domingo, 25 de junho de 2023

Comentário ao artigo no Portugal Ferroviário sobre o problema da bitola

 


Comentário ao artigo de Transmaniac no Portugal Ferroviário de 27 de janeiro de 2023 sobre a bitola,

https://portugalferroviario.net/politicas/2023/01/27/o-problema-da-bitola-ferroviaria-em-portugal/

 tentando trocar ideias, conceitos ou pragmatismos tanto quanto possível com fundamento técnico, tentando alguma convergência em substituição da desvalorização sistemática dos argumentos contrários, e enviado, o comentário, à redação por não caber na caixa de comentários.

Com os melhores cumprimentos


 

1 – um problema de perspetiva – peço desculpa, mas no grupo de críticos da estratégia oficial, estão técnicos com experiência de décadas na manutenção  e no planeamento de infraestruturas, menos na gestão da operação, mas com alguma. E não pretendemos uma migração massiva e disruptiva. Pretendemos apenas o início do planeamento credível da concretização da parte portuguesa das redes TEN-T em coordenação com Espanha, França e União Europeia cumprindo o regulamento 1315 (atualmente em fase de revisão).

No documento seguinte, apresentado em fevereiro de 2018 num debate na Ordem dos Engenheiros, pode ver-se a estimativa de 17.200 milhões de euros ao longo de 22 anos, perfeitamente exequível com financiamento europeu, perspetivando o progressivo crescimento das exportações e a eficiência energética e redução de emissões no tráfego Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto.    Documento técnico para apoio ao debate sobre a rede de bitola UIC em Portugal.docx

É verdade que não existe em Espanha um plano de migração total da bitola nem um plano para chegar com ela à fronteira portuguesa. Mas não admira, depois dos governos portugueses terem desistido dos corredores internacionais nas sucessivas cimeiras, em dissonância com o regulamento 1315. No entanto, recordo que em Espanha há cerca de 11.000 km em bitola ibérica, 3.000 km em bitola UIC (para passageiros) e 270 km em bitola mista (3 carris, por exemplo nas Astúrias em Pajares). Concordo que a gestão de redes duais é um quebra cabeças, mas por isso existe a ADIF convencional e a ADIV AV de gestão separada. Verba orçamentada em Espanha para 2023 para o corredor atlântico 1648 milhões de euros e para o mediterrânico 1695 milhões; 2477 milhões do PRR

https://www.mitma.gob.es/el-ministerio/sala-de-prensa/noticias/lun-06032023-1400

Sendo verdade que o volume de exportações por modos terrestres para além Pirineus é inferior ao exportado para Espanha, também é verdade que o valor das exportações para Espanha é inferior ao exportado para o resto da União Europeia (INE 2022:  para Espanha 11,42 milhões de toneladas e 17.000 milhões de euros; para o resto da EU 5,97 milhões de toneladas e 26.000 milhões de euros). O que defendemos é começar desde já  a preparar as condições para que antes de 10 anos seja transferido pelo menos 30% do tráfego rodo para a ferrovia (incluindo o transporte de semirreboques, art.19.d.i do regulamento revisto), sem interrupções de transhipment (seamless numa rede única, arts 12.1.i.a  e  13.1.a).

Que diz um dos principais operadores, depois de afirmar que os críticos não percebem do negócio ferroviário? It’s evident that I, as a railway operator, would like to have standard gauge. It would be much easier. I don’t have to arrive at the border with France and change bogies or trains. It would be much easier to have standard gauge freight routes across the Iberian peninsula, but they don’t exist.                                                                                                                             https://www.railwaygazette.com/in-depth/freight-medway-takes-on-the-trucks/59909.article   

Mas é exatamente isso que pretendemos, se “não existe”, que os governos se entendam e que obtenham financiamento comunitário. No caso da parte espanhola, são 250 km de linha nova para mercadorias que faltam de Plasencia para Madrid e 420 km (330 km por Aranda de Duero) de Madrid para Vitoria. Mas os benefícios da linha nova são, por exemplo, nas mercadorias, eliminando os gradientes, passar de um consumo de 38 Wh/ton-km para 26 Wh/ton-km. Não devemos continuar a dizer que “um dia, quando for possível, quando Espanha chegar à nossa fronteira” . Não é pragmático não ter datas objetivo…

Nos passageiros, a transferência do modo aéreo para a Alta Velocidade nas ligações Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid, como no seminário de 15jun2023 da Transportes e Negócios o coordenador do corredor atlântico Carlo Secchi mais uma vez pediu aos governos português e espanhol, com a consequente economia energética e redução de emissões.

Vem a propósito citar Daniel Gros, diretor do centro de estudos europeus, em 2015:  A razão pela qual ainda não existe uma boa interface entre as redes de energia espanhola e francesa … é … a falta de vontade dos monopólios de ambos os lados da fronteira de abrir os seus mercados. Muitos projetos ferroviários e rodoviários também avançam lentamente, devido à oposição local e não à falta de financiamento. Estas são as verdadeiras barreiras ao investimento em infraestruturas na Europa…”     Não fomos nós que “inventámos” a realidade deste argumento.

Sobre a amplitude financeira incluir o material circulante, uma das vantagens da abertura das redes a vários operadores é a destes assumirem custos de aquisição do material circulante. E sobre a facilidade de mudança nas travessas polivalentes, a opinião de quem tem experiencia de trabalhos de via é a de que não é assim tão fácil como isso, com perturbações inevitáveis no serviço, para mais quando, como em Évora-Caia, se constrói apenas uma via (sem plataforma para a segunda via no caso dos viadutos). Por mais que o senhor primeiro ministro diga que é uma solução inteligente e uma mudança simples (“No dia em que haja essa mudança em Espanha, desaparafusa-se daqui e aparafusa-se aqui” – telejornal no canal 4 de 21jun2023). Notar que do lado espanhol a via já é dupla, facilitando a transição da posição dos carris nas travessas, uma via de cada vez.

Sobre os eixos variáveis, sem dúvida que é correto encarar numa fase transitória em Portugal a sua utilização no caso dos passageiros, como em Madrid-Ourense-Santiago. Porém no caso das mercadorias, por razões de manutenção a longa distancia do fabricante, não parecerá aconselhável.

 

2 – o argumento espanhol, a migração de bitola – Reconhecemos que não existem planos de ligação de bitola UIC a Portugal, mas, recordando a adjudicação em 2011 do Poceirão - Caia por 1200 milhões de euros e o programa de trabalhos então coordenado com a contraparte espanhola, essa ausência de planos é principalmente da responsabilidade dos governos portugueses conforme demonstrado nas cimeiras ibéricas (declarações do primeiro ministro em outubro de 2020 após a cimeira da Guarda: “Um dia seguramente, Portugal estará ligado à rede de Alta Velocidade” – um dia quando, de San Jamás?).

Sobre o corredor atlântico é evidente a importância da plataforma de Vitoria, e sobre o corredor mediterrânico é simples de analisar do ponto de vista do processo económico. Segundo números de 2019 o PIB da Catalunha era 213 mil milhões, Valencia 105, Andaluzia 150, Madrid e Castila la Mancha 256. Que poder atrativo têm os 71 da AML, os 98 do Norte os 21 do Algarve e Alentejo e os 19 (!) da Extremadura? Mas detenhamo-nos no site do corredor mediterrânico:

La iniciativa - El Corredor Mediterraneo

 

3 – o argumento emocional, a ilha ferroviária – Podemos de facto ter incorrido no defeito emocional ao invocarmos a imagem de ilha (perdoe-se-nos a petulância de seguir a ideia de Saramago na Jangada de Pedra), mas o argumento da competitividade está expresso no considerando 38.d do regulamento revisto (ver ponto 5), não fomos nós que o inventámos.

Quanto às Asturias, recordo a ligação de 3 carris de Pajares (não exclusiva do corredor mediterrânico), a sua inclusão no alargamento do corredor atlântico  e ligação com o Y basco, e o programa para apresentação do plano de desenvolvimento do corredor atlântico para outubro de 2023.

Mas há efetivamente muito, muito a fazer para que a situação ferroviária não “faça corar de vergonha a nossa península”. Concordamos, o ERTMS é um problema por causa do CONVEL que já impede as locomotivas EURO 6000 de entrar em Portugal (considerando 44 do regulamento revisto: os sistemas de via de classe B de controle de velocidade deverão ser removidos até 2040). Tenho reservas quanto à solução em curso (a experiência tida com os sistemas ATP e ATO no metropolitano de Lisboa de 2000 a 2009 mostrou que numa fase anterior à normalização do ERTMS qualquer solução exige o entendimento entre o fornecedor do material circulante e o fornecedor do equipamento de controle embarcado e de via ). Mas consideramos que bitola UIC e ERTMS  são componentes de interoperabilidade, a cumprir, sem necessidade de hierarquizá-los.

 

4 – o argumento da interoperabilidade em Portugal – Compreendemos a argumentação de preferência por uma rede única, de gestão evidentemente mais simples do que redes duais, e os incómodos de comboios de passageiros bibitola e intercambiadores (concordamos que bibitola de mercadorias só em casos específicos), mas divergimos na redução da área da interoperabilidade a Portugal. Defendemos a interoperabilidade com a rede de bitola UIC de Espanha com 3000 km e a interoperabilidade com a Europa além Pirineus (precisamente para  acabar com transbordos), com um volume de negócios (em euros) por modos terrestres já hoje superior aos negócios com Espanha (ver pontos 1 e 6).

Até certo ponto, concordamos. É necessário preparar gradualmente as coisas para proceder a, não uma “migração” total, mas à concretização das redes TEN-T em Portugal e Espanha, conforme a regulamentação europeia em processo de revisão e aprovação. Mas reiteramos que os números do INE para as exportações não conferem com a classificação de “esmagadora maioria”, do tráfego interno e com Espanha, redutora do potencial da negociação com a Europa além Pirineus.

 

5 – o argumento político, os regulamentos europeus – registamos com apreço a referência ao artigo 16.a . É de facto a essência da questão e também concordamos que é críptico. Mas olhe que não fomos nós que o tornámos críptico. Na sua simplicidade, nós defendemos o cumprimento do considerando 38.d : “Uma bitola ferroviária diferente da bitola nominal da norma europeia de 1 435 mm dificulta gravemente a interoperabilidade das redes ferroviárias em toda a União e afeta mesmo a competitividade dessas redes ferroviárias isoladas … as novas linhas ferroviárias devem ser exclusivamente construídas com a bitola nominal da norma europeia de 1 435 mm… os Estados‑Membros com uma rede que utiliza uma bitola diferente devem avaliar a migração das linhas existentes dos corredores europeus de transporte.”

Sobre a Finlandia, cujo governo frugal não quer gastar dinheiro com a ferrovia interoperável, registamos que não foi esse o parecer do consultor contratado pelo governo para avaliar a “migração”da rede existente (que evidentemente, como nós, o consultor não recomendou), a ligação de 814 km à fronteira do norte com a Suécia e a ligação de Helsinki a Turku, Tampere e Hamina/Kotka em bitola UIC , estas valorizadas pelo consultor:   Converting Finland’s rail network to standard gauge is not financially viable, study finds | News | Railway Gazette International

E claro que não podíamos deixar de citar os 840 km Rail Baltica em construção até 2030 (Estonia, Letonia e Lituania), e a unanimidade da EU em ter uma ligação UIC à Ucrania.

Tentemos descriptar o artigo 16.a que diz:    linhas novas ainda não autorizadas pelo Estado membro (na anterior proposta da Comissão: “cuja obra não tivesse começado”) devem ser bitola 1435mm.

Reparar na subtil  sageza de quem substituiu “linhas novas cuja obra não tivesse começado” , como é o caso da nova linha Porto-Soure-Carregado, por “linhas novas ainda não autorizadas”, portanto como já não é o caso de Porto-Soure-Carregado, pelo que, como disse a comissária Adina Valean numa primeira resposta a perguntas de eurodeputados portugueses, a linha pode ser construída em ibérica, desde que em 2030 esteja em UIC. Mas essa resposta foi sucedida por outra em que repetindo o objetivo 2030 (que como se sabe do PFN não está programada para 2030 para Carregado-Lisboa como Alta Velocidade), a comissária confirmou a possibilidade de financiamento e a de um pedido de isenção temporária . Caímos assim  no sebastiânico conceito já referido citando o senhor primeiro ministro: “Um dia” (assumindo que nenhum país ou entidade suscite um pedido de infração por  incumprimento artificioso da regulamentação) .

Voltando ao artigo 16.a vejamos os parágrafos 2 e 3:  para a linha nova Lisboa-Porto, como coincide com o traçado de um corredor ferroviário 2 anos depois da entrada em vigor da regulamentação revista (provavelmente 2024), Portugal terá de apresentar uma avaliação da viabilidade da migração para a bitola UIC (2026?). E 1 ano depois dessa data (2027?) terá de ser apresentado um plano de migração (isto é, antes de entrada ao serviço de Porto-Soure). Mais diz o artigo que o plano de migração pode ser chumbado na sequência de uma análise de custos benefícios e  de uma avaliação negativas sobre o impacto na interoperabilidade. Por outras palavras, o PFN criou artificialmente um fator de dificuldade para o plano de migração, remete para a subjetividade das ACB (eu próprio elaborei uma análise de custos benefícios com os pressupostos de crescimento das exportações e comparação entre i) a manutenção da bitola ibérica e das linhas existentes de gradientes elevados com a continuação do predomínio do transporte rodoviário e ii) a transferência para o modo ferroviário beneficiando das novas linhas de bitola 1435mm, tendo concluído por uma taxa positiva de rentabilidade. Admito que mudando os pressupostos possa mudar-se o resultado, por isso será essencial escrutinar-se passo a passo a realização dessa ACB) e remete para a subjetividade da avaliação do impacto na interoperabilidade.    

Em última análise, conforme o artigo, ficaremos dependentes da aprovação ou reprovação do pedido  de isenção por Espanha (temporária sempre, como referido pela comissária, mas sem excluir as “muitas décadas” antes da bitola UIC na ligação à Europa).

Ora, como justificar juridicamente a integração na União Europeia, se a concretização dos requisitos expressos pelo Tribunal de Contas Europeu (ECA - European Court of Auditors) no seu relatório de março de 2023 (criticando violentamente a baixa quota modal do transporte ferroviário de mercadorias (16,8%) e a inexistência de compromissos credíveis dos Estados membros para o seu desenvolvimento) é expulsa para “um dia”?.

Na nossa perspetiva, críptico é um adjetivo benigno para a inconformidade do conflito entre a revisão do art.16.a e os considerandos e os restantes artigos, mas vamos aguardar a conclusão do processo de revisão e aprovação da regulamentação.

 

6 – o argumento dos transbordos de carga –  Provavelmente por não estarem ainda disponíveis os números do INE para 2022, afirma no seu artigo, a propósito das exportações por modos terrestres, que as trocas comerciais com Espanha excedem as da soma Alemanha, França e Itália. Isso é verdade em peso (11,422 milhões de toneladas contra 3,911) mas não em valor (16986 milhões de euros contra 17653). Também em termos de percentagens, a comparação entre as exportações para Espanha e para o resto da EU é, para 2022, em peso, 65,7% (11,422 Mton) contra 34,3% (5,971 Mton), portanto menos do dobro e não mais, enquanto em valor é 39,5% (para Espanha) contra 60,5% (para o resto da EU). Isto é, enquanto ao operador interessa o volume e o peso a transportar, às contas nacionais e aos exportadores interessa o seu valor. Números do INE em jun2023 em   https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0008594&contexto=bd&selTab=tab2

Tem também interesse analisar o que pensam os operadores da rotura de carga nos transbordos. É muito divulgada a opinião da Medway de que os custos do transbordo são residuais. Porém, num seminário da T&N o dr Carlos Vasconcelos confessou que mais de 2 comboios diários seria incomportável. Estamos de acordo, se transferirmos  30% das exportações rodoviárias além Pirineus para a ferrovia teremos cerca de 1,8 milhões de toneladas por ano ou 4 a 5 comboios por dia de 1000 a 1400 toneladas de carga útil. Vai demorar alguns anos a construir o corredor atlântico plenamente interoperável, em Portugal e em Espanha, por isso devíamos começar já. O ministério espanhol nomeou uma comissão para apresentar um programa em outubro de 2023 para o corredor atlântico, devíamos colaborar com essa comissão.

Tentando responder à sua pergunta neste capítulo, pensamos que as exportações além Pirineus não são uma minoria, pelo menos em valor, e que a gestão de uma rede de mercadorias de bitola UIC ligando os portos e as plataformas logísticas nacionais a França, Luxemburgo e Alemanha é compatível com a gestão de uma rede ibérica de operação na península. O exemplo da Medway e da Takargo/Captrain ao adquirirem as Euro 6000, umas de rodados ibéricos e outras de rodados UIC é sintomático. Vem ainda a propósito citar o estudo encomendado pelo corredor RFC4 e muitas vezes citado pelo eng.Carlos Fernandes, embora destacando o mercado ibérico em detrimento do mercado além Pirineus. O referido estudo avalia a redução do custo do transporte de mercadorias na ligação Leixões-Paris em 10% utilizando comboios de 740m, em 7% para a utilização de bitola 1435mm e em 2% para a eletrificação ERTMS e 25 kVAC para cada. Isto é, não desprezável a bitola enquanto componente da interoperabilidade, a qual consideramos um conjunto solidário.

Interessante a análise no seu artigo da utilização de material circulante de eixos variáveis, quer de passageiros, quer de mercadorias, que reputamos também como uma mais valia, mas apenas em situações temporárias ou de grande especificidade, e sempre de transição.

 

7 – o argumento da concorrência –  Julgo que nos devemos felicitar mutuamente por concordarmos. É um argumento fortíssimo, não por motivos ideológicos, mas pragmáticos, não só porque através da procura de menores custos de produção pelos operadores (assumindo não haver práticas de dumping) é possível baixar os preços para os exportadores, como também é possível reduzir os investimentos em material circulante (assumindo que este é normalizado segundo os componentes da interoperabilidade). No entanto, continuamos a pensar que o argumento da concorrência  (evitando-se um excesso de proteção do mercado nacional que só lhe retira competitividade, pelo menos no futuro), se sobrepõe ao argumento da “limitação infinitamente superior gerada pela construção de uma linha isolada em bitola europeia” (a linha Évora-Saia só é indefinidamente isolada porque não se construiu em via dupla, nomeadamente nos viadutos, com possibilidade de construção de raiz de uma das vias em UIC, e porque não se coordenou com Espanha o mesmo procedimento).

De referir, sobre a Arriva, que, quando subsidiária da DB, desistiu do mercado português, mantendo-se apenas na vertente rodoviária como empresa de capitais israelitas. Recordo a propósito a desistência de projetos ferroviários da DB quando os decisores nacionais decidiram desistir do porto de águas profundas da Golada-Bugio. A cultura portuguesa anda alinhada com o NIMBY (not in my backyard), sempre na busca implacável do que possa prejudicar o status quo.

 

8 – conclusão – reitera-se que não pretendemos a “migração” da bitola nas linhas existentes, à exceção da linha em construção Évora-Caia, isto é, tal como determinado na regulamentação comunitária em revisão, apenas pretendemos a “migração” das linhas cujo traçado coincida com o de corredores internacionais.

Não nos é possível subscrever a conclusão de que as linhas novas dos corredores internacionais devam continuar a ser em bitola ibérica. Insistimos no cumprimento da regulamentação europeia com os objetivos das redes interoperáveis, em toda a plenitude dos seus componentes, “core”, “extended core” e “comprehensive”, e na reivindicação junto da Comissão Europeia para dinamização da coordenação com Espanha e França para a máxima aproximação da realidade às datas objetivo.

Discordamos da segregação do tráfego de mercadorias na atual linha do norte, considerando que o material circulante de mercadorias para o tráfego além Pirineus  deveria poder circular pela nova linha Sines-Lisboa-Porto-Leixões-Vigo em bitola UIC, a qual integra a rede TEN-T do regulamento europeu, preferencialmente só após a conclusão da ligação em UIC a Vitoria e Irun.

Reconhecemos o conhecimento fundamentado e a capacidade de análise na elaboração do PFN, mas lamentamos a oportunidade perdida de estruturar a construção das linhas conforme os critérios de interoperabilidade do regulamento europeu, discordando de critérios como o do tronco comum da nova linha Lisboa-Porto em bitola ibérica.

E chamamos a atenção para o que o próprio PFN diz: “A criação de ligações ferroviárias em bitola padrão (1435 mm) teria inegáveis vantagens no transporte de mercadorias internacional de longa distância, contribuindo para melhorar a competitividade das exportações portuguesas…não se coloca no âmbito deste Plano planear essa migração.”  Concordamos com a primeira parte, discordamos de que o plano não planeie a interoperabilidade plena dos corredores internacionais.

 

Em resumo, propomos uma atitude do governo, da IP e dos operadores, mais recetiva aos objetivos da regulamentação europeia, substituindo a preocupação com as exceções, pela preocupação em acelerar, conforme o pedido de Carlo Secchi, o planeamento e o financiamento da rede TEN-T na península ibérica. Que seja possível termos em Portugal e na sua ligação ferroviária à Europa além Pirineus, uma infraestrutura compatível com todos os componentes, sem exceção, da interoperabilidade, não daqui a muitas décadas, mas o mais próximo possível das datas objetivo da regulamentação europeia.

 

 

 

Informação  adicional:

http://fcsseratostenes.blogspot.com/2023/06/debate-na-ordem-dos-engenheiros.html


quinta-feira, 22 de junho de 2023

Debate na Ordem dos Engenheiros Técnicos em 20jun2023 sobre a Alta Velocidade

I - Video da apresentação pelo eng.Carlos Fernandes

https://www.youtube.com/watch?v=0aYCHJA8GhM


II - Comentários que enviei ao senhor Bastonário agradecendo o convite para assistir e a oportunidade para intervir no debate:



Caro Bastonário
Cumpre-me antes de mais manifestar o apreço pela vossa iniciativa e agradecer a oportunidade de intervir.
Como afirmei na minha intervenção, em 2018 o grupo de técnicos, académicos e empresários que publicou em 2017 o manifesto "Portugal, uma ilha ferroviária?", participou num debate em que o eng.Carlos Fernandes defendeu a mesma posição da sua apresentação de 2023 (em termos de transporte de mercadorias, o serviço em exclusivo por bitola ibérica da plataforma de Vitoria aonde os comboios de bitola 1435mm vindos de França iriam buscar os contentores) enquanto eu defendi a mesma posição que  defendi no debate na vossa  Ordem (respeito pela regulamentação europeia sem imposição unilateral de exceções, transferência  das exportações para a ferrovia e substituição das viagens aéreas para o Porto e Madrid). Ora, se em 5 anos não há a mínima convergência num tema de natureza técnica, haverá certamente detalhes por esclarecer, o que se conseguiria com algo semelhante a uma "revisão por pares". Ou mais modestamente, continuando a realização de debates com a participação não só do representante da posição do governo e da IP (e do corredor atlântico RFC4 que é o agrupamento europeu de interesse económico AEIE que agrega a IP, ADIF,SNCF e DB para gestão do corredor de mercadorias Portugal-Alemanha) mas também de opositores. Sugestão cuja concretização pela sua Ordem vivamente proponho ao senhor Bastonário .
Permito-me comentar alguns pontos da intervenção do eng.Carlos Fernandes.
  1. "Durante muitas décadas Espanha também não terá uma rede de mercadorias em bitola 1435mm e Portugal só deverá instalar essa bitola quando Espanha o fizer" - Esta afirmação configura uma estratégia de dependência da política espanhola que poderia e deveria ser ultrapassada com ação diplomática reivindicando da União Europeia o cumprimento da sua regulamentação que juridicamente se sobrepõe à legislação nacional. O regulamento 1315 e a sua revisão são muito claros ao determinarem uma rede única europeia de interoperabilidade plena em que os comboios de um país possam circular noutros países sem soluções de continuidade (considerando 38.d e art.13.1.a). O próprio coordenador da DG MOVE/Corredor atlântico recentemente afirmou que pede aos governos português e espanhol que acelerem a ligação Lisboa-Madrid. O art.13.1.a determina também um estudo pela Comissão para ligação de todas as capitais até 6 meses após a entrada em vigor do novo regulamento. Em síntese,  discorda-se da posição oficial de procurar sistematicamente exceções ao normativo regulamentar para fugir ao objetivo da rede única (ficaram registadas as declarações dos ex-ministros Pedro Marques e Pedro Nuno Santos de que não queriam mais operadores estrangeiros)                                                                                                   
  2. Tratamento dado pelo regulamento revisto às exceções propostas por Estados membros - a referência pelo eng.Carlos Fernandes às exceções poderia levar a pensar que são dispensas garantidas de adoção da bitola 1435mm para linhas novas (reafirma-se que não se pretende "migrar" a bitola da rede existente, mas apenas construir as novas linhas integrantes das redes TEN-T em bitola 1435mm). Ora, o art.16.a determina, no caso de linhas de bitola ibérica que integrem um corredor internacional do regulamento, um prazo de 2 anos para uma avaliação da viabilidade da migração para a bitola 14135mm, e mais um ano para elaboração de um plano de migração (a menos que justifiquem a não migração numa análise de custos benefícios e numa avaliação do impacto na interoperabilidade; eventual pedido de isenção terá de ter o acordo de Espanha). Eu próprio elaborei uma análise de custos benefícios com os pressupostos de crescimento das exportações e comparação entre i) a manutenção da bitola ibérica e das linhas existentes de gradiantes elevados com a continuação do predomínio do transporte rodoviário e ii) a transferência para o modo ferroviário beneficiando das novas linhas de bitola 1435mm, tendo concluido uma taxa positiva de rentabilidade. Admito que mudando os pressupostos possa mudar-se o resultado, por isso será essencial escrutinar-se passo a passo a realização dessa ACB.                               
  3. Num dos diapositivos da apresentação do eng.Carlos Fernandes indicava-se Espanha como o principal cliente das nossas exportações, com 82% em peso. Não deverá apresentar-se essa estatística por estar desatualizada (é de 2013, atualizada em 2019). Existem outros números do INE que para 2022 são, para os modos terrestres,  11,3 milhões de toneladas exportadas para Espanha e 5,9 milhões exportadas para o resto da União, isto é, 65,7% e 34,3% respetivamente. O valor das exportações para Espanha foi 16.800 milhões de euros e para o resto da União 25.700 milhões (43% e 57% respetivamente). Esclareceu o eng.Carlos Fernandes que os números do INE resultam de inquéritos a operadores e a exportadores, pelo que poderá haver distorções. Isso é verdade e os próprios quadros do INE incluem nas exportações modo a modo uma coluna classificada como "não aplicável" que inclui estimativa de valores não declarados. Porém, se inserirmos o valor relativo às exportações para Espanha dessa coluna, a percentagem sobe para 67%, portanto distante dos 82% citados como justificativo da concentração de esforços nas exportações para Espanha. Se pretendermos transferir 30% do tráfego rodoviário além Pirineus para a ferrovia, teremos 1,7 milhões de toneladas por ano, ou 5.000 toneladas por dia, equivalentes a 4 a 5 comboios por dia (o que não será muito prático para o transhipment). Sem prejuízo de dar atenção ao mercado ibérico, é essencial criar condições para a transferência do tráfego rodoviário para a ferrovia com o objetivo além Pirineus, sendo certo que a construção de novas linhas exigirá um período de pelo menos 10 anos depois da decisão, pelo que os sistemáticos adiamentos consequência da posição oficial ("durante muitas décadas não haverá bitola 1435mm em Espanha") prejudicam gravemente a economia, como aliás a AFIA vem afirmando. O apoio às exportações constitui, com a natureza vinculativa dos regulamentos e a necessidade de economia energética e redução de emissões e congestionamento nas estradas, o conjunto da nossa argumentação por linhas novas com bitola 1435mm e caraterísticas de interoperabilidade (menores gradientes, p.ex)                                                                           
  4. "Nenhum país europeu quer ter duas redes de bitola diferente. A Finlândia recusou a mudança  de bitola". Convém esclarecer que os 3 países bálticos Estónia, Letónia e Lituânia deram início ao processo de construção do Rail Báltica, uma linha de 840 km que ligará Talin à fronteira polaca em bitola 1435mm com o objetivo 2030, mantendo a rede existente em 1520mm. A Ucrânia pretende linhas de bitola 1435mm para ligação também à Polónia (já dispõe, na zona transfronteiriça, de troços de 4 carris com ambas as bitolas desfasadas, mas pretende novas linhas na sua rede para dinamizar o tráfego). Quanto à Finlândia, convém esclarecer que o seu governo se opôs à obrigatoriedade de construção de novas linhas em bitola 1435mm com base no relatório de um consultor que não propôs a mudança da bitola das linhas existentes (1524mm), mas, no entanto, recomendou a reanálise da construção de novas linhas em bitola 1435mm . No caso da Finlândia os principais obstáculos são a distância de 814km em bitola 1524mm até à fronteira norte com a Suécia em Tornio onde muda para a bitola europeia 1435mm (concluindo o relatório que era viável a construção de uma linha nova paralela `existente, mas já em bitola 14135mm), e a ausência do túnel de 80km entre Helsinki e Talin.                                                                                                       
  5. Política espanhola - Convém esclarecer que tem havido da parte do atual governo espanhol atividade junto de França para antecipação das melhorias dos canais de mercadorias e passageiros em França. A consulta do site do corredor mediterrânico evidencia a atividade espanhola no sentido de aumentar a rede de mercadorias em bitola 1435mm. A dotação do orçamento de Estado de Espanha para 2023 foi de 1648 milhões de euros para o corredor atlântico, 1695 milhões para o corredor mediterrânico, 3467 milhões para as redes convencional e suburbanas e 2477 milhões para o PRR . É verdade que falta muito para o corredor atlântico em Espanha, mas o ministério MITMA nomeou um coordenador com a missão de apresentar um plano em outubro de 2023. Considerando a importância das exportações além Pirineus para a economia portuguesa, pareceria que se impõe uma ação diplomática junto da Comissão Europeia, de Espanha e França para a aceleração do corredor atlântico, como preconizado recentemente pelo coordenador Carlo Secchi. Curiosamente, demonstrando a importância das ligações à Europa a partir de Espanha, refere-se o recente anúncio da inauguração pela RENFE de ligações Barcelona-Lyon e Barcelona-Marselha. Também são frequentes os anúncios de serviços de mercadorias, incluindo em vagões refrigerados ou de transporte de semirreboques, de Barcelona para Bettemburg (Luxemburgo) ou Barking (UK), contrariando assim a desvalorização feita pelo eng.Carlos Fernandes durante a apresentação da ligação em bitola 1435mm Barcelona-Perpignan.                                                                                                                 
  6.  Importância relativa da bitola - a informação transmitida na apresentação de que a importância da bitola é menor do que a dos outros componentes da interoperabilidade não é confirmada pelo próprio estudo encomendado pelo corredor Atlântico RFC4 e frequentemente citado pelo eng.Carlos Fernandes. Assim, o referido estudo avalia a redução do custo do transporte de mercadorias na ligação Leixões-Paris em 10% utilizando comboios de 740m, de 7% para a utilização de bitola 1435mm e de 2% para a eletrificação ERTMS e 25 kVAC. Para a ligação Leixões Mannheim os números eram 12%, 6%, 2% e 1% , respetivamente. Não pode concluir-se daqui que a bitola possa ser desconsiderada para o tráfego internacional (evidentemente que estes números não eram válidos para o tráfego de mercadorias com Espanha.                                                        
  7.  Compra de locomotivas pela Takargo/Captrain - as Euro 6000 da Stadler recentemente adquiridas por este operador de mercadorias não são de eixos variáveis como foi dito na apresentação. Os rodados de uma bitola poderão ser substituídos por rodados de outra bitola, mas em oficina, não em intercambiadores (instalação em que é feita a trasnferência de carga em movimento da caixa do material circulante enquanto os carris forçam a posição dos rodados segundo a nova bitola). Isto é, se se pretendia evitar o transhipment (transbordo) de contentores utilizando o mesmo comboio com vagões de eixos variáveis, os quais efetivamente já estão certificados (mas com o inconveniente de serem mais caros, mais pesados e criando problemas de manutenção quando longe do fabricante), não se consegue evitar a mudança de locomotiva na passagem de uma bitola para outra, comprometendo o tempode 15 minutos previsto no art.18.1 para o atravessamento de fronteiras. Quanto ao transhipment, na verdade os tempos têm-se reduzido, mas não anulado e a ocupação do espaço da plataforma e dos pórticos de maior rendimento tem de ser paga, encarecendo o transporte.                                                 
  8. conceito da linha Porto-Lisboa - o conceito adotado oficialmente difere do regulamento europeu por ser em bitola ibérica, por ser exclusivo de passageiros, por se subordinar ao serviço de estações intermédias e terminais existentes, e por não definir uma data para a conclusão do percurso Porto-Lisboa. Não são assim cumpridos os artigos do regulamento revisto   (considerando 38.d, art.12.1.i.a, art. 16.1.a, art.18.1, art.19.a). Transcrevo do PFN o que nele se diz sobre a questão da bitola: “A criação de ligações ferroviárias em bitola padrão (1435 mm) teria inegáveis vantagens no transporte de mercadorias internacional de longa distância, contribuindo para melhorar a competitividade das exportações portuguesas…não se coloca no âmbito deste Plano planear essa migração.” Fica assim provado que a autoria do plano está consciente da verdadeira problemática, mas como afirmou o eng.Carlos Fernandes, a IP funciona como executora da política dos governos. Lamentavelmente, o plano não planeia em termos de cronologia, nem fixa cenários para a concretização.
    Sem pôr em causa a qualidade técnica de quem elaborou os traçados propostos, critica-se o conceito de servir as estações existentes. No caso do Porto lamenta-se o abandono da primitiva proposta do presidente da câmara, que sugeriu a partilha da nova ponte da linha rubi do metro com a alta velocidade a caminho do aeroporto Sá Carneiro. Terá falado mais alto a remodelação urbana da zona da Campanhã. Em Aveiro, Guarda e Leiria critica-se a proliferação de aparelhos de mudança de via de ponta, o que tem alguns riscos em caso de perturbações técnicas ou de operação (existe uma lista inaceitável em redes estrangeiras incluindo de alta velocidade de acidentes ferroviários deste tipo). Em Coimbra critica-se a curva de aproximação à estação Coimbra B e utilização do traçado da linha suburbana para a Figueira em vez de um traçado mais para poente com ligação ao centro da cidade por modo metropolitano em viaduto ou subterrâneo ( e não BRT como previsto com os inconvenientes de baixa velocidade comercial). Em Lisboa critica-se a subserviência aos critérios do arquiteto da estação (tal como em Coimbra e um pouco em Campanhã) apesar dos erros , juntando-se agora a ampliação para poente com afetação grave de salas técnicas da estação de metro. Não terão sido estudadas alternativas para uma melhor localização (Vale de Chelas, Aeroporto da Portela ... ) facilitando a continuação pelo vale do Trancão. É de facto uma questão de conceito. A linha de alta velocidade foi encarada como o tronco principal de uma área metropolitana suportando todo o tipo de serviços de passageiros (em vez duma linha de longo curso entre áreas metropolitanas ou regiões industriais). Trata-se do conceito multiuso de Karlsruhe, onde aliás já se está fazendo a desagregação dos modos urbanos relativamente aos de longo curso. Na linha da Beira Alta critica-se o adiamento de linha nova (justificada por se encontrar numa zona em que a norte o PIB é 60% do PIB do Continente) que permitiria a ligação de Aveiro à fronteira em 180km com menores gradiantes permitindo um consumo específico de 30 Wh/ton-km contra 200km da linha existente com gradiantes implicando 35 Wh/ton-km; são valores que comparativamente desvalorizam a solução linha existente e que serão forçosamente ponderados pelos exportadores. Critica-se a execução de Évora-Caia em bitola ibérica e via simples (os viadutos só têm tabuleiro para uma via) quando em 2012 foi abandonado o projeto Poceirão-Caia em via dupla e bitola 1435mm o que permitiu aos governos espanhois libertar verbas para outras zonas, até porque o PIB da Extremadura é dos mais baixos da península . A evidente vantagem de encurtamento da ligação Sines-Puertollano poderia ser atingida por exemplo como na variante de Pajares na ligação das Asturias ao corredor atlântico e da ligação dos portos mediterrânicos ao corredor atlântico, com uma das vias com 3 carris (bitola mista). Seria interessante renegociar com o consórcio a que foi adjudicada a construção Poceirão-Caia (e agora reivindica uma indemnização já aprovada pelos tribunais) e com Espanha a coordenação da retomada do projeto, incluindo  a ligação Lisboa-Madrid conforme proposto por Carlo Secchi e a dinamização do corredor de mercadorias (previsto para 2040 no regulamento revisto).Tem-se consciência de que já não se vai a tempo de corrigir esta ideia base, mas reitera-se o que Henrique Neto afirmou na sua intervenção, que a estratégia oficial é imposta sem debate participativo em que atempadamente possam ser discutidas soluções alternativas (cumprindo-se, como também afirmado, o art.48 da Constituição, e evitando-se assim a repetição da situação atual, em que só agora as populações das câmaras afetadas pelo traçado da linha tomaram conhecimento dos traçados; existem atualmente vários métodos de gestão de assembleias que viabilizam o que se propõe).                                                    
  9. ligação Carregado-Lisboa  - Analogamente ao que antecede, e ao arrepio do que a regulamentação europeia revista determina para as áreas metropolitanas e nós urbanos (art.40.1.b.i - obrigatoriedade dos Estados membros terem até 31dez2027 os SUMP (sustainable urban mobility plan) publicamente acessíveis, integrando modos de transporte do centro urbano energeticamente eficientes na rede TEN-T e plataformas logísticas vizinhas ), não se assiste a um debate aberto sobre este traçado e a sua comparação, assente em estudos prévios considerando a topografia dos percursos, com o percurso pela margem esquerda do Tejo ou parcialmente em túnel submerso ao longo do rio.  A indefinição da localização do novo aeroporto não impede a elaboração de cenários com a distribuição das redes urbana, suburbana, regional, interurbanas, de mercadorias e de alta velocidade para cada cenário. Ao invés disso, o PFN elaborou planos de mobilidade da AML e da AMP assente no conceito de linhas diametrais com sérias limitações no caso da AML, de que destaco a ausência de uma circular externa unindo as duas margens (TTT Beato-Montijo ou foz do Trancão-Alcochete e túnel Trafaria-Algés), a ausência duma plataforma logística que substitua o terminal da Bobadela, a deficiente ligação ferroviária do terminal de contentores de Alcântara a Campolide, e uma prevista ligação da linha de Cascais à linha de cintura ( a natureza da linha de Cascais é seguramente a de uma linha de metro que não tem de ser bifurcada à entrada do núcleo central urbano e que irá sobrecarregar a linha de cintura que não será quadruplicada entre o Pragal e Sete Rios; a solução correta para aa integração da linha de Cascais na mobilidade de Lisboa era a prevista no plano de expansão do metro de 1974, com correspondência entre metro e linha de Cascais na estação de Alcântara Mar, de preferência em viaduto por razões de eficiência energética).                                                                                                                          
  10.  é política da Comissão Europeia só conceder financiamento quando o investimento está conforme a sua legislação e regulamentos. Por isso alguns eurodeputados portugueses colocaram a questão à comissária dos Transportes Adina Valean relativamente à linha Lisboa-Porto em bitola ibérica. Numa primeira resposta a comissária comunicou que independentemente da construção em bitola ibérica, a linha deveria estar em bitola 1435mm em 2030. Numa segunda resposta a outros eurodeputados, confirmou a necessidade de "migração" até 2030, a possibilidade de financiamento e a possibilidade de um pedido de isenção temporária. Salvo melhor opinião, parecerá ter havido pressão diplomática para deixar aberta a hipótese da exceção com base numa análise negativa de custos benefícios, conforme referido acima no ponto 2. Também não será de excluir uma queixa por outro país ou empresas que motive um processo de infração com devolução de financiamento porque na verdade não se prevê a conclusão da linha Lisboa - Porto até 2030 (objetivo anunciado Porto-Soure 2028 e Soure-Carregado 2030, o que inviabilizaria o início da construção em bitola ibérica). Também provavelmente  por isso o eng.Carlos Fernandes apontou a hipótese  por PPP, embora a experiência com esta solução não tenha até agora sido boa em Portugal. 
 Em síntese, propõe-se a insistência num amplo debate na sociedade civil sobre o PFN em geral e a linha Lisboa-Porto em particular,  no compromisso dos técnicos interessados em obter o máximo de informação e de transmitir aos órgãos de soberania as suas conclusões para  que, de acordo com as leis constitucionais, possa passar-se à fase de elaboração de um plano exequível, em coordenação com Espanha, França e a Comissão Europeia, de modo a obter a máxima convergência com a regulamentação europeia revista, tendencialmente dispensando exceções, com o objetivo de atingir a interoperabilidade ferroviária, o crescimento das exportações e a eficiência energética para passageiros e mercadorias entre 2030 e 2040 (redes "core" e "extended core"), sem perder de vista o objetivo de 2050 para a rede complementar, abandonando em definitivo o objetivo de manter a exclusividade da bitola ibérica "por muitas décadas".

Pedindo desculpa pela extensão do texto, comunico que poderá utilizá-lo como bem entender.
Com os melhores cumprimentos e votos de sucesso,



Informação adicional: 

  1. apresentação powerpoint "Regulamentação europeia"                                                                             https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwexG9J4cwVBAUZPmP2?e=faSXUO                              
  2. apresentação "As ligações ferroviárias à Europa" no 10ºcongresso do CRP em jul2022                       https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwewRhhykTGy-BDVeEY?e=3jpMnm 
  3.  as propostas de revisão do regulamento 1315                                                                                           https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewkTzOOWX0f-NKXRG?e=QkCRGG
  4.  perspetivas do corredor atlântico em Espanha                                                                                                            fcsseratostenes: O corredor atlantico na perspetiva de Espanha
  5.  resposta da Comissária Adina Valean de 12jun2023                                                             https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/E-9-2023-001039-ASW_EN.html
  6.  localização do novo aeroporto e redes ferroviárias                                                               https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewmwWrLH4x89MBL2V?e=VrDo5W 










sexta-feira, 16 de junho de 2023

Acidentes ferroviários em passagens de nível

 Amável colega enviou-me a newsletter da UIC sobre os encontros de 14 e 15jun2023 sobre os acidentes nas passagens de nível:

https://uic.org/com/IMG/pdf/ilcad_press_release_fr_new.pdf


Concordando com a argumentação da UIC, com a necessidade absoluta de reduzir a sinistralidade nas passagens de nível e nas imediações das vias férreas, discordo da manutenção das passagens de nível mesmo introduzindo melhorias do controle. Com os níveis de velocidade e de frequência do tráfego ferroviário, não parece possível evitar em 100% do tempo a ocorrência de um acidente, mesmo de baixa probabilidade. A probabilidade pode reduzir-se aumentando a temporização após a descida das barreiras mas isso estimula o "trespassing". Ou deteção de presença de obstáculo imobilizado na passagem e emissão de ordem de travagem. Mas para um comboio a 200 km/h a distancia de travagem pode ser de 3 km e essa distancia será percorrida em  54 segundos, intervalo durante o qual será impossível evitar o acidente. Outras medidas, para além da campanha de sensibilização contra o "trespassing": baixar a velocidade do comboio, barreiras mais completas, melhorar a visibilidade adjacente retirando muros e objetos que possam agravar as consequências da colisão,  aproximação do atravessamento o mais próximo possível dos 90º (para não atrasar o atravessamento de camiões com reboque). Porém, a melhor solução será o desnivelamento e a garantia do tráfego ferroviário segregado.


Junto alguns relatos, destacando a inadmissibilidade de haver caminhos paralelos à via e demasiado próximos sujeitando as pessoas ao efeito de sucção (caso do atropelamento de Vila Nova de Anços). Igualmente, como é o caso do troço entre Alfarelos e Coimbra, a promiscuidade do tráfego pedonal e ferroviário é incompatível com uma boa velocidade comercial.



https://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/05/processo-de-infracao-de-bruxelas.html

https://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=riachos

https://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=passagens+de+nivel

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2017/01/morte-de-duas-adolescentes-em-vila-nova.html



Seminário Transportes e Negócios sobre o transporte ferroviário em 15jun2023

 https://lp.egoi.page/oe1ze16gb/signup


É verdadeiramente de louvar a atividade da revista Transportes e Negócios na colaboração com as empresas e os interessados do setor de transportes, desde as operadoras às associações empresariais e aos técnicos e aos organismos de regulação. São de muito interesse os seminários que promove, numa atitude mista de crítica à ação ou inação governativa mas ao mesmo tempo desculpabilizadora e elogiosa de estratégias como as do PFN e dos metros e BRTs.

Prevendo que as gravações do seminário de dia 15jun2023 venham a ser divulgadas, limito-me a expor algumas impressões:

1 - Intervenção de Carlo Secchi, coordenador na DG MOVE do corredor atlântico - por um lado, enunciou todos os pequenos avanços que em Portugal se podem considerar como relacionados com o corredor atlântico, provavelmente baseando-se numa lista preparada pela sua assessora com ligações à TIS, chamando-lhes de forma simpática grandes progressos (?!), como a modernização da linha da Beira Alta com cruzamentos de comboios de 750 m, ou da ligação Sines-Grandola ( teria querido dizer Sines-Ermidas?) , o estudo da STM para o CONVEL e o projeto Lisboa-Porto-Vigo sem questionar as datas). Em sintonia portanto com os agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE) AVEP e RFC4 constituidos por IP, ADIF,SNCF e DB. 

Por outro lado, como não poderia deixar de ser, fez um apelo à aceleração dos trabalhos com o objetivo da interoperabilidade com a rede europeia e da transferência modal para a ferrovia. Apelou ao uso do mecanismo CEF de financiamento manifestando a sua grande preocupação com a falta de recursos para os investimentos, Anunciou Lisboa-Madrid em 6 horas para 2025 e em 3 horas para 2040 apelando à coordenação dos dois governos para essa realização em bitola UIC e ERTMS. Não referiu o relatório fortemente crítico do ECA (Tribunal de Contas europeu) de março de 2023 sobre os atrasos da rede unica ferroviária europeia. Note-se que apenas o organizador do evento citou este relatório e a falta de empenho dos governos na execução dos corredores internacionais.

2 - Intervenção da plataforma ferroviária portuguesa - reconhecendo a grande valia desta associação com capacidade de produção em Guifões,  congregando operadores, gestores de infraestruturas e empresas, observo que não deveria insistir-se em que "temos a melhor engenharia do mundo" nem em seguir acriticamente as orientações estratégicas do governo (pareceu-me demasiada a confiança no PFN e na dispnibilidade do governo para aceitar as críticas dos partipantes na consulta pública). Mais uma vez foi explicado que dizer-se o comboio português não significa que ele seria totalmente concebido e fabricado em Portugal. 

Devo realçar a atenção que a PFP está já a dar a mais um objetivo comunitário, a sensorização e controle remoto dos vagões (projeto smart wagon). Estranho não ser incorporado o objetivo DAC (digital automatic coupler).

O outro projeto apresentado, autonomous interchangeable devices , com partilha intermutável de cabinas por diferentes plataformas móveis, pareceu-me demasiado teórico.

3 - Plataformas logísticas - Inteiramente de acordo com a opinião expressa nas mesas redondas, que não deve haver plataformas logísticas de 50 em 50 km, assim como o serviço de Alta Velocidade não  deve parar em estações intermédias ao sabor dos desejos dos seus autarcas. 

Referidos pelos representantes da AMT, do IMT e da IP as dificuldade de organização, de elaboração da legislação e dos custos das linhas de alta velocidade (média europeia 20 milhões de euros/km e 16 anos entre a decisão e a inauguração). No entanto, como aliás referido pelo organizador do evento, não é a bitola o principal problema da falta de ligação à Europa, responsável por manter o país como ilha ferroviária, mas sim a falta de organização do transporte de mercadorias. Afirmação que justificaria um seminário dedicado exclusivamente ao debate dos argumentos e dos artigos revistos da regulamentação europeia pró e contra a introdução da bitola standard em Portugal. 

Não pode deixar de se estranhar a unanimidade dos intervenientes em desconsiderar a importancia da bitola 1435mm como facilitadora do crescimento das exportação e da redução das emissões na ligação de passageiros Lisboa-Madrid, parecendo contentar-se com o BAU, business as usual, com as limitações em termos de gradiantes e curvas dos traçados existentes em bitola ibérica, aliás referidos pelo coordenador Carlo Secchi e não querendo hostilizar o governo, a IP e os reguladores, contentam-se com a rede de bitola ibérica. (nota pessoal - o simples exemplo da linha da Beira Alta permite a comparação entre a solução BAU em bitola ibérica, com uma ligação de 200 km entre o porto de Aveiro e a fronteira, e uma linha nova com parâmetros de interoperabilidade incluindo a bitola 1435 mm que poderia reduzir a distancia para 180 km com a economia de custos de operação resultante; igualmente é do domínio público um estudo patrocinado pela IP em 2013 que concluiu que a economia de custos numa ligação Leixões-Paris devida à adoção da bitola 1435 mm seria da ordem de 7% e a viabilização de comboios de 750m seria de 10% .  No entanto, será sempre possível construir uma análise de custos benefícios, requerida pelo artigo revisto 16.a,  que declare impraticável o investimento em linhas novas de bitola 1435mm).

Igualmente, perante a intervenção dos representantes da AMT e do IMT, até por uma confessada declaração de que carecem de recursos, fica a dúvida se se preparam (de colaboração com autarquias e CCDRs?) para executar as disposições do regulamento revisto que substituirá o 1315 (artigo 40 - elaboração de programa para execução dos SUMP - sustainable urban mobility plan - 1 ano após a entrada em vigor do regulamento (2024?+1) e ausencia de cofinanciamento nos nós urbanos sem SUMP a partir de janeiro de 2026).

4 - CONVEL - se a informação prestada no seminário pelo representante da Takargo/Captrain (que afirmou que a Captrain do grupo SNCF quer entrar em Portugal para ligar à Europa) está atualizada, apenas em 2027 começarão a ser instalados os STM nas novas locomotivas Euro6000 para mercadorias que atualmente não podem entrar em Portugal, fazendo serviço apenas em Espanha (recordo que a Takargo/Captrain e a Medway neste momento adquirem algumas locomotivas em bitola ibérica para serviço da plataforma de Vitoria, e  outras em bitola UIC para o serviço de Vitoria para a Europa além Pirineus). Embota nenhum participante no seminário tivesse querido reconhecê-lo, a IP e o governo trataram o problema do CONVEL e do ERTMS (ETCS) de forma análoga à que adotaram com a bitola. Em vez de eleger os corredores internacionais a equipar prioritariamente com o ERTMS, preferiram "obrigar" todo o novo material circulante a adaptar-se ao CONVEL, cujos componentes foram descontinuados. As novas locomotivas poderiam circulr nesses corredores se neles estivesse instalada a parte fixa do ERTMS. Mas não, manteve-se o CONVEL e está a desenvolver-se um STM que converterá as mensagens, que o  EVC (eletronic vital computer) do sistema ERTMS lerá das balizas existentes e normalizadas CONVEL, em mensagens de controle e comando do sistema embarcado ERTMS. Foi a aversão a ter de se gerir dois sistemas, um integralmente CONVEL, outro integralmente ERTMS, tal como não se quis construir as novas linhas dos corredores em bitola UIC. Tal como a DG MOVE já anunciou na proposta de revisão do regulamento 1315, os sistemas nacionais distintos do ERTMS devem ser desativados até 2040. Mas a política habitual nacional é a de pedir isenção e adiamentos.

5 - Terminal da Bobadela - se a informação prestada no seminário está atualizada, que a IP ainda está a estudar a relocalização do que foi o terminal da Bobadela, trata-se de uma situação inadmissível que habilitará os cidadãos a considerar, pelos prejuízos envolvidos, a atuação do governo como de uma ligeireza intolerável.

6 - Autoestradas ferroviárias - dou conta, com apreço, que os operadores também consideram a solução de transporte de semirreboques ou camiões por comboio como a solução ideal para a transferência modal e a redução das emissões e do congestionamento no tráfego rodoviário internacional. Mas evidentemente que vem logo alguém dizer que há túneis que não deixam passar o contorno P400. Disse-se no seminário e eu concordo, que alguém devria estar a estudar isso e a propor a execução da solução (aliás, o próprio PFN fala na solução, mas sem planear a sua execução).

7 - Mobilidade urbana - Registo com satisfação os progressos do metro do Porto e os bons resultados dos seus indicadores. Nas novas linhas em tecido urbano denso a solução é  de túnel para viabilizar uma boa velocidade comercial, o que já o metro do Porto privilegia. Já não apoio a ideia de aversão às radiais por me parecer que estão a querer subordinar a realidade à ideia, quando deveria ser ao contrário. Umas vezes as radiais devem ser prioritárias e outras não, depende do urbanismo real ou do urbanismo que se pretenda, mas o conceito-esquema idealizado pelo consultor e pela direção, possivelmente seguindo o exemplo das diametrais dos metros de Londres e Paris (justificáveis considerando a densidade das suas redes no centro) e do conceito do PFN de desenvolvimento da rede suburbana da IP da área de Lisboa. O facto é que a futura linha circular do metro do Porto (futura porque falta o fecho do lado nascente do Porto e de Gaia) é coerente com a restante rede, ao contrário da linha circular de Lisboa, de curta dimensão e sem radiais ou diametrais em número suficiente para a  complementar.

8 - BRT - assiste-se neste momento a uma confiança que me parece imprudente nos benefícios do BRT, possivelmente  valorizando  os  exemplos  da  América do sul, duma cidade australiana  e  de  França (se não considerarmos os maus resultados de Caen e Nancy :                          http://transporturbain.canalblog.com/archives/nancy/index.html ). 

Os representantes no seminário dos "metrobus" de Coimbra, de Braga e do Porto expuseram o que consideram ser uma boa solução. A mim me parece que não, que  velocidades comerciais de 26 km/h não serão atingíveis com tráfego partilhado (estará acautelada a segurança dos peões na travessia dos percursos segregados?) e, especialmente, que a tração sobre pneus é menos eficiente do que no contacto roda de ferro com carril. Pelas minhas contas, o consumo específico num percurso típico será da ordem de 70 Wh/passageiro-km no caso do BRT e de 60 Wh/pass-km no caso do tram ou do metro. Quanto maior for o tráfego, maior será o desperdício. Igualmente tenho dúvidas sobre os sistemas de guiamento e se cobrem todo o percurso, especialmente nas curvas do traçado montanhoso. Mas posso estar errado, como o debate que conduziu às decisões dos 3 BRT não foi esclarecedor e suficientemente técnico, mantenho as dúvidas.