Defendo pois a existência do Observador, mas confesso que os seus colaboradores por vezes exageram (embora o exagero seja bom para estudar ou testar a consistência de um tema).
Mas também confesso que a forma de abordagem de alguns temas me toca no nervo, como se costuma dizer, ou faz-me saltar a tampa, e o tema dos rendimentos excessivos dos velhos faz-me esse efeito. Claro, sou velho.
Eu preferiria que o Observador lançasse luz sobre temas como as candidaturas a fundos comunitários para deixarmos de ser uma ilha ferroviária (questão da bitola UIC e ligações ferroviárias inexistentes nesta bitola à Europa), ou uma ilha energética (questão: falta de interligações para exportação da energia renovável em excesso; insuficiência de gasodutos dos portos para a Europa) e se não haverá exagero nas candidaturas para investimento na educação e na qualificação pessoal (sabendo-se que a maior prte dos jovens formados sserá "aproveitado" no estrangeiro, isto é, estaremos a subsidiar o sistema educativo desses países, tal como atualmente subsidiamos o sistema fiscal de outros). Sendo certo que política do atual governo, continuando de outro modo a política imobilista do anterior, é essencialmente secretista.
Parece-me algum exagero do Observador insistir nos malefícios da baixa natalidade, quando eu vejo os supermercados cheios de criancinhas e eu próprio tenho 7 netos; ou insistir , em estudos importados como a correlação entre o aumento do salário mínimo e o aumento do desemprego. Não digo que não haja correlação (numa entrevista a uma sobrevivente de um terramoto na Turquia, há uns anos, a senhora lamentava-se que tinha acionado o interruptor de um dos quartos e tudo caiu, isto é, houve uma correlação entre o acionamento do interruptor e o terramoto), mas sabendo-se que a política oficial é estimular a desvalorização do fator trabalho, nomeadamente através do desemprego, fica a dúvida se essa correlação não é como a do Excel dívida-investimento de Rogoff-Reinhardt, em que se "esqueceram" de considerar uma área de células do Excel. Veja-se por exemplo o caso da banca em Portugal, que perdeu 7500 funcionários entre 2000 e 2015 sem relação nenhuma com o salário mínimo. Ou a diminuição continuada da contratação coletiva e do crescimento salarial (abaixo do crescimento do PIB, como mandam os sábios).
Mas como digo, é a questão dos rendimentos excessivos dos velhos que me deixa furioso (como comentou João Cesar das Neves depois de um comentário que lhe enviei). Quando devíamos estar todos a fazer força para aumentar os rendimentos dos mais novos (em Portugal acabámos com os ricos, dizia o revolucionário ao sueco em 1975, e este respondeu-lhe e nós acabámos com os pobres...). Então numa altura em que tanto se fala no Panamá, vir o Observador esquecer que o problema é de falta de receita, não é excesso de despesa...
ou de como poderemos perguntar a Vitor Gaspar: qual a parte do gráfico de que há dinheiro, que não entende? |
Mas não argumento, limito-me a refazer a fábula do lobo e do cordeiro, de uma e outra maneira.
Esopo, escravo ao serviço do senhor Xanto, que lhe permitiu deixar uma análise profunda das relações de produção, 2300 anos antes de Karl Marx, e 2450 anos antes do Observador:
1 - O cordeiro, confiante, abeirou-se do rio UE que nasce em Bruxelas. Trata-se de um rio com um percurso acidentado, com um leito com grande inclinação. O cordeiro, que estava num plano inferior, a jusante, ficou surpreendido quando o lobo (wolf, em alemão), mais acima, o criticou por estar a beber mais água do que as suas possibilidades lho permitiriam e por lhe sujar a água. Bem explicou o cordeiro que não podia ser porque a correnteza do rio levaria a sujidade para o lado contrário do lobo. Mas o lobo insistiu que o cordeiro já tinha estado mais acima a beber, que tinha esgotado a erva, que a sua família ou amigos cerceavam a liberdade de investimento dele, lobo, e justificou tudo com argumentos e registos estatísticos. O défice aumentava porque os salários de todos os cordeiros tinham sido repostos nos níveis anteriores à epoca dos cortes.
O corddeiro argumentou que para reduzir o défice o melhor seria aumentar os impostos dos grandes proprietários.
O lobo, sentindo-se ofendido, gritou que não admitia que o cordeiro limitasse a sua, dele lobo, liberdade de movimentos na economia, porque todos têm direito à liberdade, e comeu-o.
2 - O cordeiro BANIF, confiante, foi-se queixar ao deus Odin, na Alemanha, dizendo que já não aguentava mais os olhares gulosos das raposas ibéricas e não tinha confiança nos cães de guarda do rebanho. Odin concordou que os cães de guarda não tinham nada de deixar arrastar os problemas do cordeiro BANIF, mas como era amigo deles e eles andavam a preparar-se para uma campanha eleitoral, também deixou andar. Até chegou a dizer ao cordeiro BANIF que, enquanto o ouvia, sentia crescer a saliva na boca, de tão apetitoso que ele era. Não o comeu, mas também não deixou que o nacionalizassem porque isso era contra os dogmas de Odin, e acabou por deixar que uma raposa ibérica o comesse quando disse que o cordeiro BANIF tinha de ser vendido nesse fim de semana.
3 - O cordeiro BPI, confiante, bebia no regato junto do rio Quanza, quando o lobo alemão, mais acima, disse que não podia ser, que só podia beber água no regato dele, lobo alemão, e que tinha até ao dia 10 para voltar ao seu regato. Ora o pobre cordeiro BPI não tinha forças para fazer o percurso em tão pouco tempo e com a ansiedade até tinha cada vez menos forças. Andava por ali um lobo ibérico, que, quando o prazo estava mesmo a acabar, comeu o cordeiro BPI.
4 - Estava o cordeiro, confiante, mas preocupado com a falta de erva nos campos, a beber a pouca água do raquítico regato, quando viu o lobo, mais acima, a beber a água com sofreguidão e a ralhar-lhe: não há água no regato nem erva suficiente nos campos porque tu ganhaste salários demasiado elevados e os teus primos têm reformas acima dos patamares da produtividade e da competitividade.
Mas, senhor, respondeu o cordeiro, vê como as notícias do Panamá mostram que afinal havia erva, estava era escondida por ti e pelos teus primos. O lobo ficou furioso e sacou das contas dos jornalistas do Observador, que mostravam que o rendimento dos cordeiros mais velhos sobe mais depressa do que o dos cordeiros mais novos.
É verdade, senhor, respondeu o cordeiro, mas isso é porque vocês andam a estimular o desemprego dos cordeiros como melhor forma de conter os preços da erva. E se devemos erva à terra mãe é porque com a erva que foi para o Panamá ficaram por pagar impostos por ti e pelos teus primos. Falta a receita, não é excesso de despesa com erva, que eu estive a ver e o que nós, cordeiros, gastamos, é mais ou menos o que as cabrinhas, os porquinhos, as vitelinhas, gastam na terra deles, por isso não venhas, lobo, com essa dos rendimentos dos cordeiros mais velhos crescerem mais depressa do que os dos cordeiros mais novos. Com o desemprego cada vez há menos receita e quanto menos receita mais vocês mandam cortar no rendimento dos cordeiros.
Foi o fim da paciência do lobo, que deu um salto e comeu o cordeiro.
5 - Estava o cordeiro, confiante, ... et coetera, et coetera, et coetera....
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