O futuro envelhecido que já
nos bate à porta
O Banco de Portugal faz-nos perceber que estamos em risco de derrapar num
modelo que está à beira do esgotamento
13 de Junho
de 2019, 6:27
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Há
ideias que se instalam pela sua força. Ou pela sua lucidez. Como uma que João Miguel Tavares deixou no seu discurso do 10 de Junho, apelando para a necessidade de haver uma visão de futuro capaz de
convocar as energias e as esperanças das pessoas. Esta quarta-feira, Rui Tavares foi
ao encontro desse repto e deu como resposta a necessidade de se construir “uma
sociedade do conhecimento altamente desenvolvida, baseada numa população muito
qualificada e numa economia bastante mais especializada, que não deixe ninguém
para trás”. É impossível não concordar com esta visão. Ou com esta urgência.
Principalmente agora que começamos a perceber que estamos em risco de derrapar
num modelo que dá sinais de esgotamento.
O
relatório do Banco de Portugal que nos avisa para os custos que o
envelhecimento já está a ter na economia é, nesse particular, dramático. Porque
nos mostra uma consequência e uma causa da ausência de um destino mobilizador,
desde que, pelo menos, Portugal aderiu à moeda única. Pelo meio tivemos, é
certo, o “choque de gestão” de Durão Barroso e o “choque tecnológico” de Sócrates, mas se o segundo foi capaz de criar lastro para uma clara melhoria no
sistema científico e tecnológico do país, não foi suficiente para mudar o
cenário de um Inverno demográfico, nem para alterar a base de uma economia que
continua a perder a batalha da produtividade.
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Todos os
indicadores o provam e o BdP vem uma vez mais pôr o dedo na ferida: sem transformações profundas no modelo de criação de riqueza, estaremos
condenados a envelhecer empobrecendo. Se é preciso inventar uma causa colectiva
na qual, como pensou e disse João Miguel Tavares, possamos acreditar, é essa
necessidade de equilibrar um modelo de país que acredita muito na
redistribuição e muito pouco na criação de riqueza. Ou, por outras palavras,
nessa urgência de reinventar o papel do Estado e libertar as energias criativas
dos cidadãos.
A geração mais qualificada de sempre,
combinada com os exemplos positivos que o Presidente da República não se cansa
de dar para aumentar a auto-estima do país, precisam afinal de uma nova
narrativa política que, sem a matar, coloque numa nova dimensão a
responsabilidade do Estado. Depois de uma década de crise profunda e de uma
ligeira recuperação, era bom que o próximo ciclo político fosse marcado por uma
nova ambição e por uma nova crença no futuro. Se alguém as assumir sem
demagogias nem megalomanias, deve merecer o nosso reconhecimento.
2º episódio - uma carta so director, comentando o editorial e a noticia do conceituado BP
Depois
de ler um editorial e um artigo no PÚBLICO de 13 de Junho, eu, velho, me
confesso causador da travagem do crescimento da economia (primeira página do
jornal) , limitador da economia e dificultador da contratação de pessoas
activas pelas empresas (pág. 2), e causador da ausência de um destino mobilizador
(pág. 4).
Talvez
por causa dos meus 74 anos tenha interpretado mal as palavras publicadas, para
mais originadas numa entidade que segue acriticamente o art. 3.º n.º 3 do TFUE
que mistura estabilidade de preços e pleno emprego, impossível com salários dignos
numa economia como a nossa. Mas também por causa dessa idade, e porque usufruo
de uma reforma milionária de 3000 euros depois de 39 anos de descontos, e
porque nós morremos todos os anos quase 110.000, quando apenas nasceram quase
90.000, evoco os piores raciocínios do MRPP. Mas é preciso que nasçam mais,
quando a tecnologia permite reduzir o número de horas de trabalho e aumentar a
produtividade, embora os economistas prefiram calcular a produtividade em preço
de venda (ainda por cima competindo com preços de dumping) por quantidade de
pessoas, em vez de quantidades de produto por pessoa.
Desgosta-me
que falem assim, culpando os velhos, quando eles ainda podem ser úteis, se não
travarem a sociedade civil nem “os deixarem para trás”, porque reaviva o desejo
de desistir de Stefan Zweig, ao deixar para outros, jovens, a tarefa de
combater as ideias discriminatórias.
3º episódio - un email doutro leitor que não concordou com a minha carta
Os
argumentos que evocou na carta que tão rapidamente dirigiu ao Director do
Público no passado dia 15 de Junho seriam
completamente válidos… Caso os mais velhos não estivessem mesmo a retirar aos
mais jovens todas as oportunidades de singrar na vida.
A idade
média dos trabalhadores da função pública começa já a aproximar-se dos 50 anos.
Por mais que lhe custe a aceitar, um efectivo mais vetusto é necessariamente um
efectivo com menos ideias, com menor dinamismo e com menor produtividade, o que
acaba por conduzir à travagem do crescimento da economia. Os gastos com
o pessoal têm vindo a subir nos últimos anos, numa primeira fase por via da
reposição dos cortes introduzidos em 2011 e numa segunda fase por via do
descongelamento das carreiras. Por mais que lhe custe a aceitar, os benefícios
sucessivamente atribuídos aos trabalhadores da função pública estão a
dificultar (ou mesmo a impedir) a contratação de novos funcionários (que são
simultaneamente os mais jovens).
Por
último, não se coibindo mesmo de referir tão ironicamente que usufrui de uma
“reforma milionária de 3000 euros depois de 39 anos de descontos”, infere-se
que tem ainda o descaramento de considerar a sua pensão pequena. Pois bem,
permita-me que classifique a sua reforma de dourada! Afinal de contas, graças à
desregulação que os mais velhos tão bem souberam introduzir no mercado de
trabalho, os mais jovens começam hoje a descontar muito mais tarde… Apesar de
nem sequer saberem se um dia haverá dinheiro para lhes pagar a sua reforma!
Tanto
quanto me apercebi, nem o editorial nem o artigo que tanto desconforto lhe
causaram sugeriram que os mais velhos já não são úteis. No entanto, os mais
velhos não se devem mostrar tão egocêntricos e tão egoístas ao ponto de
considerar que só eles podem “combater as ideias discriminatórias” ou resolver
os (muitos) problemas do nosso país… Caso contrário, ao reduzir o debate aos
“velhos” e aos “jovens”, estarão apenas a agudizar um conflito geracional.
Afinal de contas, o que seria dos mais velhos caso os mais jovens considerassem
que não existe qualquer benefício em descontar para a Segurança Social?
Atentamente,
4º episódio - resposta ao email de quem discordou
Antes de tentar explicar-me
melhor do que na carta ao diretor publicada, uma pequena observação
cronológica: o Público que acolheu com destaque a acusação do BP de que os
velhos estavam a ameaçar a economia é de 13 de julho, enviei a carta a 14 e foi
publicada a 15. De facto foi rápida a
minha reação à acusação, o que não é costume em mim, como pode verificar pelo
atraso da resposta à sua mensagem, mas não é rápida em termos jornalísticos.
A tradição chinesa tem uma
pequena história sobre uma criança que, imprudentemente na rua, ia ser
atropelada por uma carroça. Alguém adivinhou o desastre e correndo, conseguiu
salvar a criança da morte. O que dizia a
tradição, provavelmente por imaginar que alguma divindade cruel teria decretado
a morte da criança e foi contrariada, é que o salvador ficava responsável pela
criança para o resto da vida. Pondo de parte critérios morais com a pretensão
de detetar superioridades civilizacionais, e guardando as devidas distancias, vamos
imaginar que a economia, em sentido lato, era uma criança imprudente que ao longo
de muitos sobressaltos corria o risco de implosão. Mas vieram uns sábios
iluminados (ironizo, como já tinha reparado na carta ao diretor que é meu
hábito; a ironia é a arma que resta a quem não conseguiu evitar a injustiça),
altamente preparados, que constituíram nos anos 60-70 do século XX a escola de
Chicago, que resumiram no consenso de Washington. Eram os célebres Haieck, Milton Friedman e
seus pares. Os economistas anteriores, até mesmo Keynes, que de marxista nada
tinha, foram postergados. Sobrevieram Reagan, Thatcher e o petróleo barato, e a
bíblia dos de Chicago, o mercado a funcionar sem regulação e com um Estado
mínimo, autorregular-se-á e trará o crescimento económico, foi-se impondo pelo
planeta fora, com a primeira experiencia na intervenção dos USA no Chile que
ficou para Pinochet. Alguns dogmas dessa
bíblia estão ainda no tratado de funcionamento da União Europeia, que, diga-se
em seu abono, também não proíbe que os Estados membros tenham as suas empresas
(especialmente em atividade não lucrativas, ou por outras palavras, que não
interessam às empresas privadas). Isto
é, a escola de Chicago teve sucesso, e terá sido a principal revolução do
século XX, talvez também porque dispôs de uma tecnologia que não esteve ao
alcance da revolução dos “10 dias que abalaram o mundo”. Mas, como diria a
tradição chinesa, ficou também responsável por tudo o que de mal possa
acontecer. É claro que para estudar esta revolução de uma forma científica
teremos de considerar os vários tipos de análise, simplista se considerarmos
apenas alguns fatores determinantes, ou complexa se quisermos investigar todos
esses fatores. Uma análise primária, que
poderá concluir que se um facto ocorre depois de outro, é porque o primeiro é
causa e o segundo efeito. Ou uma análise secundária, que desconfia que isso
pode ser uma coincidência, ou uma correlação estatística, e não causa e efeito
que é preciso descortinar depois de testar várias hipóteses.
Serve esta introdução para
colocar exatamente essa hipótese. Que a
dificuldade de emprego vir a seguir ao aumento da taxa de envelhecimento, é uma
coincidência ou uma correlação, não são os velhos que impedem os jovens de
singrar (sic !?). É que dizer que os velhos impedem os jovens de singrar é uma
acusação. E como tal compete ao acusador provar, com factos, com números, com
demonstração de causa e efeito.
Consultemos a bibliografia sobre
a criação e distribuição da riqueza- Thomas Piketty e Gabriel Zucman desmontam
as teses dos de Chicago e demonstram as causas das desigualdades. Raquel Varela
pacientemente nos seus livros (“A segurança social é sustentável”, ed.Bertrand)
demonstra a sustentabilidade da segurança social, por mais que os velhos
insistam em morrer tarde. Sibila Marques num interessantíssimo estudo da
fundação Francisco Manuel dos Santos, “Discriminação da terceira idade”
(vende-se nos supermercados pingo doce) diz que é possível contrariar as
previsões pessimistas, mudar preconceitos e promover uma terceira idade ativa,
com reformas mais tarde e depois com participação ativa nas funções da
sociedade civil, assim os ideólogos deixem a sociedade civil funcionar, sem
estar espartilhada pelo preconceito e pelos partidos políticos.
Tem razão, ninguém disse que os
velhos não podem ser úteis, o que foi dito, e não demonstrado, por falta de consistência
nas teorias do BCE e da EU, é que os velhos limitam a economia e dificultam a
contratação de pessoas ativas pelas empresas. Preso por ter cão e preso por não
ter. Trabalharão os velhos até mais tarde para as receitas da segurança social,
mas estão a roubar empregos e travar a economia, ou são as empresas que não
querem investir em tecnologias promotoras de maior produtividade para os jovens
a contratar e mais “amigáveis” para os
mais velhos? Estes, por terem as limitações evidentes que menciona (nem eu preciso
que me recordem a decadência, como jogador de xadrez já há muito que a assimilei,
mas continuo a ter o direito de jogar xadrez), teriam menos horas de trabalho
semanal com a consequente redução de salário, ou uma mistura de remuneração
pelas horas trabalhadas e uma fração do cálculo da reforma.
É para isso que servem as tecnologias, para
aumentar a produtividade, quociente entre quantidade de produto e meios
necessários. Dirá que a dificuldade está em contratar pessoas. Pois a hipótese
é simples: o objetivo definido no tratado da união é o de manter a estabilidade
dos preços. Por isso também o BCE insiste em baixar as taxas de juro (para
criar um ambiente de subida da inflação). E contudo, a inflação não atinge os
2% do objetivo. Males ou beneficios da globalização. E seria simples subir os
preços, bastava aumentar os salários e aumentar o emprego , pelo menos público.
Os preços subiriam. O défice de 3% poderia ser ultrapassado, mas as pessoas
estariam melhor e os jovens já náo acusariam os velhos de os impedir de
singrar.
Porque insistem os economistas do
BCE e do FMI na estabilidade dos preços? Possivelmente, é uma hipótese, porque
não estudaram Física, e portanto ignoram que estabilidade é fisicamente o mesmo
que estacionaridade. Pode ser até um movimento alternativo, sinusoidal, mas que
por ser estacionário, por os seus componentes variarem a uma taxa pequena e
essa sim, estável, náo serão gerados fenómenos de ressonância ou amplificação
de efeitos nefastos. Subida dos limites do défice e progressiva anulação das
dívidas por incorporação nas titularidades das empresas compradoras, públicas
ou privadas, sem esperar romanticamente
ou com fé quase religiosa que “os mercados” desregulados, como a lei da selva,
eliminem os mais fracos, e afrontando os preços de “dumping”, os off-shores, as
portas giratórias regulador-regulados, as isenções de impostos, os entraves à
concorrência. Precisamos de interpretar melhor aquele artigo do tratado da
união.
Quanto a mim, nada a objetar que
me vão reduzindo a pensão. Antigamente isso acontecia porque havia inflação. Lá
está, aumentando salários (e receita para a segurança social) e aumentado o
emprego, a inflação subiria, mas os de Chicago na Europa não deixam. Tenho a
consciência tranquila que ajudei, quando eles precisaram, os meus filhos, e
espero não precisar deles no inverno que se avizinha. Mas necessito de me
explicar melhor na questão da minha reforma. Hesitei de facto quando escrevi
“milionária”, porque 3000 euros quando comparada com 100 ou 200 (especialmente
sem considerar os 35% de descontos mensais durante a vida ativa) é obsceno, mas
pensei que referindo o MRPP esclareceria. Parece que não, pese embora ser
evidente que o que é obsceno é haver salários de 500 euros e pensões de 100.
Como disse Olof Palm a Otelo em 1975, quando este lhe disse que tinha acabado
com os ricos em Portugal, “Aqui na Suécia preferimos ter acabado com os
pobres”. Isto é, o objetivo (não o do
MRPP que se entretinha nos anos 70 a combater tudo o que parecesse, no seu
julgamento específico, enfeudado aos “revisionistas pró-soviéticos”) deve ser o
de fechar o leque remuneratório de baixo para cima, nivelar por cima e não pela
miséria. No campo das desigualdades,
gostaria de citar os trabalhos de Anthony Atkinson e Richard Wilkinson
(Desigualdade, o que pode ser feito? Ed. Bertrand). Mas como dizem Sibila
Marques e Raquel Varela, haverá que eliminar preconceitos. Isto é, não posso
ter o descaramento de considerar a pensão pequena porque de facto não disse
isso (até aceito que o que recebo agora seja 80% do que recebia nos últimos 2
anos, percentagem que poderá ser considerada elevada por ser de cálculo mais
indefinido), terá interpretado mal por eu me ter explicado mal, citando o MRPP
que sem dúvida consideraria a minha pensão exagerada, apesar de calculada com
base na lei a todos aplicável em função dos descontos e eu um velho responsável
por travar a economia (ao que eu poderia dizer-lhes, como Sofia de Melo Breyner
no sequestro do Parlamento de novembro de 1975, “Quem, eu?”).
Neste dominio ainda, é importante
referir que soluções existem, e voltando à Suécia e aos nórdicos, é prática corrente
a existência de fundos de pensões geridos por profissionais que vão recolhendo
as poupanças dos ativos e investindo de modo a garantir um complemento quando
da chegada da reforma. A solução funciona e está prevista na lei da segurança
social desde 2007, embora na prática pouco se tenha avançado. É que de facto os
jovens devem ter objetivos mobilizadores, e devem votar em quem lhes garanta
que, tal como a minha geração pagou as reformas aos reformados da geração
anterior (apesar da eliminação abusiva pelos sucessivos senhores ministros das
finanças das caixas de previdência integradas na segurança social mas sem
controle de resultados), os jovens da geração que vierem a seguir, com ou sem
fundos de pensões (desde que bem geridos e bem regulados sem portas
giratórias), paguem também as suas reformas.
Finalmente, uma referencia a
Stefan Zweig. Mais uma vez, para ter concluído que eu estava a ser tão egoísta
que achava que só os velhos podem combater as ideias discriminatórias; não, não
era isso o que queria dizer, era exatamente o contrário. Stefan Zweig foi
perseguido pelo partido demagógico nazi de Hitler. Exilou-se no Brasil, e
desgostoso com o rumo da 2ª guerra mundial, deixou escrito na sua nota de
suicídio que estava velho e sem forças, e apelava aos jovens, que acreditava
podiam fazê-lo, para combater contra a barbárie das desigualdades. Era isso o
que eu queria dizer, que as desigualdades se devem combater, mas de
preferência, nos tempos que correm, em vez de cada um entrincheirado nas suas
ideologias, em colaboração, em convergência, com a sociedade civil a funcionar.
Não posso concordar com conflitos intergeracionais. Se o que escrevi o
incomodou por pensar que sugeria isso, peço desculpa por me ter expresso imperfeitamente.
Apenas reagi á acusação dos burocratas do BCE e da EU que já demonstraram
desprezo pelos artigos 22 (segurança social) e 23 (direito ao trabalho) da
declaração universal dos direitos humanos, aliás consagrados na carta dos
direitos da EU e na constituição da Republica Portuguesa .
É o emprego que devia ter prioridade sobre
todas as coisas, e até existem fundos comunitários para investimentos que precisam
de empregos, mas há regras para isso que o governo português tem dificuldade em
cumprir e por isso os investimentos tardam. É mais fácil culpar os velhos e
iludir os jovens com a ameaça da “peste grisalha”, em vez de nos unirmos em
torno do destino mobilizador que poderia ser precisamente a sustentabilidade da
segurança social e a garantia dos direitos.
Com os melhores cumprimentos
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