Júlio Verne devia ser mais bem estudado. Com uma boa formação técnica, conseguiu uma obra literária vasta e de interesse.
Um (ou vários?) dos seus livros trata a figura do Dr Ox, que tinha descoberto um método de tornar eufóricas as pessoa e levá-las a fazer disparates.
Tratava-se de aumentar sub-repticiamente o teor de oxigénio na atmosfera, enquanto a euforia e a irresponsabilidade tomavam conta das pessoas.
Não tenho provas nem indícios de que um ou vários doutores Ox andem pelo país, pela Europa, pelo norte de África, pelos USA, por aí fora, sem que nos apercebamos de que se lembraram de um método não detetavel equivalente ao aumento do teor de oxigénio.
Não há evidencias, de facto, mas muito do que se vê ou ouve é como se fosse mesmo verdade.
Por exemplo, num programa de televisão a propósito dos custos com as auto-estradas, um empresário da banca de sucesso criticou asperamente (e com razão, quanto a mim) as privatizações da EDP e da REN. Contudo, o próprio tinha sido beneficiado, para o seu banco, por uma privatização ingénua e infeliz, com uma venda pelo Estado de 40 milhões de euros depois de uma injeção de capitais públicos de 600 milhões de euros e antes de uma “transferência” de 100 milhões do Estado para o banco depois de privatizado (parece que coisas de dividendos, não percebi bem).
Isto sem falar que o tal banco era um “bad-bank” (notável criação de engenhosos economistas financeiros - apenas um esclarecimento: de acordo com a teoria, os "bad-bank" não se vendem, mas os nossos práticos acharam por bem vender) também ingénua e infelizmente separado da parte lucrativa da sociedade geral de que era propriedade, a qual continua a distribuir dividendos aos seus anteriores acionistas.
Mas é facto que não foi possível detetar no estúdio de telvisão nenhuma alteração do tipo da do Dr Ox de Júlio Verne.
Alem de que fiquei grato ao comentador por ter explicado que o investimento inicial nas auto-estradas teve justificação, tendo-se atingido porem o limiar de saturação das melhorias dos custos de transação para os clientes das auto-estradas (ou rapidamente se ter atingido o ponto dos rendimentos decrescentes).
Males de uma pequena e dependente economia como a nossa.
Noutro programa de televisão, a propósito da promiscuidade entre o setor financeiro e o poder politico, um senhor de gravata explicava que o novo ministro dos negócios estrangeiros sempre teve uma conduta irreprensível, quer no caso da compra e venda de ações da tal sociedade do banco que é alvo de injeções de capitais públicos (aliás, tal como o atual presidente da Republica portuguesa que também comprou e vendeu ações com lucro assinalável e dificil de alcançar por quem não fosse das relações do presidente do banco).
Infelizmente para o senhor engravatado, o moderador do programa lembrou que o senhor ministro tinha tido um comportamento pouco ético (não ilegal) em questão tornada pública há quase 20 anos.
Que não, que o senhor ministro sempre fora irrepreensível.
Foi quando o moderador informou que tinha sido ele, o moderador, a fazer a investigação em 1995 e que tinha apurado comportamento pouco épico entre gabinetes de advogados. Coitado do senhor engravatado, que cara de frustração que fez.
Mas ainda aqui nada de anormal na atmosfera do estúdio.
Num artigo de jornal, faz-se uma descoberta extraordinária: que o negócio dos “call centrers” tem sido ótimo para as contas portuguesas porque Portugal agora é um país desenvolvido com mão de obra qualificada e barata.
Afinal Manuel Pinho tinha razão quando disse na China que a mão de obra era barata e concretizou-se a anedota do revolucionário esquerdista que a seguir ao 25 de abril de 1974 se gabou na Suécia de que em Portugal tinham acabado os ricos, ao que o sueco respondeu que na Suécia tinham acabado os pobres.
E eu que pensava que o objetivo da economia era nivelear por cima, pelos paises desenvolvidos, mas isso terá sido antes da escola de Chicago ter descoberto a mina de ouro de ir cortando nos rendimentos do trabalho.
Parece que a grande vantagem é a rede de fibra ótica em Portugal que facilita a instalação dos servidores necessários (e pensar que que se critica tanto o investimento noutras áreas, quando os investimentos são mesmo assim, quer de iniciativa pública quer de iniciativa privada, uns dão outros não, vá-se lá saber porquê).
E que não são só os call centers, são o outsourcing.
As empresas pagam a recibo verde e só têm de dar formação, por exemplo, com o catálogo de intervenções na rede informática de uma empresa de prospeção de petróleo.
Penso por momentos que uma das causas ou circunstancias do acidente da plataforma petrolífera no golfo do México foi ela estar em e-drilling, a partir do centro de operações do Texas, com poucos técnicos qualificados a bordo. Mas isto são pensamentos de um técnico da escola clássica, ciosos do “know how” detido pela própria empresa nas frentes de trabalho (com maiores custos de pessoal, claro, mas menos probabilidade de acidententes).
Não consta que pela redação do jornal tivesse passado o Dr Ox.
Ou ainda noutro programa de televisão, o lamento de um antigo secretário de Estado por terem sido extintos o gabinete de estudos e a escola superior de administração pública (afinal a tarefa de minimizar o Estado não é só do atual governo, esta extinção já foi há mais de 10 anos).
Tem uma certa lógica, estrangular não só a parte estrutural da administração pública, mas também o seu cérebro.
O organismo que devia ser a comunidade organizada para defender e exercer os seus direitos fica assim em estado comatoso, à espera que a iniciativa privada tome conta de tudo o que dê lucro sem oposição ou com o apoio de técnicos medíocres (raramente é falada no nosso país a época dos barões ladrões, quando os principais grupos económicos dominaram sem regras a economia dos USA; também duvido que os nossos governantes e seus apoiantes se preocupem com o seu estudo, apesar dos barões terem violado a regra da responsabilidade social de Adam Smith).
Mais uma vez aqui não constou que o Dr Ox tivesse frequentado os ministérios que tão zelosamente extinguiram a capacidade intelectual da administração pública.
Não admira assim que neste verão fútil se assista ao espetáculo triste de alguns governantes virem dizer que graças ao caminho escolhido finalmente o PIB cresceu no 2ºtrimestre de 2013 relativamente ao 1º trimestre. Felizmente que ainda há algum pudor, e que nem todos os governantes o fizeram, sabendo que do 2ºtrimestre de 2012 para o 2º trimestre de 2013 o PIB caiu quase 2% e que graças às ligeiras subidas do PIB da Alemanha e da França as nossas exportações crescem (com destaque para a exportação do gasóleo só possível graças aos investimentos nas refinarias decididos e contratados muito antes do atual governo).
É uma pena as pessoas não terem a noção de que a estatística não permite conclusões deterministas e que os pontos de evolução ocupam manchas de incerteza, mas que fornece dados para decisão que, neste caso, devem ser, para alem das exportações, as de insistir no investimento e na substituição de importações.
Claro que tem de se ir aos fundos do QREN/Horizonte 2020, mas será que os 15 sábios vão mesmo escolher ou avaliar as escolhas da iniciativa privada? e terão a noção de conjunto necessária ou apenas académica? e as valências de engenharia, resumem-se a dois dos sábios? pode-se retomar o crescimento sem a contribução dos engenheiros? ou prevalece a doutrina de um dos economistas sábios que acha que os engenheiros só sabem gastar dinheiro? que serviços "já estão a trabalhar na apresentação de propostas"? ou o Dr Ox também faz parte do comité? não pode mesmo implementar-se uma discussão pública com propostas para submissão às candidaturas QREN?
E quanto à substituição das importações, não pode mesmo haver um tratamento fiscal preferencial para as empresas produtoras de bens transacionáveis que reduzam a importação e um tratamento penalizador para as que insistem em importar quando há bens nacionais disponiveis?
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