidades de ciclistas em 2022 (total de vítimas mortais na estrada em 2022 40.990 para uma população de 330 milhões) , 88% ocorreram em colisões com a frente dos veículos automóveis (provável maioria por atropelamentos no mesmo sentido), 5% com o lado direito destes , 2% com o lado esquerdo e 0,6% com a retaguarda. Os 5% indiciam que será por ângulo morto associado a viragem do veículo automóvel à direita e os 2% à esquerda, em situação de aproximação ou ultrapassagem pelo velocípede. Confirmada a justeza do Código da Estrada que interdita a ultrapassagem pela direita nas filas de traansito

  • do relatório da UE :  
           -   pelo indicador nºvítimas mortais em acidentes de estrada por milhão de habitantes, Portugal é o 5º pior da UE em 2023: 61 vítimas mortais por milhão de habitantes; média da UE 46; Suécia 22; Espanha 36, Bulgária 82 . Notar que o critério da UE é a contabilização de mortes a 30 dias, enquanto para a ANSR o critério é de mortes a 24h  (estima-se um fator de 1,3 entre os dois critérios)

- quadro comparativo das mortes por tipo de veículo e por país

 

Estatística  UE   2022  por país -  vítimas mortais

 

 

peões

 
Ciclistas
     

      A

Mopeds
(ciclomotor c/pedais)       

        B

Soma cicl.+mop
 

       C

 
Motos
 

     D

Soma duas rodas

 C+D

 

 autos

Portugal

107

31

35

66

140

206

211

Espanha

348

81

36

117

401

518

681

Grécia

95

14

21

35

214

249

226

Total UE

3715

2015

540

2555

3361

5916

9210


 

          - matriz com as vítimas mortais por colisão entre veículos por tipo para o conjunto da UE

     verifica-se que cerca de 26,6% das vítimas mortais em acidentes de bicicletas e de ciclomotores (duas rodas com pedais e motor de potencia inferior a 4kW) não foram consequência de colisão com outro veículo ou peão; a percentagem sobe nas vítimas em motos e automóveis para 38% e 44% respetivamente;
                   64,5% das vítimas mortais em bicicletas e mopeds resultaram de colisões com automóveis ou pesados;
                   4,6% das mortes em peões foram por atropelamento por duas rodas, o que embora seja uma percentagem pequena quando comparada com os atropelamentos por automóveis, não é tolerável


  • do relatório da ANSR :
 - quadro com as vítimas mortais a 24h por modo de transporte em Portugal continental em 2003 (cf.pág.28)

Assinale-se a gravidade destes números, nomeadamente para peões, duas rodas e automóveis ligeiros


- quadro com as vítimas mortais por tipo de veículo e estimativa exterior à ANSR de passageiros.km:
 Assinale-se a gravidade do indicador da sinistralidade para os ocupantes dos automóveis ligeiros e a elevadissima gravidade para os veículos deduas rodas
           


3 - Quadro comparativo de modos de transporte com fatalidades em função dos passageiros.km segundo o Statistical pocketbook de 2012 da DG MOVE ( Transporte em números)


A DG MOVE publicou em 2012 um anuário estatístico, "Statistical pocketbookTransportes em números",  com boa soma de indicadores dos diferentes modos de transporte. Recolheu dados para cada país e pars a UE incluindo vítimas mortais e os passageiros-km para cada tipo de transporte. Pena não ter indo atualizando os dados segundo a estrutura do pocketbook (ver o relatório da segurança em 2023 na ligação no ponto 2). Notar que as vítimas mortais são a 30 dias e não a 24h como nos relatórios da ANSR. Na ferrovia não foram contabilizadas, o que julgo incorreto, as mortes em passagens de nível ou por atropelamento.

- quadro com os passageiros-km  (em mil milhões) na UE em 2010 por tipo de veículo (cf.pág.46):


- quadro com as vítimas mortais por mil milhões de passageiros-km (cf.pág.104):
 



  4 - Sugestões:
 
Independentemente das estratégias adotadas pela UE e pelos países para redução da sinistralidade, parece essencial implementar as seguintes medidas:
      • investigação exaustiva das circunstâncias e causas em que ocorrem os acidentes, com a cooperação das universidades, imprensa técnica  e associações profissionais, e divulgação pelos meios de comunicação social com conferências de imprensa nos casos de maior impacto 
      • campanha de sensibilização pública nos meios de comunicação social com carater obrigatório de divulgação dos comportamentos corretos evitando imagens "que só acontecem aos outros" mas explicando claramente as causas dos acidentes
      • aperfeiçoamento contínuo do Código da Estrada com edições periódicas divulgadas pela comunicação social, nomeadamente repondo a obrigatoriedade do capacete de segurança nas bicicletas 
      • elaboração de estudos prévios para expansão das zonas de limitação de velocidade e de partilha e coexistência, e construção de vias segregadas para modos suaves e veículos autónomos a pedido
      • emissão atempada dos relatórios de sinistralidade  com vítimas a 30 dias, nomeadamente por tipo de veículo e com a matriz de colisões
      • emissão, em colaboração da ANSR com o GPIAAF da estatística por tipo de veículo com vítimas mortais por mil milhões de passageiros-km, melhorando progressivamente a estimativa dos percursos por tipo de veículo e comparando com os modos ferroviário e aéreo

       





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