segunda-feira, 13 de março de 2023

O corredor atlantico na perspetiva de Espanha

Graças às revistas espanholas Via Libre (Fundacion de los Ferrocarriles) e El Mercantil, de Valencia, ficámos a saber que o ministério dos transportes de Espanha (Mitma - ministerio de transportes, movilidad y agenda urbana) nomeou uma comissão alargada para "complementar, ampliar e modernizar o corredor atlantico" com o objetivo de desenvolver "o transporte de mercadorias por comboio em Espanha e as ligações à Europa" conforme um plano diretor a elaborar até outubro de 2023.

https://www.vialibre-ffe.com/noticias.asp?not=38510

https://elmercantil.com/2023/03/06/el-gobierno-trabaja-en-el-plan-director-del-corredor-atlantico-para-presentarlo-en-octubre/

Essa notícia dá sequencia à de janeiro de 2023 que dava conta da nomeação do presidente daquela comissão, José Antonio Sebastian, quadro da REFER mercadorias.

https://elmercantil.com/2023/01/27/el-gobierno-situa-a-jose-antonio-sebastian-como-comisionado-para-el-corredor-atlantico/

Estas ações mostram o esforço das regiões autónomas do norte de Espanha (Galiza, Asturias, Cantabria, Castela Leon, País Basco, Rioja, Navarra) e do governo central para dinamizarem o corredor atlantico, até agora preterido relativamente ao corredor mediterranico.

Anota-se a previsão em Espanha de 2.477 milhões de euros do PRR para investimentos no corredor atlantico. Do Orçamento geral do Estado espanhol para 2023 prevêem-se 1.648 milhões de euros para o corredor atlantico e 1.695 milhões para o corredor mediterranico.

São evidentes (ver as duas primeiras ligações) e concordantes com os mapas das propostas de revisão pela Comissão e Conselho europeus do regulamento 1315 os projetos espanhois das novas linhas de passageiros de alta velocidade, em bitola UIC, ERTMS  e 25 kVAC,  integradas nas redes TEN-T , além das ligações de Madrid às principais cidades espanholas. 

https://www.adifaltavelocidad.es/-/adif-av-impulsa-la-lav-burgos-vitoria/gasteiz-con-la-redacci%C3%B3n-de-su-proyecto-de-construcci%C3%B3n

Igualmente são já evidentes os projetos para a rede de mercadorias em bitola UIC, incluindo o corredor mediterranico e o Y basco já previstas nas redes TEN-T do regulamento 1315  e as ligações agora incluidas no corredor atlantico nas propostas de revisão  Gijon-Leon-Palencia-Venta de Banos, Vigo-Monforte de Lemos-Leon e  Santander-Palencia-Venta de Banos .  

https://www.mitma.es/el-ministerio/sala-de-prensa/noticias/mie-09112022-1342

https://www.adifaltavelocidad.es/w/raquel-s%C3%A1nchez-visita-la-variante-de-pajares-que-encara-la-recta-final-para-su-puesta-en-servicio?pageFromPlid=265

Relativamente ao corredor atlantico, subsistem algumas indefinições quanto às datas de colocação em serviço em bitola UIC, ERTMS  e 25 kVAC para tráfego de passageiros e de mercadorias do troço Badajoz-Caceres-Madrid-Burgos-Vitoria numa altura em que já foi adjudicada a instalação do terceiro carril (utilização por comboios de bitola iberica e UIC, não como nas travessas polivalentes) entre Vitoria-San Sebastian-Irun.

Considerando as datas das propostas de revisão do regulamento 1315 (2030 rede "core", 2040 rede "extended core" e 2050 rede "comprehensive", verifica-se que a rede de mercadorias em Espanha estará completa em 2050, recorrendo os operadores até lá,  através das linhas existentes em bitola ibérica (antigo corredor RFC4 do regulamento 913 também em revisão), ao serviço das plataformas de Vitoria (corredor atlantico) e de Fuente San Luis/Valencia e La Lagosta/Barcelona em que as cargas serão transferidas para comboios de bitola UIC. Perspetiva-se ainda, no domínio da bitola ibérica, a ampliação do terminal de Madrid Vicalvaro e a próxima inauguração em bitola ibérica da autopista ferroviária (transporte de semirreboques por comboio com limite de gabarit P400 ou de 4 m ) Algeciras-Madrid-Zaragoza:

https://elmercantil.com/2022/10/06/los-presupuestos-de-2023-igualan-la-inversion-de-los-corredores-mediterraneo-y-atlantico/

https://www.europasur.es/maritimas/autopista-ferroviaria-Algeciras-Zaragoza-primeras-pruebas_0_1735027953.html

É fácil de compreender as preocupações das regiões espanholas em  estimular as exportações olhando para o mapa dos PIB por região, em que parece existir um muro entre as regiões de maior produção e as de menor produção e que evidencia o alcance do corredor mediterranico executado, em obra e planeado, em comparação com o menor alcance do corredor atlantico :

E é frustrante ver como um tema de tanta relevância para Portugal é ignorado pelo seu governo, pelo presidente da sua República, pelos partidos, enquanto em Espanha cresce o interesse pelos corredores de ligação à Europa.

O que está em causa é a necessidade, compreendida pela parte espanhola, de facilitar o crescimento das exportações para, no caso português, combater o défice externo (em 2022, o défice das contas externas foi de 1.100 milhões de euros segundo o BDP, implicando aumento do endividamento, receando-se que aquele défice externo seja superior, com base na estimativa do INE do défice da balança comercial de bens de 30.800 milhões de euros).

Ao invés, o governo português insiste, no seu plano ferroviário, na exclusividade da bitola ibérica, numa ligação de alta velocidade Lisboa-Porto para depois de 2030 (que é a data limite do regulamento 1315 para a rede "core" das redes transeuropeias TEN-T, de que Lisboa-Porto faz parte, com caraterísticas planas de interoperabilidade, incluindo bitola e ERTMS) , na prioridade da ligação Porto-Vigo em detrimento da ligação Lisboa-Madrid, e sem intenção de executar a ligação Aveiro-para Salamanca, em via dupla e tráfego misto em bitola UIC (o troço Viseu-fronteira já foi diferido na proposta do Conselho Europeu de revisão do regulamento 1315 para 2040, mantendo-se o troço Aveiro-Viseu na rede "core" 2030 das redes TEN-T).

A atitude do governo português configura assim a lesão dos interesses económicos e financeiros do país por dificultar a transferência da carga rodoviária para a ferrovia, eventualmente a troco dos interesses da manutenção do statu quo, como seja a rede de operadores rodoviários (contudo ameaçados pelas restrições à circulação de camiões no País Basco e em França), a incompreensão pelas entidades locais da importância das exportações para a Europa relativamente ao serviço local (exportações por modos terrestres em 2022 para Espanha 11,3 Mton e 16.822 M euros; para o resto da UE 5,9 Mton e 25767 M euros ) e o receio pela IP de mudança exigida pela gestão e manutenção da nova rede UIC juntamente com a rede existente ibérica.

O governo português deveria ainda , a exemplo de Espanha, preparar a  transferência da carga rodoviária para a ferrovia através do transporte de semirreboques por comboio. Atualmente há 12 comboios por semana de transporte de semirreboques na ligação Barcelona-Le Pertus, esperando-se aumento após colocação em serviço do terminal de La Lagosta):

https://elmercantil.com/2023/03/08/el-interes-por-las-autopistas-ferroviarias-se-acelera-por-las-ayudas-publicas/


Notas:

1 - relativamente às dificuldades dos comboios espanhois em atravessar França, refere-se o compromisso de conclusão dos corredores atlantico e mediterranico de mercadorias em 2030 na cimeira hispano-francesa de Barcelona de 19jan2023

https://www.lamoncloa.gob.es/serviciosdeprensa/notasprensa/transportes/Paginas/2023/190123-conexiones-transfronterizas-francia.aspx

2 -  regista-se ainda a reunião em Vitoria em 13mar2023 dos dirigentes das regiões autónomas do norte de Espanha  para o desenvolvimento das ligações ferroviárias e energéticas com a Europa; apenas se desejaria uma referência aos regulamentos comunitários como suporte à pretensão justa, na perspetiva da coesão da UE e do ambiente; estranha-se o desconhecimento do compromisso hispano-francês de 19jan2023; seria desejável o governo português formar uma frente comum com  base nos regulamentos europeus:

https://www.eldiario.es/euskadi/euskadi-galicia-asturias-cantabria-unen-impulsar-eje-atlantico-espana-europa-frente-mediterraneo_1_10027996.html

https://www.noticiasaominuto.com/mundo/2249063/espanha-quer-aliar-se-a-portugal-para-lobi-europeu-por-comboios-e-energia

3 - sobre as propostas da Comissão e do Conselho Europeus para revisão do regulamento 1315 ver

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewkTzOOWX0f-NKXRG?e=dbiEWp

4 - sobre o desenvolvimento das autopistas ferroviarias, encomenda pela RENFE de vagões com bogies compatíveid com eixos de bitola ibérica e eixos de bitola UIC:

https://elmercantil.com/2023/03/12/renfe-mercancias-refuerza-su-flota-de-vagones-para-autopistas-ferroviarias-y-contenedores/


PS em 10abr2023 - acrescenta-se a entrevista com Raquel Sanchez sobre a ligação Lisboa-Madrid e o resumo da cimeira das Canarias em 17mar2023 continuando a verificar-se o distanciamento do governo português relativamente  à coordenação com Espanha em sintonia com o regulamento 1315:

https://adfersit.pt/docs/230325-publico-madrid-lisboa-comboio.pdf

https://adfersit.pt/docs/230325-publico-madrid-lisboa-comboio.pdf

pequeno comentário:

Fazendo umas contas apressadas:
As 3 horas em 2030 Lisboa Madrid só seriam possíveis com uma alteração radical da estratégia do governo português e da coordenação Portugal-Espanha-França-DG MOVE.
Do lado português seria preciso fazer a nova ponte do Tejo (ou tunel) mais linha nova até Evora (total LxOR-Evora-Badajoz 210 km ou 1h:05) a somar às 2h:15 do lado espanhol (430 km). Dá 3h:20 contando do lado de Espanha velocidade máxima 350km e do lado português 250 km/h.
Alguém estará a pensar nos projetos do lado português ? (claro que devia passar pelo novo aeroporto do CTA lado poente, mas isto serão fantasias de pregador no deserto) E o novo material circulante e ERTMS? 
De Lisboa a Évora nos tempos que correm são 1h25; contando com os 90 km para Badajoz à velocidade média de 200 km/h (se alguém não enganou alguém quando afirmou que a velocidade máxima no troço pode ser 250 km/h inclusivé nos viadutos) dá 1:25 + 0:30 = 1h:55 .  Se Raquel Sanchez tem razão, e os castelhanos vão cumprir o regulamento 1315 revisto, teremos 1:55 + 2:15 = 4h:10.
Por mim preferiria ao avião e ao automóvel, mas a notícia parece demasiado otimista, pelo menos do lado português.


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