sábado, 9 de maio de 2015

Estaleiros de Viana do Castelo, em maio de 2015, para mim, é uma infâmia


Não posso ter a certeza mas posso exprimir o que penso do caso dos Estaleiros. E o que penso é que é uma infâmia em que as próprias vítimas têm de pedir desculpa e são responsabilizadas pelos erros de outros. Existe ainda, a meu ver, uma deficiencia grave na interpretação dos textos orientadores da UE.
Neste blogue por várias vezes me referi à triste história dos Estaleiros e do Atlântida. Penso ter apresentado cálculos provando que a recusa pela Atlanticline do Atlântida foi injustificada. Ainda recentemente dei conta da notícia de que um navio com o projeto do Anticiclone e  materiais comprados para ele, iria ser construido nos estaleiros da Figueira da Foz para Timor Leste.
Também recentemente foi referida a mudança de planos da Douro Azul que já não fará cruzeiros na Amazónia com o Atlântida. Não foram dados esclarecimentos, mas penso que alguém terá explicado ao "empreendedor" que não se deve alterar um navio contrariando o seu projeto (previa-se desmontar a comporta e as zonas de garagem substituindo-as por camarotes); aliás, o próprio Atlântida já é um exemplo disso. O grande erro dos ENVC foi não terem recusado ao cliente, a Atlantic Line, que foi buscar o projeto a um estaleiro do Baltico, as alterações que foi querendo introduzir no projeto, aumentando o peso do navio sem a contrapartida do aumento da potencia dos motores.
Não registei, mas refiro agora, a assinatura em dezembro de 2014, a bordo do Atlântida, de um contrato de 12 milhões de euros para a construção de um navio de cruzeiros para a Douro Azul, em Viana do Castelo, agora sob a West Sea/Naval Ria (um estaleiro de Aveiro que pertence à Martifer, a subconcessionária dos terrenos e infraestruturas que eram dos ENVC; a moda que existe agora de empresas boas e empresas más, e de subconcessões para não se dizer privatizações). Nessa altura, o senhor ministro da Defesa mostrou-se muito satisfeito com o fecho dos ENVC.

Chega agora a notícia, aplaudida pelos comunicadores do atual governo, de que a Comissão europeia declarou ilegais os 290 milhões de euros de auxílios estatais.
É estranho, porque em 2013 o ministério da Defesa escreveu num comunicado que eram 180 milhões.
Mas enfim, agora são 290, e a ilegalidade invocada baseia-se no artigo 107 do tratado sobre o funcionamento da união europeia.
É também estranho que em janeiro de 2014 a CE tenha respondido a eurodeputados "estar ciente de que os ENVC estavam envolvidos em projetos para a marinha portuguesa  e que não pôde identificar qualquer violação da concorrencia  (auxilios estatais) ou das regras do mercado interno".
O fornecimento de material e equipamentos de defesa nacional ou de interesse comum para a UE (como são as funções de patrulhamento e fiscalização das zonas costeiras e económicas) são consideradas exceções às regras da concorrencia e, como tal, compatíveis com auxilios estatais.
Recordo que os contratos que são acusados de favorecimentos dos ENVC por ajuste direto previam 2 lanchas de combate à poluição, 6 patrulheiros e 5 lanchas fiscalizadoras. Não parece dificil justificar que se trata de material de defesa e de interesse comum europeu do ponto de vista ambiental e de preservação e exploração de recursos marinhos (a menos que os burocratas de Bruxelas não compreendam o significado destas palavras, ou simplesmente não queiram dizer que compreendem).
Porém, verificou-se agora uma sintonia entre o atual governo, que conduziu a tortuosa politica de aniquilamento dos ENVC, e a CE, que como se sabe, é dominada por uma estrutura politica da mesma cor do atual governo.
E eis como, invocando as regras da concorrencia e acusando o anterior governo de favorecer os ENVC em prejuizo dos outros estaleiros, se chegou à situação atual, em que são os outros estaleiros (a Naval Ria e os estaleiros da Figueira da Foz) que beneficiam da liquidação dos ENVC.
Por outras palavras, numa ótica de resultados, a politica do atual governo favoreceu os outros estaleiros.
Acresce que de 27 de junho de 2002 a 31 de março de 2005 esteve em vigor um regulamento da CE que autorizava auxilios estatais à industria naval, que urgia proteger por toda a Europa porque os arfmadores reduziam os fretes e aumentavam os períodos entre reparações.
O artigo 107 do TFUE, agora invocado pelo atual governo e pela CE para condenar os ENVC, existe para proteger as diferentes empresas europeias, entre elas, naturalmente, os estaleiros europeus. Trata de defender o mercado interno europeu, proibindo limitações à livre circulação de mercadorias e serviços. Coisa que em época de cerrado ataque ao setor pelos estaleiros coreanos e asiáticos justifica auxílios estatais (é sabida a então política de dumping desses estaleiros, a simplificação construtiva e embaretecedora contra a segurança, como o casco único quebrável pela corrosão, e a rápida subida de preços a partir do fecho de estaleiros concorrenciais).
Além disso, o artigo 107 prevê explicitamente a compatibilidade de auxílios estatais com o mercado interno aberto nos casos de:
- interesse comum europeu (dotar significativa parte das costas de patrulheiros e lanchas fiscalizadoras parcialmente financiadas pelo Estado português é do interesse comum da Europa)
- melhoria de produtividade e inovação tecnológica (evidente no caso das telecomunicações e equipamentos de controle da navegação)
- apoio a regiões de subemprego (há dúvidas quando se prevêem despedimentos e se assiste ao estado da economia na região de Viana do Castelo?)
- apoio à insularidade periférica (era o caso da construção do Atlântida e do Anticiclone). O TFUE refere explicitamente no artigo 349 os apoios a regiões como a Madeira, os Açores, a Martinica, a Reunião, a Guiana Francesa - o Brasil, antiga colónia portuguesa, é um país pujante, a Guiana francesa, antiga colónia francesa, precisa da contribuição dos cidadãos europeus?!

Por tudo isto, a minha perspetiva é a de que força politica que domina a CE se sintonizou com a que domina o atual governo português para responsabilizar o anterior governo (sim, teve culpas ao nomear comissários politicos para gerir negócios em que não tinham conhecimentos para isso) e a empresa ENVC nos sucessivos  passos para o desastre.
Ficando de fora a responsabilidade do atual governo na fuga para a subconcessão (para que a nova empresa não seja responsabilizada pelas dívidas dos ENVC), na retenção exagerada das autorizações para a compra de materiais indispensáveis para a laboração, na anulação dos contratos dos patrulheiros, das lanchas de fiscalização, dos 2 asfalteiros para a Venezuela, para o navio multifunções que era uma das contrapartidas do contrato dos submarinos, na ineficácia na obtenção de trabalho para os ENVC no âmbito da reparação naval, tudo contribuindo para a situação a que se chegou: fecho de um estaleiro e entrega de trabalhos a eles destinados a outros estaleiros concorrentes.

Eis porque, não podendo acusar por não ter o dominio de todas as provas, em todo o caso penso que estamos perante uma infâmia.

PS em 1 de julho de 2015 - Ver mais informação em http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2015/07/estaleiros-de-viana-do-castelo-junho-de.html


2 comentários:

  1. Esta tudo certo no seu comentário menos uma coisa os ENVC entre 2006 e 2011 construiram navios civis! mais de 10! e esses foram construidos com base e contratos em que se sabia que cada navio, ainda antes de ser começado a construir, daria no mínimo 5 milhões de € de perjuizo! isso é violação da concorrência!

    OS ENVC não poderiam ter construido navios civis se quisesse usufruir da exceção das ajudas estatais!

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  2. Agradecido pela informação. Salvo melhor opinião, deveriam as instancias oficiais portuguesas e comunitárias contabilizar os subsidios indevidos para a construção de navios civis não compatíveis com as regras comunitárias (sublinho que o Atlântida é um navio civil cujos auxilios estatais são explicitamente previstos pelo artigo 349 do TFUE) e de navios militares e determinar qual a quantia a devolver, que não serão seguramente os 290 milhões. Penso que, tal como o governo apresenta a questão, a informação está incompleta. Cumprimentos.

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