quarta-feira, 3 de abril de 2019

A mudança da hora

Com a assertividade que carateriza os adolescentes pouco dados ao estudo dos fenómenos físicos, declarou o senhor primeiro ministro que em Portugal se deve manter a mudança da hora .
A hora natural ou standard é a de inverno, ou tempo universal coordenado (TUC), referido ao meridiano ou fuso de Greenwich; cada fuso corresponde a 15º e a uma hora, sendo para oriente mais tarde. No verão tem-se adiantado uma hora no último fim de semana de março e voltado à hora de inverno no último fim de semana de outubro. Mas nem todos os países têm essa prática (raramente usada na Africa ou na Asia), cuja origem remonta à passagem do século XIX para o XX, acentuando-se na primeira guerra mundial para economia de carvão e após a crise petrolífera de 1973. É curioso observar que os primeiros proponentes do adiantamento da hora de verão para beneficiar de pores do sol mais tardios foram um entomologista e um praticante de golfe:
https://en.wikipedia.org/wiki/Daylight_saving_time

https://pt.wikipedia.org/wiki/Tempo_Universal_Coordenado

Segundo o senhor primeiro ministro, até a ciencia confirma as vantagens da mudança da hora em Portugal, porque um senhor cientista foi à televisão declarar que manter a mesma hora ao longo do ano se justificava apenas nos países de maior latitude e, quando muito,  se tivermos de ter sempre a mesma hora, que se preferisse a hora de verão.
Fiquei preocupado, não vão os outros países abolir a mudança da hora e nós ficarmos outra vez orgulhosamente sós, como gostava de dizer outro senhor primeiro ministro. Até porque os progressos na eficiencia da iluminação reduziram eventuais vantagens energéticas.
Por isso consultei  o       www.timeanddate.com para comparar as horas de nascer e de por do sol em latitudes diferentes.





Temos assim que nos países do hemisfério norte de maior latitude como a Alemanha, no outono o dia dura menos cerca de 1 hora do que em Lisboa, no inverno menos cerca de 2 horas, mas depois na primavera dura mais cerca de 20 minutos e no verão mais cerca de 2 horas.
Isto porque, enquanto no outono o sol se levanta mais ou menos à mesma hora do que em Lisboa e se põe 1 hora mais cedo, no verão levanta-se 1hora e 20 minutos mais cedo e põe-se 30 minutos mais tarde.
Afinal, parece que ter sempre a hora de inverno nas latitudes mais elevadas tem o inconveniente de no verão o sol chegar a levantar-se às 3.47 (com a hora de verão levanta-se às 4,47) para se por às 20.32. Enquanto em Lisboa a hora de inverno em julho teria o sol a levantar-se às 5.15 e a por-se às 20.05.
Mas em Lisboa, se quisermos a hora de verão todo o ano, iriamos em janeiro ter o nascer do sol às 8.54 !  só para podermos ter o por do sol às 18.25 em vez das 17.25 como temos agora.
Isto é, a hora de verão, com o artificialismo de acrescentar 1 hora à hora natural, serve melhor quem gosta de se levantar tarde ou de noites longas (ligadas ao fecho das discotecas quando o sol se levanta, por exemplo).
Dá ideia que uma cultura do trabalho preferirá o inicio do período de trabalho cedo, com o sol a levantar-se cedo , e terminar o período de trabalho também cedo. Com eventuais acertos de horários de verão e de inverno nalgumas atividades.
Mas talvez o melhor argumento seja o de que durante milénios a humanidade adaptou-se aos ciclos de duração variável da luz do dia, e por isso a hora legal deverá ser a mais aproximada possível da hora natural, isto é, da hora universal, sendo que estar a mudar de hora duas vezes por ano tem inconvenientes como a incomodidade de acertar relógios e o ter de se fazer contas de cada vez que se tenha de falar para outros fusos horários, para além da incomodidade de mudança brusca do ritmo biológico em função da luz solar.
Mas aguardemos o que no seu superior entendimentos os decisores que nos governam acharem por bem decidir, espera-se que ao menos lancem uma consulta pública ou um referendo (embora segundo o senhor primeiro ministro tanto a União Europeia como todos nós tenhamos outras coisas mais importantes para decidir).

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