Na morte de Urbano Tavares Rodrigues, reproduzo o poema que Manuel Alegre lhe dedicou:
No dia 9 de agosto de 2013 houve uma vaga de calor.
De certo modo ele morreu dentro de um seu romance
Não foi noticia de abertura.
Os telejornais mostraram mulheres gordas em Carcavelos
e um sujeito pequenino
(parece que ministro)
a falar de "cultura política nova"
Mais tarde este dia será lembrado
como a data em que morreu Urbano Tavares Rodrigues
e reproduzo novamente o pequeno texto que retirei de uma crónica antiga de Urbano Tavares Rodrigues no Diario de Lisboa (pedindo desculpa, por o recorte do jornal já não estar em boas condições, por não poder garantir a fidelidade das ultimas frases), mostrando o seu humanismo ("se os mais atingidos quase não ousam queixar-se") e o papel que os intelectuais podem desempenhar na sociedade em seu benefício:
Tenho um complexo de culpa, sim, eu sei.
Desde quando? porquê?
fui censurado em pequeno e até castigado,
reprimido pela mãe, como quase todos os catraios,
e tive remorsos da minha origem burguesa,
de comer e beber bem, mais tarde vestir-me "com decencia",
e até às vezes com excentricidade cara,
num país de nus, tinhosos, sebentos, deformados pela santa e cega lei.
Não suporto mais e os nervos já não aguentam.
Nunca roubei, só minto em legítima defesa.
Terei sido infiel sensualmente, mas não nos meus afetos
Porquê então este meu volumoso e incómodo complexo de culpa?
A consciencia sempre me pesou, por tudo, por nada;
devo pertencer ao género dos previamente culpados por natureza.
Daí tambem o meu desprezo pelos oportunistas e pelos moralistas das falsas composturas,
das mortes ordenadas, dos milhares de existencias que diariamente espezinham, esfarelam.
Se essas formas de ascensão deixassem marcas.
Mas não deixam.
Nem eles têm, no geral, complexos de culpa.
Paciencia! Se os mais atingidos quase não ousam queixar-se!
Se falamos quase sem eco!
É certo que na hora certa, todos nós, intelectuais, estaremos no local certo.
E espero então libertar-me, um pouco que seja, deste complexo de culpa!
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