domingo, 4 de agosto de 2013
Y2T
Recordando, sem nenhum motivo especial para isso, apenas recordando:
Y2T é uma sigla que significava “year two thousand” (ano 2000). Mais precisamente significou a grande preocupação e o conjunto de medidas tomadas para prevenir os riscos do colapso da informática e dos sistemas computorizados na transição do ano 1999 para o ano 2000. No início do verão de 1999 encontrei no meu computador uma informação do colega da informática com um pedido de participação numa reunião para debate das medidas a tomar para prevenir os riscos. Algures nos USA um guru informático tinha desencadeado no seio da NASA e das agencias de segurança norte americanas um alerta e um programa de prevenção. Todas as grandes empresas o seguiram na preocupação que se propagou por todo o planeta. Que as bios dos computadores não reconheceriam a nova data 00 por não estar na sequencia crescente e que tudo poderia parar, desde os sistemas controladores do tráfego aéreo, aos GPS e aos PC domésticos. O objetivo da reunião promovida pelo meu colega informático foi o de identificar todos os sistemas e todos os serviços que poderiam ser afetados, bem como pedir aos respetivos colaboradores informações para elaborar uma “fita de tempo” desde a preparação das medidas mitigadoras até ao instante mágico da passagem de 1999 para 2000 e aos momentos seguintes. O meu colega não deve ter gostado, e eu digo que não deve ter gostado porque é uma pessoa bem educada e não deu mostras disso. Eu fui dizendo que iria comunicar a todos os fornecedores a necessidade de apresentarem um plano de intervenção para aplicação de medidas preventivas e mitigadoras, mas que não tinha nenhuma expetativa de que os computadores, que para fazerem um coisa ou para deixarem de a fazer têm de ser programados para isso, e que se se engasgam por duvidas numa linha ou numa subrotina voltam a funcionar após um reset,(nem que tenha de se alterar a data-hora), criassem algum problema na transição. Não foi só o colega informático que não aceitou os meus argumentos. Ter-se-is criado um clima de dependência dos computadores assente no desconhecimento do seu funcionamento que suscitou o receio geral. E depois do receio ter-se-á passado para o nível de quase pânico. Como não sabemos como funciona o sistema controlador aéreo, o mais certo é os aviões ficarem impossíveis de controlar, e então teriam de ficar todos no chão, mas isso iria entupir as pistas dos aeroportos. Ou então, o fornecimento de energia elétrica, que depende dos computadores para as ordens de comando e despacho, iria falhar. Logo, fizeram-se ensaios de operacionalidade do velhinho gerador diesel que tinha deixado de funcionar desde que a EDP tinha garantido vários pontos de alimentação da rede interna do metro (falhando um ponto de acesso, por manobras da própria rede interna seria possível alimentar toda a rede de comboios). Alugaram-se geradores para eventual alimentação alternativa das áreas de gestão. O próprio presidente da administração tornou-se um entusiasta Y2T e convocou-nos a todos para um gabinete de crise durante a transição. Eu fui ainda dizendo que os receios se apoiavam na velha querela de quando muda o século, se de 1999 para 2000 se de 2000 para 2001, e que os pobres computadores se manteriam alheios à disputa por não terem sido programados para isso. Bem explicou o professor Hermano Saraiva, na televisão, que uma década começa em 1 e vai até 10, começando a nova década em 11. Mas a teoria da bios do guru da NASA ganhou cada vez mais consistência. Foram assim alterados os programas de passagem do ano e lá nos concentrámos junto da sala de comando de operações do metropolitano, com a corte da administração reunida na sala de crise , como previsto no protocolo do guru e na fita de tempo do meu colega informático. À medida que o movimento de rotação da Terra ia aproximando de nós, desde o Pacifico, a passagem da meia noite , e que nenhum avião, dos poucos que se afoitaram, tinha caído, nem a alimentação de energia tinha falhado, a ansiedade foi-se dissipando. Quando chegou a nossa vez os comboios continuaram a andar (é por isso que eu discuto com os meus amigos delegados sindicais quando fazem greve – é um ponto de honra do metropolitano os comboios não pararem quando outros serviços param; quando há necessidade de se fazer uma greve, e infelizmente há muitas vezes, deveriam privilegiar a greve de zelo, informando os passageiros de que poderá haver algum atraso para que sejam relembradas, através da instalação sonora, as regras de segurança nas deslocações de metro, a exemplo do que se faz de cada vez que se entra num avião e se é brindado com uma demonstração de segurança), a iluminação não tremeu, os computadores não entraram em “crash”. Meio desanimado, mas ao mesmo tempo aliviado, o presidente deu ordem de regresso a casa ainda antes das 2 da manhã. Evidentemente que ninguém criticou o meu colega informático. Tinha feito o que lhe competia aplicando o principio da precaução. Um ano depois, na manhã do dia 2 de Janeiro de 2001, o meu jovem colega dos sistemas de sinalização ferroviária telefonou-me. -“Sabe? estivemos parados no parque de material e oficinas da meia noite às duas da manhã da madrugada de dia 1. Atrasámos a recolha das composições. Os maquinistas zangaram-se connosco por irem para casa mais tarde, logo na noite da passagem do ano. Mas o tempo de paragem foi o de descobrir que o gravador/registador das manobras, que até é um equipamento auxiliar, tinha encravado porque a data estava alterada. A data-hora estava em 1999 em vez de estar em 2000 quando chegou a meia noite. E foi assim que, um ano depois do momento de crise, se verificou que afinal havia motivos para algum receio e que num sistema ferroviário deve sempre aplicar-se o princípio da precaução.
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