sábado, 24 de maio de 2025

Salamandrização à portuguesa, os métodos eleitorais - atualização conforme os resultados finais das legislativas de 18 de maio, conforme o DR de 31 de maio de 2025

 

Só quando a hipocrisia
Cair do seu pedestal
Nascerá, dia após dia,
Um Sol, para todos igual.

                                                                                                                   António Aleixo  



RESUMO DO COMENTÁRIO ÀS ELEIÇÕES DE 18 DE MAIO DE 2025 APÓS OS RESULTADOS FINAIS CONFORME O DR DE 31 DE MAIO


Considera-se inaceitável a desigualdade do valor de votos entre os votantes nos diferentes partidos resultante da falta de proporcionalidade do sistema eleitoral existente de 22 circulos. 

São exemplos demonstrativos desta desigualdade, que se julga merecer a atenção do Tribunal Constitucional e da PGR:

  •  o número de votos por partido necessário para eleger um deputado
                           
  •  o nº de votos expressos válidos inúteis, que não elegeram deputado, em partidos com mais do que 19000 votos (0,3% do total de votantes):       
                                                       524786    (8,7% dos votos expressos válidos)



1 - ANÁLISE DOS RESULTADOS ANTES DE CONHECIDOS OS RESULTADOS DA EMIGRAÇÃO


Depois das eleições legislativas de março de 2024 reuni um conjunto de pareceres de vários autores sobre a representatividade dos mandatos obtidos pelo método oficial de conversão de votos em mandatos. 

Trata-se do método de Hondt que consiste em obter para cada partido uma série de quocientes (divisão por 1-2-3-4-5- etc) com o número de votos que o partido recebeu em cada círculo em dividendo e depois ir selecionando por ordem decrescente os quocientes de todos os partidos convertendo-os em mandatos até atingir o número de deputados pelo círculo. 

O método de Hondt gera uma proporcionalidade razoável, mas num sistema como o nacional com 18 circulos os pequenos partidos não conseguem eleger representantes nos circulos mais pequenos gerando-se quantidades elevadas de votos inúteis que não elegeram deputado, convidando os respetivos eleitores a absterem-se em próximas eleições. 

O assunto da representatividade proporcional pode resolver-se razoavelmente reduzindo os 18 circulos do continente mais os 2 circulos das ilhas a um único circulo (eventualmente juntando 1 único circulo de emigração) . Em alternativa, mantendo os 18+2 circulos e reduzindo a 1 circulo único para a emigração, adicionar um circulo de compensação como no sistema eleitoral da Assembleia Regional dos Açores (com a diferença por exemplo de reservar 215 deputados para os 18 circulos do continente, mais 5 deputados para os Açores, mais 6 deputados para a Madeira, mais 4 deputados para a emigração . E aproveitando eventualmente para criar uma segunda câmara de eleição uninominal, compensando a desproporcionalidade deste com o método preferencial (análogo ao método da Eurovisão, baseado no método do matemático Borda que Napoleão rejeitou liminarmente como qualquer político prepotente e convencido da sua superioridade, com a agravante de ter conhecimentos de matemática).

O meu modesto trabalho sobre as eleições de 2024 pode ser visto em

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2024/04/a-proposito-dos-resultados-eleitorais-e.html

Como referido, o sistema eleitoral não satisfaz os requisitos da Constituição, uma vez que não respeita a propocionalidade, estabelecendo uma desigualdade chocante entre cidadãos que votaram diferentemente. Por exemplo, nessas eleições o PAN obteve mais do que 126.000 votos e teve apenas um mandato, o ADN com 100.000 votos não teve nenhum deputado, enquanto houve um deputado de um circulo da Madeira eleito com pouco mais de 14.000 votos. Isto é, contrariamente aos artigos 13.2 e 48.1, há privilégios de uns relativamente a outros e obstáculos à participação na vida política.

Dizem os apoiantes dos grandes partidos que é para garantir a governabilidade. Discordo, governabilidade é ter legitimidade para poder governar, o que não é o caso por o sistema contradizer claramente a Constituição, quando determina no artigo 149.1 a representação proporcional. Governabilidade consegue-se em países em que não há maioria absoluta com critérios civilizacionais de entendimento entre partidos diferentes.

Nestas condições, ignorando eu toda a eventual jurisprudência que se tenha construido ao arrepio da Constituição para justificar o método eleitoral, só posso reivindicar o direito de liberdade de expressão para considerar inconstitucional a lista de mandatos das eleições de 18 de maio de 2025.

Sobre estas eleições remeto para o site de Luis Humberto Teixeira  (ICS-UL)   https://omeuvoto.com/  referindo o trabalho de Henrique Oliveira (IST), e  para o artigo do Público  de Liliana Borges  https://www.publico.pt/2025/05/21/politica/noticia/legislativas-976-votos-lixo-be-prejudicado-2133735 

Segundo as minhas contas (poderá fazer-se uma discussão académica se devemos contar os votos em branco e nulos para calcular o número de votos médio por deputado), o valor médio foi de 26396 votos. Mas 1 dos 3 deputados do PPD/CDS/PPM do circulo da Madeira, beneficiando da concentração de votos no seu circulo, foi eleito com 12293, enquanto a única deputada do PAN precisou de 80857 votos e a deputada do BE de 119211. [ correção após resultados finais de 31 de maio incluindo emigração: valor médio 27478 votantes por deputado; deputados do PPD/CDS/PPM 12295 votos/deputado; deputada única do PAN 86930 votos; deputada única do BE 125808 votos; votos recebidos pelo ADN 81660 sem representação parlamentar; deputado único do JPP 20900 votos ].  Se isto é proporcionalidade ...

Estimo mais de 580.000 votos inúteis que não elegeram ninguém devido à dispersão dos circulos no sistema oficial. Que seriam reduzidos a cerca de 113.000 votos (contando os votos nos pequenos partidos muito inferiores ao valor médio de votos  por deputado) com um circulo único (ver no quadro 1  Excel) ou com um circulo de compensação (ver no quadro 2 Excel).  [  ver atualização dos votos inúteis e dos quadros Excel na ligação a seguir ao PS2 mais abaixo].

Julgo que não serão precisos mais exemplos para evidenciar a necessidade de redução do numero de circulos, sugerindo a redução a circulo único ou pelo menos uma aproximação à geografia das NUT II, ou a criação do circulo de compensação. Curiosamente, obtive o mesmo número de deputados no caso do circulo unico e do circulo de compensação (Nota: antes dos resultados dos circulos da emigração). Utilisei o simulador do MAI:  https://www.sg.mai.gov.pt/AdministracaoEleitoral/MetodoHondt/Paginas/default.aspx


Quadro  1 - comparação do número de deputados eleitos por partido (antes dos resultados de emigração) do sistema oficial, do circulo único e do circulo de compensação.   Ver em





Quadro 2 - Escolha dos quocientes para compensação, substituição dos 20 piores quocientes que o sistema oficial convertera em mandatos a azul, pelos 20 melhores quocientes não convertidos em mandatos a amarelo                 (ver em         
https://1drv.ms/x/c/1ebc954ed8ae7f5f/EYwb7MF6PKJLgvQ1nQwG8asBGGoi4-eSXAY5zuYizkoCeA?e=UMRAJD )

PS 1- Salamandrização significa, em termos eleitorais, o desenho geográfico artificioso dos circulos eleitorais de modo a favorecer os partidos que tinham poder para desenhar essas salamandras eleitorais em função das moradas dos eleitores respetivos. O termo teve origem no século XIX nos USA, julgo que para os lados da California, porque os desenhos dos circulos no mapa pareciam salamandras. Coisa parecida com a repartição de territórios por grandes operadoras de telecomunicações, prática teoricamente condenada pelas regras do mercado livre e simétrico, como aconteceu no princípio do século XXI, também para os lados da California.

    PS 2 -  Falando-se de momento em revisão constitucional, conviria analisar-se as hipóteses de melhoria da proporcionalidade do sistema eleitoral. Possivelmente seria suficiente mudar a lei eleitoral. Mas relativamente ao número de deputados, quem já teve algum contacto com as comissões parlamentares sabe que reduzir o número de deputados prejudicará o serviço público, coisa que quem defende a necessidade de reformas deverá ter em consideração. Evidentemente que, como em qualquer empresa que deseje apresentar resultados e que tenha um sistema de controle mútuo de qualidade, o trabalho dos deputados deve ser monitorizado. Pelo que as entidades com essas funções deverão ter as competências pluridisciplinares para isso, incluindo preparação académica. Uma hipótese seria a referida no texto segunda câmara de eleição uninominal ou preferencial  ter essa função fiscalizadora, mas será um tema complexo e controverso a discutir em sítio próprio.




2 - ANÁLISE DAS ELEIÇÕES CONFORME OS RESULTADOS FINAIS DO D.R. DE 31 DE MAIO DE 2025


Ligação para os resultados finais conforme o DR de 31 de maio de 2025 (no calendário que aparece clicar no dia do DR):

Abaixo uma ligação para 3 quadros Excel com os resultados finais do DR de 31 de maio incluindo emigração : 
Quadro 3 - Resumo comparativo do sistema oficial com redução a circulo único, com circulo de compensação, com redução a 6 circulos) e cálculo de votos inúteis; 
Quadro 4 - cálculo de mandatos para o circulo único e de mandatos com circulo de compensação substituindo os 20 piores quocientes a que foram atribudos mandatos pelos melhores quocientes sem prévia atribuição de mandato (curiosamente, a distribuição de deputados é a mesma nos dois casos, circulo único e com circilo de compensação); 
Quadro 5 - mandatos calculados para a redução a 6 circulos (curiosamente, o número de deputados do PS ultrapassa o número de deputados do Chega)


Quadro 3 - comparativo do sistema oficial com redução a circulo único, com circulo de compensação, com redução a 6 circulos) e cálculo de votos inúteis


O quadro 3 compara o número de deputados do sistema oficial com as variantes circulo único, com circulo de compensação e com redução a 6 circulos. É evidente a melhoria da proporcionalidade à medida que se reduz o número de circulos, diminuindo o número de votos perdidos sem eleger deputado (também se conseguiria isso aumentando por exemplo para 250 deputados, como antes da revisão de  1997, com os respetivos custos). 
No caso do sistema oficial, estimei 600 mil votos perdidos sem eleger deputado (ou 525 mil se não contarmos os votos em partidos pequenos com votação inferior a 0,3% do total de votantes). 
É um convite à abstenção
No caso de circulo único ou adoção de um circulo de compensação estimei cerca de 125 mil votos perdidos (51 mil descontando pequenos partidos). No caso de redução a 6 circulos estimei 242 mil votos perdidos (167 mil descontando os pequenos partidos).  

                        Quadro 4  - Determinação para circulo único e para circulo de compensação



                            circulo Norte                                                             circulo Centro

                           circulo Lisboa e Sul                                                   circulo Açores

     
   
                              circulo Madeira                                                    circulo Emigração

Quadro 5 - determinação de mandatos para 6 circulos: Norte-Centro-Lisboa e Sul - Açores - Madeira - Emigração


Confesso que, por mais importante que seja distinguir, como na escolástica medieval, uma regra jurídica de um princípio jurídico, a proporcionalidade deve sobrepor-se à governabilidade como entendida pelos opositores da correção da lei eleitoral.

Como já referi, não parece necessário, pese embora a minha ignorância em jurisprudência, rever a Constituição para alterar a lei eleitoral que já em 2018 Nuno Garoupa clssificava como inconstitucional

Parece-me sim que a Constituição impõe a alteração da atual lei eleitoral, sem prejuízo de manter a atribuição de mandatos do D.R. de 31 de maio, mas suscitando, quanto a mim, eventuais questões que o Tribunal Constitucional possa levantar sobre a constitucionalidade de decisões do XXV Governo ou da nova Assembleia da República. 

Sei que a ideia da governabilidade é importante para muitas pessoas, mas mesmo com o sistema atual, não proporcional devido aos 18 circulos, não foi possível atingir nas eleições de 18 de maio uma maioria absoluta que corresponderia ao conceito de governabilidade dessas pessoas, ou seja, parece-me difícil esse conceito sobrepor-se aos artigos:
  • 13:  Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas ...   
(sendo certo que ter um voto mais valioso do que outro cidadão é um privilégio discriminatório)
  • 48: Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.
(sendo certo que este é um assunto ideal para uma participação direta dos cidadãos, por exemplo com a criação de circulos uninominais com candidatos extra partidos, ou através de petição que se sabe ter sido arquivada na AR, sem prejuízo evidentemente de debate com os deputados eleitos).
  • 113: A conversão dos votos em mandatos far-se-á de harmonia com o princípio da representação proporcional;
  • 149: Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respetiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos;
  • 288: As leis de revisão constitucional terão de respeitar ... o sistema de representação proporcional.

Para além da correção do sistema eleitoral, será desejável corrigir o sistema de votação pelo menos da emigração com o voto eletrónico (inadmissível a taxa de votos nulos, 115832 para o total de 355018 votantes, é mais um convite à abstenção). Mais uma vez cito o caso da Estónia que resolveu atempadamente (2007) os problemas de cibersegurança e que no âmbito da União Europeia poderia prestar assistência. Convirá também rever o número de deputados que melhor corresponda aos eleitores inscritos  ( 1584722), embora sem a proporcionalidade do território continental e das ilhas.

Outro assunto a resolver mediante debate alargado será a referida criação de uma segunda câmara por votação uninominal ou simplesmente criação de alguns circulos uninominais embora com limites porque o sistema uninominal reduz a proporcionalidade.

Com tantos problemas para resolver no país e sob a pressão do contexto internacional, estou pessimista, mas pode ser que se consiga avançar na correção de uma inconformidade constitucional. Que pensarão disto o Tribunal Constitucional e a PGR?



PS - Amável oponente rcordou-me que no sistema eleitoral alemão é exigido que os partidos representados no Parlamento tenham tido pelo menos 5% dos votos válidos em todo o país e portanto não seria de estranhar recusar a entrada de partidos com 300.000 votos em todo o país (cerca de 5% dos 6 milhões de votos expressos válidos) . 
Sem querer desvalorizar a qualidade do sistema alemão, até porque tem uma segunda câmara de eleição uninominal de candidatos não obrigatoriamente de partidos, o que torna as duas situações não comparáveis, a probabilidade de entre os 5% rejeitados estarem  cidadãos com capacidade e habilitações para trabalho parlamentar válido e útil ao país pode ser significativa. Além disso, a experiência demonstrou que em Portugal não existe o risco de fragmentação do Parlamento, uma vez que os partidos não conseguem eleger deputado com menos de 20.000 votos no total do país (cerca  de 0,3% do total de votos expressos válidos) devendo prevalecer o princípio e o direito constitucionais de igual valor do voto, de aproximação do valor médio de total de votos (apx.6 milhões) por número de mandatos (230), ver Quadro 4 .


















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