Cara Ana Sá Lopes
Estou a enviar-lhe este email porque de vez em quando recebo um email seu, que aliás leio, normalmente, com interesse, e por isso parecerá normal trocarmos umas impressões. Se bem que isso seja, como digo em "assunto", difícil, por variadissimas razões, umas ligadas à natureza da própria espécie humana, e outras menos por isso.
Deixe-me antes de mais, tal como Pacheco Pereira fez, declarar formalmente que condeno (adotou-se este termo, não sei se no seguimento da olímpica frase "tem 13 segundos para condenar" - como em 13 segundos reunir o comité central, debater os termos, analisar a tese, analisar a antitese e propor a tese a votação?) a invasão da Ucrania por Putin e seus soldados.
Espero assim poder trocar impressões consigo.
Começo por dizer que me identifico mais com Cristina desalinhada (desalinhadora): Putin César romano (como se alterou o processo histórico da república romana de fusão das elites com os artífices e com os produtores de mais valias em benefício da proteção divina, por deuses pagãos ou cristãos, das famílias mais poderosas?), Putin Ivan o Terrível (e os boiardos seus inimigos, os boiardos seus amigos e a expansão para o Casakestão), Putin napoleão (demente de megalomania, pese o benefício do código civil; a propósito, como está aquele contencioso dos bens patrimoniais levados para França pelos exércitos deste demente?), Putin nazi (nasceu do nada, Hitler? talvez ler bem o que escrevia o presidente da câmara de Viena quando Hitler por lá andou (ainda tem o estatuto neutral, a Austria?), e rever as condições do tratado de Versalhes), Putin Mao (como ele próprio disse, o poder corrompe), Putin Estaline (bem avisou Lenine, o homem da nova ordem económica, que aliás não era nova, era um retrocesso para ganhar força perante a agressão dos exércitos "ocidentais" na guerra civil, que o camarada Estaline não era o que ele queria fazer crer, mas não deu).
Se teve paciencia para me ler até aqui (jornalista sofre) já deve estar a pensar que sou um caso perdido. Talvez, mas pego na constituição e leio que tenho o direito de exprimir as minhas opiniões e que no artigo 7º vem escrito:
Serão objetivos incompatíveis? abolir o imperialismo, dissolver os blocos político-militares, reconhecer o direito à auto determinação?
Que soluções proporiam para a Ucrania Gandhi (o desgosto que ele teve quando tiveram de se cruzar as duas procissões, uma para o Paquistão, outra para a União, menos forte do que ele tinha pensado quando se opôs, pela não violencia, à democracia liberal e ocidental inglesa) ou Mandela (por que cargas de água não se pode viver com cores diferentes?)?
Ou pensemos em Eça de Queirós, de que gosta, que eu sei pelo que já escreveu, quando nas Crónicas de Inglaterra descreve Alexandria, a Irlanda, as cidades do Afeganistão. Dignos antecessores dos 4 do Iraque das armas de destruição maciça (Bush, Blair, Aznar, Barroso, honra a Sampaio que se recusou ao beija mão).
Ou por outras palavras, a barbárie de Putin não pode servir de pretexto para branquear as barbáries dos bombardeamentos de civis desarmados afegãos com drones telecomandados do Wisconsin em horário de expediente, nem os bombardeamentos de Belgrado pela NATO, sem nenhum mandato da ONU e violando indecentemente a Ata de Helsínquia (eu sei, não estou a branquear os sérvios, só estou a dizer que a Jugoslávia não alinhada incomodava) - talvez fosse um furo jornalístico descobrir o que foi feito de Dragona, bonita em sérvio, que teve de fugir de Pristina - nem os desfolhantes nas florestas do Vietnam - senhor presidente (Nixon), não bastam os helicopteros do Apocalipse now, é preciso desbastar a floresta para não deixar os guerrilheiros esconderem-se nela - nem as ameaças do embaixador americano que se negociarem com os chineses o abastecimento de gás natural no porto de Sines sofrerão consequencias, isto para não aprofundar o que aconteceu ao secretário de Estado que em 1975 disse a Frank Carlucci, saia.
America and NATO, hands off, e eles já vão na Estónia, sob o olhar alucinado e supremacista de Stoltenberg, mas não estávamos a trocar impressões sobre Portugal? vem a propósito, por um lado recordar outros autocolantes, a estrela da paz, make love, not war (pendurada no meu carro quando entrava e saía do quartel, em Sapadores, em 1972), o entusiasmo pelo "Hair", e muitos anos depois as manifestações "Paz sim, guerra não" contra os 4 acima recordados... por outro as eleições de 1969, livres, que eu bem me lembro de Rogério Paulo na mesa, não houve chapeladas, e a maioria votou pela continuação da guerra, lembro-me, fui minoria.
Tentemos a História, ou mais uma vez, o processo histórico de que falava o meu professor de filosofia em 1961, olhando para a porta da sala de aulas, não fosse o contínuo suspeito de ser informador arranjar mais coisas para informar, porque normalmente ela é escrita pelos vencedores e qualquer alternativa é uma lamentação dos vencidos. A WWI , gerada pela serpente do colonialismo (a avidez das potencias ocidentais pelas riquezas das colónias, não é isso, o congresso de Berlim?) não gerou só um ovo de serpente; o heroi das duas guerras, Churchill, foi responsável pelo morticínio de soldados e marinheiros australianos, franceses e ingleses no assalto aos Dardanelos, que ele sabia não poder ser ultrapassado com os meios disponíveis, seguiu-se ainda antes da WWII o bombardeamento duma cidade francesa ocupada pelos alemães na retirada de Dunquerque, e no fim da WWII Dresden - o sempre presente desprezo pelo valor da vida humana (crime de guerra, diria ela). O que não me deixa aplaudir a distribuiçãode armas aos civis para enfrentar os bárbaros de Putin. Nenhuma vida humana merece ter o que John Lennon denunciou no "Imagine", haver coisas pelas quais matar ou ser morto. E estão as democracias liberais ocidentais a enviar armas para a fogueira... A ONU parece a Sociedade das Nações (longe vá o agoiro, arranjem um mediador, sentem-se à volta duma mesa)... Benjamin Britten tinha razão, apesar de Churchill lhe chamar traidor apoiante de Hitler.
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2022/02/a-paz.html É isso, o processo histórico é lento e tem vaivens no caminho para a liberdade, a igualdade e a fraternidade, não se materializa como pensávamos, quando há anos que se vêem nos jornais fotografias de crianças ucranianas a serem industriadas pelos seus pais no uso de Kalashnikovs ... não são herois, nem de banda desenhada, são vítimas. Ninguém merece morrer na guerra e que o seu corpo seja obscenamente exposto, com tanques destruídos em fundo, nas primeiras páginas dos jornais por esse mundo fora, para normalizar o pensamento ocidental. E contrariamente ao que diz um entrevistado do seu jornal, a guerra entre israelitas e palestinianos também é uma guerra entre irmãos (ou a Bíblia ficcionou a história de Ismael? primos, então?), todas as guerras são entre irmãos, é por isso que não deve haver guerras.
Apetece-me louvar os cidadãos e as cidadãs russos e russas que têm saído à rua para se manifestarem pelo fim da guerra, não se exponham às balas da repressão, mas tentem manifestar o que pensam e sentem.
E quase como comecei, tenho de trocar impressões consigo sobre o seu comentário da 4ª morte - a resistencia do PCP em condenar a invasão da Ucrânia. Atabalhoada intervenção de João Oliveira, rebuscada declaração de Jerónimo, que admiro mas que provavelmente tenta conciliar a tradição rígida no partido com uma mentalidade mais aberta, e tem dificuldade nessa troca de impressões interna. Choca assim tanto evocar a União Soviética? A condenação dos seus atentados aos direitos humanos não deve branquear os atentados aos direitos humanos de quem quer que seja. Não é whataboutismo, deve estudar-se a ideia e ver porque falhou, uma união de povos, a estruturação de valores como a igualdade e a organização e a proteção do trabalho não é uma boa ideia? falhou o objetivo mas compreender uma tentativa não é justificá-la. Não há tantos objetivos comuns com o que pretendemos na União europeia? Surpreende o raciocínio de Jerónimo? Desde o tempo de Marx a ciencia da estruturação do pensamento evoluiu, nomeadamente com avanços do conhecimento sobre o comportamento e os métodos de gestão de grupos organizados, a evolução da tecnologia alterou o conceito de classe operária, nem sequer é preciso haver vanguardas, o conhecimento evoluiu o suficiente para aplicar soluções tecnicamente eficazes para o bem estar das sociedades, pese embora que haja quem não queira colaborar (colaborar, não competir, lamento ter de contradizer Adam Smith). A própria Física esclareceu no princípio do século XX que os determinismos e uma lei universal de que tudo se deduz são mais uma construção do pensamento do que uma realidade. Não devemos subordinar-nos à eterna dupla maniqueísta do bem e do mal, a dialética deixou de ser determinista, nada impede que um partido neomarxista tenha sensibilidades diferentes no seu seio. O que me leva a ouvir e a ter esperança com o que diz Paula Santos, e na sua equipa com Bruno Dias e Alma Rivera.
https://observador.pt/especiais/paula-santos-pcp-condena-naturalmente-a-russia-mas-poe-eua-e-nato-ao-mesmo-nivel/ , parece clara a afirmação do Observador, o PCP condena a Russia, mas tal como eu digo, não devemos esquecer-nos de condenar quem achamos que não foi correto, não se pode pôr um mas à frente? isso não significa grau igual de condenação, pois não? Será isso resistencia?
Cara Ana Sá Lopes, se os poderes instituídos não conseguirem parar a guerra e fazer um acordo, entre outras consequencias teremos sérios problemas económicos no nosso país. Um país desgovernado pela incompetência técnica em demasiados ministérios. Destaco a pobre gestão da água, dos transportes, da habitação, da agricultura, da produção de energia, das ligações à Europa elétricas e de gás natural, das ligações à Europa ferroviárias. Em todos estes campos a propaganda do governo insiste que as suas soluções são as melhores. Acumulam-se os exemplos de recusa pelo governo de ouvir opiniões contrárias às suas (dele governo), vindas de técnicos, associações profissionais, empresários, académicos, mesmo quando a Constituição determina expressamente disposições contrárias à prática do governo. Na edição em que o seu artigo acaba referindo a resistencia do PCP vem uma reportagem que me fez chegar a lágrima ao olho, a retirada de crianças às famílias que são pobres. Sabe-se que os procedimentos jurídicos têm de mudar, isso mesmo foi dito no primeiro ano da presidencia de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas não mudaram, nem a conceção supremacista do govermo em questões técnicas. Penso que é demasiada resistência, mas quem sou eu ...
Pode continuar a mandar emails para o meu endereço. Prometo que os leio sem pensar mal de si pelo facto de não pensar como eu., queira ou não trocar impressões.
Com os melhores cumprimentos