quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Ouvido na praia


A maré cheia obriga à proximidade entre os chapéus. A senhora e um casal conversavam em voz alta sobre os incêndios e eu tive de ouvir. O homem gostava de falar alto, contrastando com a esposa. Ambos falaram como se estivessem escrevendo em caixas de comentários na Internet. Que os incendiários deviam ser perseguidos implacavelmente e que os proprietários dos terrenos por limpar deviam ser multados.
Eu não gosto de falar sobre o que não conheço. Mas neste assunto de incêndios e de limpeza de mato penso que tenho um pouco mais de experiencia do que os comentadores das caixas de comentários. Já andei a combater fogos em ravinas, com ramos de arbustos, enquanto outros vizinhos atrás regavam o mato não ardido e um carro de bombeiros aguardava para intervir apenas se casas estivessem ameaçadas. E paguei mais uma vez 100 euros, este ano, pela limpeza do terreno que tenho na península de Setúbal e de que não retiro rendimento nenhum (bom, não será bem assim, o meu terreno produz canas que o meu vizinho utiliza para erguer tomateiros e feijoeiros de cujos frutos retira depois alguns para me oferecer).
Como não sou de feitio conversador (só desabafo aqui no blogue), não contei isto aos meus vizinhos de chapéu de praia. Mas não precisei, porque a primeira senhora esclareceu rapidamente o casal com o seu próprio exemplo. Que tem um terreno de 5 hectares em Setúbal. Uma parcela de meio hectare ardeu há 30 anos. Reflorestou (tentou) com sementes de pinheiro atlântico que se revelaram inutilizadas em 50%. Quando os poucos pinheiros sobreviventes começavam a crescer sobreveio novo incêndio. Nova semeadura após recusa da direção geral das florestas de apoio técnico e financeiro. As sementes revelaram-se novamente inutilizadas em 50%. E ao fim de 30 anos, novo incêndio. Sobraram alguns pinheiros que foram vendidos a um madeireiro por 150 euros.
Entretanto, ao longo dos 30 anos, a senhora foi pagando de 2 em 2 anos a limpeza do mato do seu terreno de 5 hectares. A pergunta é muito simples.
Querem responsabilizar os proprietários que não mandam limpar o mato pelos incêndios? Sendo que os custos da limpeza são superiores à receita da venda dos pinheiros? A senhora dizia: expropriem-me, era um favor que me faziam (mas então seria o Estado dos contribuintes que pagaria mais pela limpeza do que receberia pelo produto florestal).
E concluia: o meu marido e eu já plantámos eucaliptos naquele terreno. Eu sei que é um risco maior de incêndio que a lei 96/2013 veio proporcionar com ligeireza própria de quem está nos gabinetes e se sente iluminado por intervenção divina, mas não posso estar a perder continuamente dinheiro. Não é isso que dizem os senhores do governo, que não podemos viver acima dos nossos rendimentos?
Este pequeno relato fica aqui no blogue apenas para registar a incompetência e a ignorância dos decisores da politica florestal deste país. Não me refiro apenas ao atual governo. É um mal que vem de longe, para grande satisfação do nemátodo, da velutina nigrotorax e do escaravelho bicudo, cuja problemática já foi tratada no blogue, sem que os sucessivos governos promovam o desejável debate público nem valorizem o estudo e as propostas dos técnicos competentes que existem nos serviços (ou já terão sido reformados com a fúria cega de redução dos quadros do funcionalismo publico?)
Pena os senhores da troika também serem uns ilustres ignorantes nas matérias florestais e não compreenderem que é uma das áreas de aplicação frutuosa dos fundos QREN.
Pena também os não menos ilustres sábios que dão apoio ao senhor ministro Maduro dos fundos QREN parecerem andar longe destas problemáticas.
Assim é difícil, sem debate aberto por quem esteja dentro destes assuntos.
E para que não se diga que este blogue não apresenta propostas alternativas, como seria bom se os ditos sábios concluíssem que uma solução premente é a instalação pelo país fora de centrais de biomassa e de meios mecânicos de recolha do mato (uma pequena alteração legislativa permitiria a recolha dos resíduos em terrenos particulares sem custos nem receitas para estes e permitiria ainda a organização cooperativa dos particulares os casos em que os particulares pagassem a recolha e participassem das receitas ou benefícios das centrais ; o estudo dos meios de recolha em zonas acidentadas já foi desenvolvido por universidades portuguesas, nomeadamente a de Aveiro; os custos de funcionamento das centrais de biomassa serão compensados em grande parte pela economia de importação de combustíveis fosseis e pela taxa de carbono a aplicar pelos consumidores de combustiveis fosseis).
É impressionante, num país de desempregados e de PIB decrescente (em termos anuais) tão poucos sábios e tão poucos políticos impedirem tantos de beneficiarem dos recursos naturais disponíveis.
PS em 29 de agosto de 2013 - Depois de ter escrito o "post" anterior, a que atribui um tom ligeiro por o centrar na experiencia dos rendimentos nulos dos proprietários, tomei conhecimento da morte de mais uma bombeira. São assim 5 os bombeiros mortos, existindo ainda feridos graves (queimaduras ou inalações). Trata-se de uma situação anormal que leva a apresentar condolencias aos familiares e aos bombeiros, mas que me parece justificar a denuncia de uma estratéga errada adotada pelo ministérios da defesa. O senhor ministro é incontestavelmente uma pessoa séria, mas parece-me que acredita ingenuamente nalguns que o rodeiam. Repito que penso poder falar porque já andei a combater fogos e o senhor ministro não. Penso ainda que pratico critérios mais eficazes para aferir da competencia técnica de quem trata de assuntos técnicos. Por isso digo que a estratégia adotada no principio de 2013, possivelmente com graves culpas do primeiro ministro e do ministro das finanças (que igualmente nunca andaram a combater fogos a sério)na definição da contenção orçamental é incorreta por se basear na intervenção apeada dos bombeiros e em meios aéreos ligeiros (a intervenção atempadamente contratada de Canadairs não poderia ter sido comparticipada pela União Europeia? é que incendios em zonas montanhosas com ventos fortes e variáveis combatem-se com estes aviões, não apenas com os helicopteros e aviões ligeiros contratados, E MUITO MENOS A PÉ.) O senhor ministro nunca deveria ter dito que os meios eram suficientes. Agora que 5 bombeiros morreram em menos de um mês, numa estatistica terrivel com indicadores em termos de mortalidade por hectare ardido piores do que no pior ano de 2003, parece que se impõe uma mudança de estratégia, não só em formação (não se deve mandar avançar contra um fogo sem garantir um caminho de fuga e sem que parte do pessoal esteja a molhar as zonas não ardidas e a controlar permanentemente os caminhos de fuga) como em prevenção (contratação de desempregados para vigilancia) e em organização do território com aceiros e exploração de biomassa. Neste capitulo, não nos podendo opor à "eucaliptalização ", deve ela ser contida e acordada em termos de planeamento com as grandes produtoras Portucel e Altri. Sem esperarmos que iniciativa privada resolva as coisas por intervenção de uma mão invisivel benfazeja (na origem do mito a mão invisibvel era tudo menos benfazeja, veja-se Shakespeare)
CORRIJO: REFERIA-ME AO SENHOR MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, E NÃO AO MINISTRO DA DEFESA, O QUAL NUNCA PODERÁ SER CLASSIFICADO COMO INGÉNUO
PS em 1 de setembro - segundo o DN de 31 de agosto, em 30 de agosto, 6 aviões Canadair, 3 franceses e 3 espanhois, lançaram em 26 missões 130 toneladas de água (5 toneladas ou m3 por lançamento) sobre o incendio na serra do Caramulo, que foi em seguida dado por extinto. Dado que cada lançamento corresponde a 5 toneladas ou m3, não pode utilizar-se este método sobre casas que se pretenda salvar e existe o risco para o pessoa apeado. Os aviões estacionaram na base de Monte Real sem problemas de interpretação da Constituiçao sobre se é preciso ou não declarar o estado de sítio para as forças armadas intervirem no território nacional. Chegaram entretanto dois Canadair da Croácia para outros incendios. Infelizmente tambem existe o risco de, a aprtir do momento em que os dias fiquem nublados e a humidade aumente, que se esqueça a necessidade de um novo e eficaz planeamento de estratégia e meios para o próximo ano, para alem da prevenção, naturalmente (atualização de cadastro, vigilancia, cortes de aceiros).
PS em 9 de setembro - são atualmente 8 os bombeiros mortos em consequencia dos incendios de agosto.
junto o endereço de um video explicando o trabalhao dos Canadair da força aérea espanhola ; os helicopteros portugueses, embora uteis, são insuficientes e mandar avançar bombeiros para incendios em encostas é, salvo melhor opinião, devido ao efeito ascensional das correntes de ar quente, tão criminoso como a estratégia dos generais mandarem avançar a infantaria exposta à artilharia inimiga.
http://player.vimeo.com/video/48642618

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