terça-feira, 29 de setembro de 2020

O caso didático do museu da Gulbenkian (ou museus, quem sabe)

Devo pedir desculpa a Penelope Curtis , ex-diretora do museu Gulbenkian que cessou o seu contrato em agosto de 2020, por interpretar o seu caso como didático, o que ela poderá considerar abusivo pelas generalizações que faço e a sugestão de que durante 5 anos ela dirigiu um museu na reserva dos selvagens na aceção o Admirável Mundo Novo:

https://www.pressreader.com/portugal/edicao-publico-lisboa/20200925/281487868787936

Para mim, em Portugal cultiva-se o estatuto das pessoas importantes, o reconhecimento por grupos de que um pequeno grupo é composto por eleitos que sabem o que fazem e o fazem sempre bem.

Vê-se muito bem isso por exemplo no programa prós e contras, cuja ideia é muito boa, mas que na prática gera empastelamento, no sentido radioelétrico, isto é, mistura os sinais de modo a perturbar a inteligibilidade dos factos e da eficácia das propostas. Porque os intervenientes são selecionados pelo prestígio e visibilidade, e não pelo conhecimento cientifico que tenham dos temas. O que é natural, uma vez que quem convida não tem nenhum conhecimento das razões e dos componentes dos temas. Neste caso seria interessante rever os critérios jornalísticos.

Outro exemplo é a presença em administrações de grandes entidades, fundações ou até o governo ou organismos da Comissão Europeia, de pessoas que descendem de personalidades históricas, que foram célebres no seu tempo. A costela monárquica de muitos de nós tende a projetar nos descendentes a visão romantizada dos seus ancestrais, repercutida nos livros de história edulcorantes das personagens. Ou então endeusa-se o grupo eleito dos financeiros, que foram ungidos com uma descida do Paráclito nas suas faculdades que religiosamente cultivam os ensinamentos da escola de Chicago, ou simplesmente da desregulação.Através de mecanismos de relacionamento entre financeiros colocados em instituições financeiras segundo critérios de grupo restrito, é possível ter uma malha de controle das atividades económicas, incluindo os conhecidos processos de emissão de impostos para paises como a Suiça ou Holanda ou transferencias para off-shores. Ou prosseguir uma carreira florescente, por entre aplausos dos admiradores e dos decisores, passando primeiro por alguns orgãos oficiais do Estado, para dar prestígio antes de um lugar de destaque numa instituição de prestígio, também.

Aparentemente, os representantes eleitos na Assembleia da Republica, a quem constitucionalmente foi atribuida a função de fiscalizaçao, independentemente das funções da Procuradoria Geral da Republica e da Procuradoria (critério de qualidade: entidades separadas com monitorização mútua), não terão apoio suficiente para a desempenhar com eficiência. Talvez por incapacidade de organização, de desenvolver um verdadeiro trabalho de equipa.

Quanto à comunicação social, passa o tempo a homenagear, especialmente depois de mortas,  as figuras extraordinárias de portugueses que se distinguiram no mundo. Compensações da nossa pequenez, com qualquer discípulo de Freud explicará melhor que eu. A ideia de que fulano ou fulana são o ,maximo como atores ou atrizes, cantores ou cantoras, cientistas, começa a propagar-se como um processo de aglomeração e consolidação de rochas, e como qualquer grupo, quem não concordar com a ideia que se propagou não se sente integrado e por insegurança considera-se rejeitado. Subsiste a ideia de uma catequese generalizada, de eleger herois e modelos de santidade ou de sabedoria a imitar, para moralizar as multidões e dar-lhes um sentimento de unidade, quando a diversidade é uma riqueza...

E predominam os especialistas e comentadores de tudo:

http://publico.newspaperdirect.com/epaper/showarticle.aspx?article=07dd85ba-86cd-4361-85f1-93eac21f4c51&key=kP4ow%2fY7i2lBtoSrWfBPLQ%3d%3d&issue=20272020092900000000001001#

de que transcrevo o parágrafo final, como a cauda de escorpião contendo todo o veneno que paralisa  a nossa democracia:

"...a inacreditável omnipresençae ascendente que os políticos foram tomando para além do perímetro normal dos seus mandatos públicos. Procurando, nomeadamente, puxar os "cordelinhos" da informação, mantendo à distancia verdadeiros especialistas independentes (mas não desprovidos de sensibilidade sociopolítica). E mantendo sobretudo os cidadãos longe da esfera política, privando-os da análise crítica que os levaria a exercer o desejável controle das atividades dos seus representantes."

Como isto se aplica às decisões governamentais sobre a linha circular do metro ou a sua política ferroviária de persistencia na exclusividade da bitola ibérica.

Por tudo isto não admira que a ex diretora do museu da Gulbenkian  refira que a administração resolve as coisas à porta fechada, não tinha uma conversa sobre o museu.

A senhora deu autonomia aos seus colaboradores, o que não coincide com a conceção tribal das hierarquias vigente em Portugal.

E surpreendeu-se com a homogeneidade do pessoal que encontrou na Gulbenkian. Isso é também a cultura organizacional portuguesa, fazer grupos muito coesos, muito homogéneos, em vez de aproveitar a diversidade das pessoas para obter ideia mais dinâmicas. Mas realmente que fazer, a insegurança leva os decisores a rodearem-se de yes men and women.

Curiosamente, a senhora fundiu os dois museus da Gulbenkian, o clássico e o moderno, num só, dentro daquela ideia que as entidades devem ter uma gestáo separada mas interdependente. Há uma analogia com as empresas, devem ter uma direção de manutenção e beneficiação, e outra de investimento e inovação, com contabilidades separadas mas controle unico.

Mas enfim, se a Gulbenkian desistiu da sua Partex petrolifera (terão sido os ambientalistas a influir?) porque haveria de não desistir da sua diretora quando os senhores e as senhoras administradoras é que detêm a sabedoria que gere as contas?

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