quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Os congressos das elites e o que as elites andam a ler

Confesso que não gosto de ir a seminários, conferencias ou congressos, mas até gosto depois de lá estar, se o assunto tem interesse técnico e impacto na comunidade.
Também vou a muito poucos.
Mas choca-me, talvez por excesso de sensibilidade minha, o ar soberano das elites que os promovem, que neles se exibem, que neles demonstram a incapacidade para fundamentar as suas opiniões segundo o método científico.
Raramente apresentei trabalhos em seminários. Das poucas vezes fiquei com a ideia de que  as pessoas não tinham seguido o meu powerpoint. Que até o moderador não  tinha percebido. Certamente por limitações minhas.
Choca-me ainda ver a auto-satisfação e o cabotinismo dos governantes ou familiares que comparecem nesses seminários, acolitados pelos presidentes dos eventos, na maior parte das vezes ligados aos interesses de empresas ou grupos económicos mais ou menos internacionalizados que os patrocinam.
Para mim, o sucesso de um seminário, congresso ou conferencia medir-se-ia por uma alteração de comportamento e um inicio de atividade segundo um rumo demonstrado no evento como util para a comunidade.
Mas julgo que o sucesso é antes medido pelo impacto mediático, talvez até diplomático, pelo marketing das empresas e pela visibildade dada a alguns oradores, moderadores ou presidentes do evento. Ou por algum negócio facilitado.
Não quero dizer que não haja boas intenções ou voluntarismo desinteressado nalgumas iniciativas.
Ou simplesmente consciencia de responsabilidade social de uma ou outra fundação.
Veja-se por exemplo o seminário sobre a liberdade na democracia. Quando circulou o convite para assistir já estava o programa fixado. Não houve apelo público a apresentação de comunicações. E nos paineis o peso de personalidade mediáticas.
Pode ser defeito meu, insuficiencia minha de participação cidadã, mas nenhum dos participantes teve alguma vez contactos comigo ou com o círculo dos meus colegas e dos meus amigos. Nem no serviço militar, nem na universidade, nem na atividade profissional.
Reparem que não estou a vitimizar-me, conheci muita gente boa ao longo da minha vida, que teriam uma palavra a dizer. Mas não, não fizeram parte do núcleo seleto dos convidados.
Não fizeram parte das elites.
Talvez porque do ponto de visto ideológico não esteja perto dos partidos que habitualmente gerem a coisa pública, com os resultados negativos conhecidos.
Talvez porque do ponto de vista profissional tenha tido poucas relações com as profissões que dominam a economia e a politica do país, advogados, economistas.
Talvez a profissão de engenharia, a sua preocupação, quando os seus servidores não atraiçoam o que aprenderam na alma mater,  em fundamentar com dados reais de utilidade pública e em realizar com uma programação concreta.
Talvez porque não me identifico com os métodos da intelectualidade portuguesa, tão  nem com os processos de reconhecimento dos seus méritos.
Pena não ter havido um convite público, não para só para assistir, mas à participação efetiva.
Ou tomemos o exemplo da grande fundação que é um exemplo de uma politica cultural de interesse nacional. E que convidou as elites para falar das politicas públicas.
Existe uma certa ironia no tema, quando muito do que a fundação faz competiria à secretaria de Estado da cultura.
Existe uma ironia quando o secretário de Estado da cultura comparece no evento e é cumprimentado pelo presidente da fundação, emérito profissional da banca.
A cultura em simbiose com as grandes empresas petrolíferas e com as elites bancárias.
Não tem mal nenhum, sempre que o Metropolitain de Nova Iorque transmite uma ópera não se esquece de lembrar que isso só foi possível graças ao generoso apoio dos seus mecenas, acionistas principais de empresas que geram lucros.
Mas choca-me, como disse, ver perguntar-se às elites o que se deve fazer para sair desta crise, quando foram as elites que dirigiram o país, que aconselharam os seus políticos, que formataram o pensamento dos leitores dos jornais de opinião e dos eleitores.
Eleitores esses, quer tenham votado quer se tenham abstido, que são usados, ou desfrutados, pelas elites para justificarem o seu poder politico e o seu poder económico. E depois de desfrutados, acusados de serem os responsáveis pelos gastos acima das posses do país e levados a pagar o resgate.
Mas eis que o professor de economia da universidade norte-americana, autor de comentários lidos com reverencia, propõe em plena conferencia, com vivacidade intelectual, a indexação do pagamento da dívida pública ao crescimento da economia.
Quando leio no jornal acode-me à ideia a pergunta, o que andam a ler as elites tão ligadas ao sistema neste país (ou na tal universidade norte-americana)?
E tento adivinhar, andam a ler o capital no século XXI de Thomas Piketty, já publicado em português pela Temas e Debates/Círculo Leitores, que enchem as montras das livrarias.
Já aqui foi referido, o livro. O seu tema central é, fundamentando com a análise de dados reais desde o século XVIII, o ser maior a taxa de retorno do capital do que a taxa de crescimento da economia, e que isso só pode gerar desigualdades sociais. Como solução, uma discreta taxação dos rendimentos do capital com base nas transmissões automáticas entre bancos. Sim, era o fim do sigilo e dos off-shores, uma espécie de utopia. Mas acalmem-se as elites que Thomas Piketty não se confessa nem quer ser revolucionário.
De modo que o professor da conferencia sobre politicas públicas resolveu interpretar assim Piketty.
E eu confesso que não sei se bem se mal, mas sei que os pobres economistas andam entretidissimos e preocupados a tentar descobrir erros no Execl de Piketty, sem conseguir.
Mas há um problema tipo paradoxo.
O livro tem 910 páginas e o seu autor diz que o escreveu para convencer os eleitores, não os politicos. De facto, eleitores bem informados arrumariam os politicos defensores da austeridade anti-investimentos com as análises e os gráficos deste livro, mas teriam de o ler. Embora grandes defensores da austeridade a tout prix como Oliver Blanchard e Vitor Gaspar andem agora a pregar "investimentos inteligentes", talvez porque as taxas de juro para o nosso país sejam agora de 3,5% quando eram em abril de 2011 de 11% .
910 páginas para mudar o sistema é pedir demasiado aos eleitores, embora pareça que não devia ser necessário lê-las para acreditar que não podem ser os bancos (e Wall street) a decidir as regras do jogo. Assim como assim, se a EuroDisney é um sucesso de procura, por que razão tem 1700 milhões de euros de dívida? Não deveria antes mudar-se as regras bancárias?
Mas enfim, tentando converter leitores em eleitores, apresento três gráficos do livro, com as legendas do autor. Vejam como no tempo dos Beatles o mundo era mais igualitário e havia esperança (Imagine...):





Ver juntamente com este livro os seguintes:

- A riqueza oculta das nações, inquérito sobre os paraisos fiscais, de Gabriel Zucman, ed, Temas e Debates/Círculo Leitores, 143 páginas

- O espírito da igualdade, por que razão sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor, de Richard Wilkinson e Kate Pickett, ed. Presença, 350 páginas

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