quarta-feira, 30 de março de 2022

Descarrilamentos em Lualaba/Congo em 11mar2022 e em San Bernardino/California em 21mar2022

 1. Descarrilamento em Lualaba

https://www.aa.com.tr/en/africa/death-toll-in-dr-congo-train-crash-climbs-to-75/2534783

https://en.wikipedia.org/wiki/2022_Lualaba_train_accident

Mais um exemplo da atividade extrativa em África, predominando a preocupação de retirar dos países africanos as matérias primas sem que se desenvolva a industria transformadora, ou como os economistas gostam de dizer, produtora de bens transacionáveis. Isto é, beneficiam por um lado as empresas extrativas, por outro quem localmente detém o poder económico. Entretanto a infraestrutra do caminho de ferro não é devidamente mantida e os acidentes ocorrem com número elevado de fatalidades porque o comboio dirigia-se para a mina sem carga mas os vagões iam cheios de pessoas que não dispõem de serviço de passageiros.

Perante o elevado número de vítimas verifica-se o habitual, políticos anunciando a abertura de inquéritos e apuramento de responsabilidades. Seria interessante conhecer os resultados do inquérito e saber se foram tomadas medidas para evitar a repetição que não seja proibir as pessoas se subirem para os vagões qu8ando não há serviço de passageiros.

2. Descarrilamento em San Bernardino

https://www.nbclosangeles.com/news/local/freight-train-cars-derail-colton-video/2852634/

A seta a traço contínuo indica os aparelhos de via que podem ter estado na origem do descarrilamento; a seta a traço interrompido indica  o local onde as duas primeiras locomotivas tombaram sobre o seu lado direito enquanto a terceira locomotiva se atravessou pressionada pelos vagões


Foto do Google Earth junto do local dos aparelhos de via; à direita os pilares onde ficaram os vagões atravessados

Apesar de se tratar de um país desenvolvido e com elevada atividade industrial produtiva, verifica-se nesta região um elevado número de descarrilamentos, provável consequência de economias na manutenção e de falta de isolamento das vias relativamente à envolvente, como se pode ver pelas fotos. Um objeto estranho como uma pedra entalado nas lanças do aparelho de via é suficiente para provocar um descarrilamento, que até poderia ser de uma das locomotivas que seria arrastada até provocar a paragem e o descarrilamento das outras, seguindo-se a pressão dos vagões por inércia gerando-se o efeito harmónio. Outra hipótese seria o descarrilamento das locomotivas da frente por mau estado da via. Seria interessante conhecer o resultado da investigação do acidente, mas não sei se as cadeias de televisão acharão que terá interesse.








acidente em 1989: https://en.wikipedia.org/wiki/San_Bernardino_train_disaster


Acidente em 21mar2022 do Boeing 737-800

 

https://www.bloomberg.com/news/articles/2022-03-22/here-s-everything-we-know-about-the-china-plane-crash-so-far



Não se podendo afirmar nada de concreto sobre as causas do acidente e sabendo-se que o modelo deste avião, 737-800 é diferente do Boeing 737-Max que tinha uma deficiencia no software agravada pela deficiente adequação dos motores à geometria das asas, espera-se que o resultado das investigações venha a ser divulgado.

No entanto, mantenho que enquanto decorre o inquérito se devem ir pondo hipóteses, até para que o assunto não caia no esquecimento.

A forma como o avião caiu, com o nariz na vertical e uma ligeira inversão apontando para cima logo anulada, a 2400m antes do embate, sugere ou deficiente atuação humana ou falha de software com origem em falha de sensor (no fundo, o que aconteceu com o 737-Max). Repito que nada de concreto se pode afirmar antes do inquérito concluido, mas trata-se de uma hipótese que deverá ser completamente esclarecida, dada a dificil relação entre os mecanismos de segurança hard e soft. 

terça-feira, 22 de março de 2022

O gasoduto do leste dos Pirineus em março de 2022

 Notícia recente em março de 2022: a França deixou de ter reticencias sobre a construção do gasoduto do leste dos Pirineus, embora não haja calendário para a sua construção. Ao mesmo tempo o senhor primeiro ministro português defende a sua construção. Espera-se que venha a estender essa compreensão também às interligações ferroviárias com a Europa:

https://www.msn.com/pt-pt/financas/noticias/fran%c3%a7a-garante-j%c3%a1-n%c3%a3o-ter-retic%c3%aancias-a-interconex%c3%b5es-com-pen%c3%adnsula-ib%c3%a9rica/ar-AAVm8kD?ocid=mailsignout&li=BBoPWjC

Recordo o que escrevi em fevereiro de 2019, integrando a oposição ao gasoduto do leste dos Pirineus na obstrução oficial e eficiente às interligações energéticas e ferroviárias:

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2019/02/o-gasoduto-do-leste-dos-pirineus.html

E também em fevereiro de 2020:

http://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/02/caro-ministro-pela-simples-consulta-da.html

E em fevereiro de 2021:

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/02/participacao-titulo-individual-na.html

Economicómio XII - Acidentes (artigo escrito em junho de 2009)

nota: este artigo foi escrito em junho de 2009

No último mês ocorreram dois grandes acidentes aéreos (voo 447 da Air France e avião do Yemen nas Comores) e três ferroviários (colisão no metro de Washington, colisão em Chenzou na China e descarrilamento seguido de explosão de comboio de transporte de gás natural liquefeito em Itália). Apesar da percepção de insegurança induzida, os transportes ferroviário e aéreo continuam a ser seguros, com indicadores mais favoráveis do que o transporte rodoviário. Isso acontece porque a fiabilidade dos equipamentos e das infraestruturas é muito elevada. Tanto das componentes “hard” (fortes, usando uma terminologia clássica em electrotecnia), que é aquilo que se vê e se compreende mais ou menos como funciona fisicamente, como das componentes “soft”(fracas, segundo a mesma terminologia), que é aquilo que segue um programa virtual e escondido de entradas, processamento, consulta de memórias, e saídas. É assim que a estrutura e a caixa de um avião resistem a mais de 20 anos de uso intensivo (60.000 horas de voo) e as locomotivas e os vagões atingem mais de 50 anos de vida útil. E que não são os programas em si que têem erros ou avariam, mas antes os erros que têm origem em sensores avariados que entregam informações erradas aos processadores. Todavia, há regras a cumprir. A fiabilidade tem limites e exige o cumprimento de procedimentos de manutenção. E existe uma tendência muito forte para deixar as regras de segurança em segundo plano para obter preços mais baixos (não é o que os economistas, dizem, que as empresas existem para dar lucro e só depois para transportar pessoas?) . Todas as companhias aéreas se queixam de que estão a ter prejuízos (até a British Airways e a Lufthansa) e a tentação para cortar nos custos da manutenção é muito grande. Para além de interessar que os técnicos encontrem e corrijam as causas dos acidentes , interessa que a opinião pública se sensibilize para uma cultura de segurança. A cultura de segurança começa nela própria, na opinião pública, que deveria alterar os seus conceitos na segurança rodoviária. É prevalente a ideia de que na estrada qualquer um pode fazer o que quiser desde que cumpra as regras gerais do Código da Estrada. Ineflizmente não pode. Não há regras gerais. Há conceitos que devem ser compreendidos e aplicados sob pena do sistema de transporte rodoviário continuar a ter índices de acidentes intoleráveis. Isso é principalmente com a opinião pública porque os condutores constituem a opinião pública. Quanto à segurança do transporte ferroviário e aéreo, interessa instilar os conceitos na opinião pública para que seja mais fácil aos gestores que forem nomeados (estranha sina esta, os gestores são nomeados dentre o universo dos que ignoram as regras do negócio…) compreender os factores da segurança. É simples de seguir , o raciocínio. Se a fiabilidade elevada só se garante com o cumprimento dos procedimentos de manutenção, então não poderemos ir buscar o equilíbrio financeiro de uma empresa de transportes à economia na manutenção. Mesmo que o pagamento das indemnizações aos familiares das vítimas seja inferior aos custos da garantia da manutenção. É uma questão de valorar o benefício das vidas humanas que se poupariam com a exacta medida dos custos da manutenção. Que pensem duas vezes os gestores, quando decidirem reduzir os custos da manutenção ou aumentar os intervalos de monitorização. Não é orgulho reduzir os quadros do pessoal afecto à manutenção. É o dilema dramático do economista: sabe quanto custa uma coisa, mas ignora o seu valor. Só que na coisa, neste caso, entram vidas humanas. E que a opinião pública deixe de considerar bom gestor aquele que declara, imediatamente a seguir ao acidente, que já ordenou um rigoroso inquérito, e que todas as conclusões serão aplicadas para melhorar a segurança. Porque o bom gestor é aquele que compreende por que as coisas aconteceram. No caso dos acidentes aéreos, está-se evidenciando o excesso de confiança na fiabilidade dos equipamentos e dos automatismos. Desconfia-se de algumas fragilidades de utilização dos radares meteorológicos (é necessário proceder a ajustes para conseguir detectar granizos), da fiabilidade dos sensores anemométricos a condições extremas (as sondas Pitot), de automatismos que se sobrepõem à acção dos pilotos durante tempo demais. No caso dos acidentes ferroviários em Itália e na China, pela fotografias disponíveis, parecerá que os acidentes terão tido origem em zonas de agulhas, onde é maior o risco de descarrilamento se as manutenções não detectaram previamente as falhas no material circulante (qualquer peça que caia pode contribuir para o descarrilamento) ou nas agulhas (não cumprimento de todos os itens da lista de manutenção). No caso de Itália é questionável por que não existe um gasoduto ou pipeline (eles próprios exigem normas de segurança para monitorização das pressões e fugas) entre o porto e o centro de consumo. No caso do metro de Washington, estranho, depois das conferencias de imprensa em que foram ventiladas a maioria das hipóteses de causas, a insistência numa hipótese pouco provável (avaria do circuito de via detector da presença do comboio embatido, sem que tenham sido notados os comportamentos anómalos que antecedem a avaria total; recentemente aconteceu um caso semelhante no metro de Boston e esses sinais foram detectados) quando se omite por que razão há tanta certeza em que o comboio que embateu seguia em marcha automática. Neste caso vai mesmo ter de se esperar pelo relatório dos investigadores do NTSB. Analisemos outros casos concretos. 1 – a falta do pipeline para o Aeroporto da Portela - O sucesso da EXPO 98 foi manchado por alguns factos: sobre-construção e desorganização urbanística, inutilização da marina durante 8 anos, e reorganização incorrecta dos depósitos e distribuição de combustíveis. Neste momento, diariamente, 80 camiões descarregam no Aeroporto da Portela o combustível que antes da EXPO 98 era transportado em segurança por pipeline a partir de Cabo Ruivo. Trata-se de uma situação de risco indesejável, que poderia ser reduzido se fosse construido novo pipeline. 2 – Há 30 anos atrás, na cabina dos aviões encontravam-se os dois pilotos e um mecânico de bordo (“flight engineer”. Por razões de economia, suprimiu-se a função do mecânico de voo. Embora os pilotos saibam o que estão a fazer, a concentração nas respetivas funções e uma menor sensibilização já têm sido responsáveis por acidentes graves. O paradigma desta situação foi o acidente da TWA em New York, com um avião que tinha vindo de Atenas com avaria no ar condicionado, o que roubou potencia na descolagem. Duvido que no caso do acidente com o avião da TAM a aterrar na pista curta de Congonhas em S.Paulo sob chuva intensa, com um dos reversers fora de serviço, o mecânico de voo, se existisse, tivesse autorizado a descida. 3 – os trabalhos de remodelação dos cais da estação de S.Sebastião – houve passageiros do metropolitano de Lisboa que estranharam ver andaimes e escadotes e máquinas de pavimentação em plena acção enquanto os comboios passavam em marcha reduzida, sem que entre a zona de trabalhos e os comboios existisse uma vedação protectora. O perigo aqui era o de queda de pessoas ou materiais para a frente do comboio. Felizmente a obra concluiu-se sem problemas, mas, até porque ainda há pouco tempo tinha decorrido a obra de remodelação dos cais da estação Avenida, com vedações de protecção, a diferença de critérios terá sido chocante. Como homenagem aos pedreiros que estiveram sujeitos àquele perigo, transcrevo o poema de Chico Buarque de Holanda, embora deslocado do meio ferroviário para o meio rodoviário. Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última E cada filho seu como se fosse o único E atravessou a rua com seu passo tímido Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima Sentou pra descansar como se fosse sábado Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão atrapalhando o tráfego Amou daquela vez como se fosse o último Beijou sua mulher como se fosse a única E cada filho seu como se fosse o pródigo E atravessou a rua com seu passo bêbado Subiu a construção como se fosse sólido Ergueu no patamar quatro paredes mágicas Tijolo com tijolo num desenho lógico Seus olhos embotados de cimento e tráfego Sentou pra descansar como se fosse um príncipe Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo Bebeu e soluçou como se fosse máquina Dançou e gargalhou como se fosse o próximo E tropeçou no céu como se ouvisse música E flutuou no ar como se fosse sábado E se acabou no chão feito um pacote tímido Agonizou no meio do passeio náufrago Morreu na contramão atrapalhando o público Amou daquela vez como se fosse máquina Beijou sua mulher como se fosse lógico Ergueu no patamar quatro paredes flácidas Sentou pra descansar como se fosse um pássaro E flutuou no ar como se fosse um príncipe E se acabou no chão feito um pacote bêbado Morreu na contramão atrapalhando o sábado


PS em março de 2022 - confirmou-se posteriormente a falha na origem do acidente do metro de Washington, o aproveitamento de um bastidor de cabos após a instalação de novos circcuotos de via, mas em que o bastidor permitia interferencias que inibiam o ATC de conhecer a posião do comboio parado adiante do comboio que embateu:

segunda-feira, 14 de março de 2022

De novo, ópera no S.Carlos

 Finalmente, após 3 anos de promessas e recuos, desde a desajeitada política do ministério da Cultura desculpando-se com greves, à pandemia, consegui ver uma representação da Boheme. Com bom número de bons cantores portugueses (sempre com ligações ao estrangeiro, que o nosso meio é tão pequeno) , uma encenação de uma antigo diretor do teatro de Madrid, e uma boa interpretação da orquestra e do coro.

Pena haver poucas óperas em Portugal. Destaco os cartazes que o encenador inseriu, ligados aos anseios da juventude por um mundo melhor nos anos 70 do século XX, e depois frustrados, assim como assim o que a ópera retrata são os problemas da juventude: "make love, not war", "même travail, même salaire", "on ne nait pas femme, on le devient".

Schaunard, Colline, Musetta, Marcello, Mimi, Rodolfo


E de como no século XIX já se dizia o que hoje alguns dizem, embora seja clara na ópera a intenção de Colline de contrariar a frase maldita, como aliás devemos fazer na atualidade, apesar das Mimi que morrem, apesar de tudo:

"Già dell'Apocalisse appariscono i segni"  - os sinais do Apocalipse começam a surgir ...


quinta-feira, 10 de março de 2022

Segundo email para uma senhora jornalista em 7 de março de 2022 sobre a guerra

 



Para: ana.sa.lopes@publico.pt <ana.sa.lopes@publico.pt>
Assunto: Dificil a troca de impressões
 

Bom dia. 

Declaração prévia: as imagens que passam na televisão de destruição de habitações civis, as notícias de utilização de armas de fragmentação e de mortos civis, a invasão pelas forças militares russas são mais do que suficientes para condenar Putin e os seus apoiantes. Mas Carmo Afonso tem razão, “É preciso atender às vozes que dizem … que Putin não está ligado à esquerda mas a interesses económicos … perdeu adeptos a visão pacifista da esquerda… defende-se das posições que toma … [desprendeu-se] uma rude avalanche de anticomunismo”. Como diria Chico Buarque, grita-se “Joguem pedra na Geni”. É isso, existe um subconsciente coletivo que estava reprimido e agora pôde soltar-se numa caça às bruxas, McCartysm revisitado. Pensei calar-me porque é de facto extremamente chocante ver o sofrimento dos ucranianos, todos conhecemos ucranianos imigrados e deles gostamos,  mas vou fazer como o menino da historieta, o pensamento dominante em Portugal vai nu, o artigo 7º da Constituição é muito claro no nº2, “Portugal…preconiza a dissolução dos blocos político-militares”. Muito bem, talvez tenham a maioria para alterar a constituição, mas enquanto o não fizerem não podem aceitar acriticamente o discurso oficial da NATO nem esquecer o que ela bombardeou, também edifícios civis e com armas de fragmentação ou a Constituição não é para cumprir. 

 

Recebi novo email seu que li com interesse. Não é resposta ao meu email  mas serve-me de pretexto para a felicitar pela entrevista a João Oliveira. Não sei se terá atingido o seu (da Ana) objetivo, entendê-lo, aliás também não sei se entendi bem, preferi o discurso de Jerónimo no comício de 6 de março. Não se terá ressarcido completamente das declarações desastradas na AR, mas disse uma coisa que jornalisticamente penso que merecia a pena tirar a limpo. 15000 ucranianos russófonos mortos. Confirma-se? Civis? Civis armados? Membros das milícias do Donbass ou simples civis? Habitações civis bombardeadas? E do lado da população ucraniana? quantos nesta estatística macabra numa guerra civil que já dura desde 2014 (incluídas as vítimas do abate do avião malaio parece que por milícias pró-russas). Pouca atenção foi dada a essa guerra desde 2014, aplaudida a revolução Maidan mas não escrutinadas as circuntancias … e sabe-se que a História é escrita pelos vencedores. 

Existe uma falha grave no PCP, que paradoxalmente até é elogiada pelos comentadores defensores da liberdade de expressão: a persistência. Mas a persistência decorre do método organizativo, da estrutura hierárquica e da forma de tomada de decisões. Era um mecanismo eficiente no tempo imediatamente pós Marx, eram métodos que do ponto de vista representativo e participativo, pelo peso do coletivo, correspondia na altura ao pensamento mais evoluído da sociologia das organizações e das empresas ainda antes de Taylor. 

A sociologia das organizações, a psicologia comportamental dos grupos, evoluíram, os métodos primitivos já não servem a ideia (detenção pela comunidade organizada dos meios de produção necessários para garantir o bem estar da população, dos que produzem e dos que perderam a capacidade de produzir) . Aliás, deixaram de servir quando foi esquecida a proposta de Lenine (não, não estou a propor o método leninista de tomada do poder) quando respondeu a um opositor que dizia que se se fizessem as coisas como Lenine dizia, então até uma senhora da limpeza podia participar e influir no processo decisório, ao que Lenine respondeu, mas é isso mesmo que se pretende. É isso, há laivos de leninismo nos artigos 37º e 48º da nossa Constituição, direito a ser informado e a participar nos assuntos públicos, mais uma mudança a fazer, porque o governo da nossa democracia liberal o que faz é decidir sem ouvir os interessados exteriores ao  seu grupo, depois faz uma consulta pública e quando um insignificante cidadão aponta uma inconformidade, a APA (Agencia Portuguesa do Ambiente) diz “fora do âmbito do RECAPE” (relatório de conformidade ambiental com o projeto de execução). Difícil, fazer progredir assim o país. 

Sobre a organização de um partido tentei sistematizar a crítica aos métodos rígidos e pouco democráticos em  

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/09/5-horas-de-um-fim-de-dia-remansoso.html 

Houve uma quebra entre o partido e os destinatários da mensagem, há que mudar os métodos de representação e participação para servir a ideia. Talvez João Oliveira não tenha aceite isso, talvez Jerónimo de Sousa, apesar de conciliatório. Disse mesmo aquilo? em que contexto? sim, disse, mas também disse isso em 2018, que queria outra Europa, não esta https://www.pcp.pt/portugal-uniao-europeia-romper-dependencias-defender-soberania-construir-uma-outra-europa ;    quererá ele sair do euro e da união europeia? será exagerado concluir que ele disse isso e não parece haver um documento oficial do partido a dizer isso, deixemos o PCP continuar integrado no seu grupo de esquerda no parlamento europeu, mas seria interessante que partidos confessionais como a democracia cristã alemã, não dominassem a orientação da EU, precisamente por ser confessional; curiosamente, parece altamente provável que no discurso que Jerónimo leu automaticamente em 2018, falta um não: “Se é verdade que [não(?)]foi ao arrepio de algumas das orientações da União Europeia que alcançámos conquistas … “  porque no parágrafo anterior a estrutura do raciocínio e a sintaxe foi enunciar primeiro um aspeto positivo logo seguido de um aspeto negativo, valerá a pena esclarecer isto, 3 anos depois? curiosamente também, num artigo recente no Público João Caraça apela a uma nova união europeia, menos desigual … será que vão cair em cima de João Caraça a dizer que está  a apoiar Putin? Quem não for por mim é contra mim?   https://www.publico.pt/2022/03/06/mundo/opiniao/2084-1997712 )  

Não terá, ou o método não lho permitiu, valorizado a necessidade de mudança, de se sentar à mesa com quem amargurado dissidiu, como Carlos Brito, Domingos Lopes … e de aceitar que talvez tenham sido as consequências lógicas do método, “envelhecido” como diria Marx, que quebraram a ligação entre as cúpulas do partido e os eleitores simpatizantes. Esperemos que com humildade aceite a posição de tantos eleitos pelo PCP em autarquias, mais próximos da população, condenando claramente a invasão, como aliás é o sentimento dessa mesma população (se a Ana Sá Lopes falou nos desabafos dos desiludidos que vão deixar de votar no PCP, também pode falar nos desiludidos como eu que vão continuar a votar nele, se chegar às próximas eleições, claro, coisa que faço desde as eleições de 1969 – eleições livres, estava Rogério Paulo na mesa, numas eleições contemporâneas da invasão do Vietnam (ou terá sido uma intervenção militar para defender os valores do “Ocidente”?) e do “Hair”, que sujeitaram a referendo a continuação da guerra colonial, e a maioria … votou pela guerra, sacudo a areia que Churchill lançou nos olhos das pessoas com aquela do sistema pior, a propósito, chegou a rever as Crónicas de Inglaterra de Eça de Queirós?). 

Difícil, trocar impressões, e por vezes perigoso. Li no seu email que reprova a proibição dos canais russos. Alívio meu, mais uma coisa em que concordamos (mas cuidado, é mesmo perigoso trocar impressões, espero sinceramente que aquela do apaziguamento” do Chamberlain não lhe traga comentários verrinosos. Ainda bem que muitos jornalistas e comentadores já exprimiram repúdio por esse ato de censura. Ainda bem também que já divulgaram a crítica do realizador ucraniano Loznitsa ao boicote cultural aos artistas russos, por mais que critiquem Putin    https://www.publico.pt/2022/03/02/culturaipsilon/noticia/boicote-cultural-russia-cresce-dia-dia-historia-forma-luta-nao-100-bemsucedida-1997400   . É um ato de pequenez cultural, digno dos generais ignorantes (Mesopotâmia, berço da cultura da Humanidade …) que deixaram sem proteção o museu de Bagdad (honra aos dois capitães que tinham estudado História e conseguiram montar guarda ao museu). Idem para o desporto, então os jogos olímpicos não foram criados pelos gregos antigos para suspender guerras? Ora, sanções económicas vão atingir as populações civis russas muito para além dos oligarcas, mas também quem, como em Portugal, trabalha em setores exportadores ou é simplesmente afetado pela crise energética e alimentar. A inflação a ameaçar para além do razoável. 

Alternativa? Arranjem um mediador, Israel, Índia, Turquia, China, mas arranjem para parar a guerra. Concentrem-se nisso, façam como Gandhi ou Mandela, ou como os mediadores do IRA, da ETA, funcionou. 

Ah, sim, mas isso é contra o pensamento dominante. Mais vale arranjar um culpado por não condenar o agressor Putin (embora o PCP tenha condenado a agressão mas com a veleidade de querer condenar outras coisas), jogue-se por isso pedra na Geni (Gizas, Gizas, não te ouvem, não matarás, não jogarás pedra em ninguém… mas há sempre alguém que diz, como Carmo Afonso, “pacifistas seguimos”). 

 

Com os melhores cumprimentos 

Email a uma senhora jornalista em 27 de fevereiro de 2022 sobre a guerra

 Enviado: 27 de fevereiro de 2022 21:41

Para: ana.sa.lopes@publico.pt <ana.sa.lopes@publico.pt>
Assunto: Dificil, trocar impressões
 
Cara Ana Sá Lopes

Estou a enviar-lhe este email porque de vez em quando recebo um email seu, que aliás leio, normalmente, com interesse, e por isso parecerá normal trocarmos umas impressões. Se bem que isso seja, como digo em "assunto", difícil, por variadissimas razões, umas ligadas à natureza da própria espécie humana, e outras menos por isso.
Deixe-me antes de mais, tal como Pacheco Pereira fez, declarar formalmente que condeno (adotou-se este termo, não sei se no seguimento da olímpica frase "tem 13 segundos para condenar" - como em 13 segundos reunir o comité central, debater os termos, analisar a tese, analisar a antitese e propor a tese a votação?) a invasão da Ucrania por Putin e seus soldados.
Espero assim poder trocar impressões consigo.
Começo por dizer que me identifico mais com Cristina desalinhada (desalinhadora): Putin César romano (como se alterou o processo histórico da república romana de fusão das elites com os artífices e com os produtores de mais valias em benefício da proteção divina, por deuses pagãos ou cristãos, das famílias mais poderosas?), Putin Ivan o Terrível (e os boiardos seus inimigos, os boiardos seus amigos e a expansão para o Casakestão), Putin napoleão (demente de megalomania, pese o benefício do código civil; a propósito, como está aquele contencioso dos bens patrimoniais levados para França pelos exércitos deste demente?), Putin nazi (nasceu do nada, Hitler? talvez ler bem o que escrevia o presidente da câmara de Viena quando Hitler por lá andou (ainda tem o estatuto neutral, a Austria?), e rever as condições do tratado de Versalhes), Putin Mao (como ele próprio disse, o poder corrompe), Putin Estaline (bem avisou Lenine, o homem da nova ordem económica, que aliás não era nova, era um retrocesso para ganhar força perante a agressão dos exércitos "ocidentais" na guerra civil, que o camarada Estaline não era o que ele queria fazer crer, mas não deu).





Se teve paciencia para me ler até aqui (jornalista sofre) já deve estar a pensar que sou um caso perdido. Talvez, mas pego na constituição e leio que tenho o direito de exprimir as minhas opiniões e que no artigo 7º vem escrito:



Serão objetivos incompatíveis? abolir o imperialismo, dissolver os blocos político-militares, reconhecer o direito à auto determinação?
Que soluções proporiam para a Ucrania Gandhi (o desgosto que ele teve quando tiveram de se cruzar as duas procissões, uma para o Paquistão, outra para a União, menos forte do que ele tinha pensado quando se opôs, pela não violencia, à democracia liberal e ocidental inglesa) ou Mandela (por que cargas de água não se pode viver com cores diferentes?)?
Ou pensemos em Eça de Queirós, de que gosta, que eu sei pelo que já escreveu, quando nas Crónicas de Inglaterra descreve Alexandria, a Irlanda, as cidades do Afeganistão. Dignos antecessores dos 4 do Iraque das armas de destruição maciça (Bush, Blair, Aznar, Barroso, honra a Sampaio que se recusou ao beija mão).
Ou por outras palavras, a barbárie de Putin não pode servir de pretexto para branquear as barbáries dos bombardeamentos de civis desarmados afegãos com drones telecomandados do Wisconsin em horário de expediente, nem os bombardeamentos de Belgrado pela NATO, sem nenhum mandato da ONU e violando indecentemente a Ata de Helsínquia (eu sei, não estou a branquear os sérvios, só estou a dizer que a Jugoslávia não alinhada incomodava) - talvez fosse um furo jornalístico descobrir o que foi feito de Dragona, bonita em sérvio, que teve de fugir de Pristina - nem os desfolhantes nas florestas do Vietnam - senhor presidente (Nixon), não bastam os helicopteros do Apocalipse now, é preciso desbastar a floresta para não deixar os guerrilheiros esconderem-se nela - nem as ameaças do embaixador americano que se negociarem com os chineses o abastecimento de gás natural no porto de Sines sofrerão consequencias, isto para não aprofundar o que aconteceu ao secretário de Estado que em 1975 disse a Frank Carlucci, saia.
America and NATO, hands off, e eles já vão na Estónia, sob o olhar alucinado e supremacista de Stoltenberg, mas não estávamos a trocar impressões sobre Portugal? vem a propósito, por um lado recordar outros autocolantes, a estrela da paz, make love, not war (pendurada no meu carro quando entrava e saía do quartel, em Sapadores, em 1972), o entusiasmo pelo "Hair", e muitos anos depois as manifestações "Paz sim, guerra não" contra os 4 acima recordados... por outro as eleições de 1969, livres, que eu bem me lembro de Rogério Paulo na mesa, não houve chapeladas, e a maioria votou pela continuação da guerra, lembro-me, fui minoria.
Tentemos a História, ou mais uma vez, o processo histórico de que falava o meu professor de filosofia em 1961, olhando para a porta da sala de aulas, não fosse o contínuo suspeito de ser informador arranjar mais coisas para informar, porque normalmente ela é escrita pelos vencedores e qualquer alternativa é uma lamentação dos vencidos. A WWI , gerada pela serpente do colonialismo (a avidez das potencias ocidentais pelas riquezas das colónias, não é isso, o congresso de Berlim?) não gerou só um ovo de serpente; o heroi das duas guerras, Churchill, foi responsável pelo morticínio de soldados e marinheiros australianos, franceses e ingleses no assalto aos Dardanelos, que ele sabia não poder ser ultrapassado com os meios disponíveis, seguiu-se ainda antes da WWII o bombardeamento duma cidade francesa ocupada pelos alemães na retirada de Dunquerque, e no fim da WWII Dresden - o sempre presente desprezo pelo valor da vida humana (crime de guerra, diria ela). O que não me deixa aplaudir a distribuiçãode armas aos civis para enfrentar os bárbaros de Putin. Nenhuma vida humana merece ter o que John Lennon denunciou no "Imagine", haver coisas pelas quais matar ou ser morto. E estão as democracias liberais ocidentais a enviar armas para a fogueira... A ONU parece a Sociedade das Nações  (longe vá o agoiro, arranjem um mediador, sentem-se à volta duma mesa)... Benjamin Britten tinha razão, apesar de Churchill lhe chamar traidor apoiante de Hitler. https://fcsseratostenes.blogspot.com/2022/02/a-paz.html 
É isso, o processo histórico é lento e tem vaivens no caminho para a liberdade, a igualdade e a fraternidade, não se materializa como pensávamos, quando há anos que se vêem nos jornais fotografias de crianças ucranianas a serem industriadas pelos seus pais no uso de Kalashnikovs ... não são herois, nem de banda desenhada, são vítimas. Ninguém merece morrer na guerra e que o seu corpo  seja obscenamente exposto, com tanques destruídos em fundo, nas primeiras páginas dos jornais por esse mundo fora, para normalizar o pensamento ocidental. E contrariamente ao que diz um entrevistado do seu jornal, a guerra entre israelitas e palestinianos também é uma guerra entre irmãos (ou a Bíblia ficcionou a história de Ismael? primos, então?), todas as guerras são entre irmãos, é por isso que não deve haver guerras.
Apetece-me louvar os cidadãos e as cidadãs russos e russas que têm saído à rua para se manifestarem pelo fim da guerra, não se exponham às balas da repressão, mas tentem manifestar  o que pensam e sentem.
E quase como comecei, tenho de trocar impressões consigo sobre o seu comentário da 4ª morte - a resistencia do PCP em condenar a invasão da Ucrânia. Atabalhoada intervenção de João Oliveira, rebuscada declaração de Jerónimo, que admiro mas que provavelmente tenta conciliar a tradição rígida no partido com uma mentalidade mais aberta, e tem dificuldade nessa troca de impressões interna. Choca assim tanto evocar a União Soviética? A condenação dos seus atentados aos direitos humanos não deve branquear os atentados aos direitos humanos de quem quer que seja. Não é whataboutismo,  deve estudar-se a ideia e ver porque falhou, uma união de povos, a estruturação de valores como a igualdade e a organização e a proteção do trabalho não é uma boa ideia? falhou o objetivo mas compreender uma tentativa não é justificá-la.  Não há tantos objetivos comuns com o que pretendemos na União europeia?  Surpreende o raciocínio de Jerónimo? Desde o tempo de Marx a ciencia da estruturação do pensamento evoluiu, nomeadamente com avanços do conhecimento sobre o comportamento e os métodos de gestão de grupos organizados, a evolução da tecnologia alterou o conceito de classe operária, nem sequer é preciso haver vanguardas, o conhecimento evoluiu o suficiente para aplicar soluções tecnicamente eficazes para o bem estar das sociedades, pese embora que haja quem não queira colaborar (colaborar, não competir, lamento ter de contradizer Adam Smith). A própria Física esclareceu no princípio do século XX que os determinismos e uma lei universal de que tudo se deduz são mais uma construção do pensamento do que uma realidade. Não devemos subordinar-nos à eterna dupla maniqueísta do bem e do mal, a dialética deixou de ser determinista, nada impede que um partido neomarxista tenha sensibilidades diferentes no seu seio.  O que me leva a ouvir e a ter esperança com o que diz Paula Santos, e na sua equipa com Bruno Dias e Alma Rivera.   https://observador.pt/especiais/paula-santos-pcp-condena-naturalmente-a-russia-mas-poe-eua-e-nato-ao-mesmo-nivel/  , parece clara a afirmação do Observador, o PCP condena a Russia, mas tal como eu digo, não devemos esquecer-nos de condenar quem achamos que não foi correto, não se pode pôr um mas à frente? isso não significa grau igual de condenação, pois não? Será isso resistencia?

Cara Ana Sá Lopes, se os poderes instituídos não conseguirem parar a guerra e fazer um acordo, entre outras consequencias teremos sérios problemas económicos no nosso país. Um país desgovernado pela incompetência técnica em demasiados ministérios. Destaco a pobre gestão da água, dos transportes, da habitação, da agricultura, da produção de energia, das ligações à Europa elétricas e de gás natural, das ligações à Europa ferroviárias. Em todos estes campos a propaganda do governo insiste que as suas soluções são as melhores. Acumulam-se os exemplos de recusa pelo governo de ouvir opiniões contrárias às suas (dele governo), vindas de técnicos, associações profissionais, empresários, académicos, mesmo quando a Constituição determina expressamente disposições contrárias à prática do governo. Na edição em que o seu artigo acaba referindo a resistencia do PCP vem uma reportagem que me fez chegar a lágrima ao olho, a retirada de crianças às famílias que são pobres. Sabe-se que os procedimentos jurídicos têm de mudar, isso mesmo foi dito no primeiro ano da presidencia de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas não mudaram, nem a conceção supremacista do govermo em questões técnicas. Penso que é demasiada resistência, mas quem sou eu ...

Pode continuar a mandar emails para o meu endereço. Prometo que os leio sem pensar mal de si pelo facto de não pensar como eu., queira ou não trocar impressões.

Com os melhores cumprimentos