É comumente aceite que na organização do território de uma
área metropolitana, como tal base para a habitação de uma população
significativa, para instalações industriais e comerciais, para escritórios e
serviços, e ainda para atividades agrícolas, silvícolas e piscatórias, deverão
ser planeadas e construídas redes de alimentação elétrica, de gás e de
água, de telecomunicações e de
saneamento.
Relativamente ao escoamento e aproveitamento de resíduos
urbanos e ao sistema de transportes, a postura dos cidadãos será um pouco
difusa.
Não se nota uma opinião pública exigente em termos de
recolha dos resíduos que possibilite o aproveitamento dos resíduos para
produção de energia e para utilização agrícola.
A autarquia arranjará maneira de recolher o lixo e depois as sociedades
intermunicipais que se preocupem com isso. Não se exige que nas novas
urbanizações se prevejam infraestruturas para o aproveitamento dos resíduos e,
muito menos produção local de energia.
De modo análogo, os transportes são considerados exteriores
à organização do território em si. Os habitantes consideram normalmente o
automóvel como solução para as suas deslocações casa-emprego, ou então há-de
haver uma carreira de autocarros ou uma linha férrea tradicional e a pressão da
opinião pública privilegiará a reivindicação de uma via rápida. A ineficiência
do transporte individual face ao transporte coletivo ferroviário gera assim
prejuízos para a economia nacional que se adicionam aos custos das vias
rápidas.
Infelizmente, para o orgulho humano, as deslocações de
pessoas obedecem às mesma leis da dinâmica dos fluidos, guardadas as devidas
distancias e as diferenças de unidades. Isto é, tal como uma rede de saneamento
subdimensionada satura e extravasa ao
mais pequeno excesso de afluência, assim uma rede de transportes deficiente e
sobrecarregada prejudica seriamente os passageiros, quer estes se concentrem no
transporte individual, quer no transporte coletivo. As crises de saturação
ocorrem mais rapidamente no transporte individual para valores inferiores do
volume de passageiros transportados, e são mais penalizadoras no caso de
transporte coletivo subdimensionado.
É assim necessário planear uma rede de transportes quando se
pensa em organizar o território, quer a construir-se uma nova urbanização, quer
ao tentar corrigir a organização existente.
No caso da área metropolitana de Lisboa o problema agrava-se
com a desertificação da cidade intramuros (limites do município), a deslocação
da habitação e de muitos serviços e atividades industriais para os subúrbios e
a preferência pelo transporte individual.
A população da área metropolitana de Lisboa, cerca de 2,3
milhões de pessoas, distribui-se pelo município de Lisboa, cerca de 500 mil
habitantes (nos anos 90 do século passado eram cerca de 800 mil), e pelos
municípios envolventes.
A rede de comunicações
é composta principalmente por rodovias rápidas radiais e secantes
relativamente à capital. Não existe a prática sistemática de realização de
inquéritos de tráfego. No entanto, estima-se que as deslocações diárias em
transporte individual no sentido habitação-emprego são da ordem de 160 mil
automóveis entrados em Lisboa e 240 mil no tráfego secante, de um município
envolvente para outro.
Um critério empírico, resultante de inquéritos de tráfego e de
confirmação dependente da repetição desses inquéritos, admite que para uma população
de 2,3 milhões de habitantes se espera um montante de 1,7 x 2,3 ~ 4 milhões de
deslocações diárias motorizadas. O que daria uma carga na hora de ponta de um
décimo (ou outro valor resultante de inquéritos de tráfego) ou 400.000
deslocações motorizadas na hora de ponta.
Aparentemente, a estrutura da habitação e do emprego na área
metropolitana está distorcida em termos de ordenamento territorial. O facto de
60% das deslocações ser em transporte individual é um sintoma de uma mobilidade
degradada, consequência do crescimento urbanístico desordenado.
Nestas condições, a utilização dos modelos normais para
determinação das redes de comunicações ideais, nomeadamente as matrizes
origem-destino ou habitação-emprego poderá ser irrelevante.
Isto é, encontrando-se distorcida a estrutura urbanística, a
estratégia para o planeamento das redes de transporte deverá associar-se
fortemente ao planeamento urbanístico, neste caso essencialmente corretor do
existente, embora haja ainda algumas zonas extensas urbanizáveis intramuros
(Vale Formoso/Comendadeiras, Chelas, Alta de Lisboa) em cuja construção nova
deverá ser dada prioridade ao setor secundário (fábricas e oficinas pouco
poluentes) relativamente à habitação e
aos setores terciário e quaternário .
A correção urbanística deverá ocupar-se da reabilitação dos
edifícios, integrando-os e emparcelando-os de modo a melhorar o conforto, com
áreas suficientes, em cada fogo, além das zonas de quartos e salas, para
instalações sanitárias, logradouro e garagem. Terão de ser urbanizadas áreas
abandonadas e remodelados os bairros, com uma percentagem de áreas verdes,
assegurando no conjuntos dos edifícios uma distribuição por habitação, serviços, comércio e
oficinas.
Considerando a área restrita do município de Lisboa, para o
planeamento da rede de transporte urbano ferroviário, o metropolitano, terá de
se partir da situação atual em que as deslocações internas são menos
significativas do que as deslocações pendulares de entrada e saída do centro da
cidade nas horas de ponta.
Isto é, a prioridade para novas obras parecerá ter de
responder a duas tendências contraditórias.
Por um lado, deverão melhorar-se os canais radiais de
penetração na cidade, o que implica intervenções menores no centro da cidade,
aumentando o conforto e a quota dos passageiros vindos do exterior da cidade e
reduzindo em consequencia o consumo de combustíveis fósseis associado ao transporte
individual.
Por outro lado, para redução dos movimentos pendulares,
deverá favorecer-se a aproximação entre os locais de habitação e os de emprego,
nomeadamente promovendo o repovoamento de Lisboa de acordo com os princípios de
reabilitação urbanística referidos.
Dado que não convém
que do ponto de vista demográfico haja deslocações da população do interior do
país para as áreas metropolitanas, parecerá que os municípios envolventes de
Lisboa não deverão autorizar mais construção. Nestas condições, a força de
produção das empresas de construção civil deverá ser reconvertida nas técnicas
de reabilitação dos edifícios, compensando o aumento de preços de habitação nos
subúrbios decorrente da diminuição da oferta com a diminuição do preço no
interior da cidade por aumento da oferta (coisa alcançável igualmente com a
manipulação dos IMIs e do IMTs).
Ao mesmo tempo, a deslocação de população para o centro de
Lisboa será limitada pelo emparcelamento dos fogos disponíveis e pela contenção
da componente habitacional nas novas urbanizações (para garantir a instalação
dos setores secundário, terciário e quaternário), pelo que a população de
Lisboa não deverá voltar a atingir o milhão de habitantes, impedindo-se na
cidade a nova construção enquanto o parque habitacional se encontrar degradado
ou utilizando a nova construção para substituir habitação degradada ou para
instalar, por ordem de preferência, setores
secundário, quaternário e terciário.
É desejável que seja estudada a relação entre a
disponibilização de mais percursos em transportes coletivos e a resposta da
procura do transporte individual. Isto é, nas curvas de procura do TC e do TI,
saber em que ponto ocorre a descompressão da oferta do TI (aumento da procura
do TI por motivo de aumento da oferta do TC).
Dada a deficiente condição financeira do país, não será
demais destacar a importância, nesta estratégia, de recurso aos fundos
comunitários (considerando a grave
situação do desemprego, o nível do rendimento per capita da área metropolitana
não poderá ser obstáculo a esse recurso).
A expansão da rede deverá fazer-se progressivamente de
acordo com as possibilidades financeiras e estar integrada num plano global e
coerente, de modo a evitar os desencontros sucessivos das estratégias
anteriores de avanços por remendos dependentes de opções localizadas no tempo e
decididas por políticos sem formação técnica para isso.
À medida que:
- forem sendo disponibilizados fundos comunitários mediante
a elaboração o mais cedo possível, desde já, de projetos de expansão, da rede
de metro e das redes de modos complementares, suscetíveis de aprovação pela
comissão europeia atendendo às caraterísticas de sustentabilidade energética do
modo de transporte ferroviário urbano, ou
- o tecido urbanístico da cidade for sendo recuperado e
beneficiado, aumentando a densidade populacional intramuros,
será desejável a ampliação da rede de metro interna da
cidade.
Propõe-se assim como expressão da estratégia para o metropolitano de
Lisboa, de acordo com o cumprimento progressivo de um plano integrado e como exemplos de aplicação de fundos comunitários :
-
a adaptação dos cais a 6 carruagens, acesso a pessoas de mobilidade reduzida (elevadores
e instalações sanitárias adaptadas) e remodelação da ventilação principal nas
estações de Areeiro (incluindo ligação hectométrica subterrânea à estação da CP) e Arroios,
-
acesso de pessoas com mobilidade reduzida e instalações sanitárias adaptadas nas
principais estações que dele ainda não dispõem, nomeadamente nas estações de correspondência
(Campo Grande, Colégio Militar, Baixa Chiado, Jardim Zoológico, Entrecampos),
-
reforço dos níveis de segurança da circulação com sistemas de proteção
automáticos do tipo ATP/ATO e CBTC para redução da probabilidade de ocorrência
de acidentes,
-
completamento do esquema básico da rede:
· prolongamento
da linha vermelha de São Sebastião até à linha suburbana de
Cascais, com correspondência em Alcântara e Algés e com
correspondência com parque de estacionamento em Campolide para o transporte
individual da A5
· prolongamento
da estação Aeroporto a Campo Grande em viaduto
· prolongamento
de Telheiras a Pontinha com viaduto entre o Eixo Norte-Sul e a estação Pontinha
passando pela nova feira popular
· prolongamento
Rato – Santos com correspondência com Cais Sodré e com desenvolvimento circular
para reduzir a pendente, servindo Alcantara com futura extensão a Cacilhas
· prolongamento
de Santa Apolónia às Comendadeiras com futura ligação por metro ligeiro a
Olaias
· ligação
na estação Moscavide a uma linha de metro ligeiro servindo a zona de Sacavém
-
estudo de uma linha circular externa de metro de superfície, preferencialmente
em viaduto, em sítio próprio, com correspondência com as estações de metro e
das linhas suburbanas, de Algés, por Miraflores, Hospital Amadora-Sintra,
Odivelas, Loures, Sacavém, Gare do Oriente
-
estudo de novo material circulante para satisfação do previsível aumento da
procura a médio prazo (por um lado é expetável que a economia venha a crescer
com consistência, e por outro lado é provável que o preço do petróleo suba,
desincentivando o transporte individual)
-
estudo da cobertura de bairros de menor carga de deslocações por meio de linhas
de modos ligeiros de transporte, guiados ou não, de condução integralmente
automatizada (driverless, condução autónoma).
Trabalho meritório mas cheio de contradições no que se refere às propostas de ordenamento do território...fundamentação vaga e meramente opinativa...
ResponderEliminarGrato pelo comentário.
EliminarO texto refere explicitamente a natureza contraditória da questão e serão bem vindas outras propostas. Por um lado proponho o aumento da população intramuros, e por outro lado proponho a sua contenção. Não há de facto fundamento em nemhum modelo sistematicamente construido, apenas não querer desertificar os subúrbios, nem o interior do país, nem sobrepovoar a cidade, ao mesmo tempo que proponho o reforço do setor secubdário intramuros. E aí não há um modelo construido mas a experiencia histórica: o sucesso de urbanizações como a de Alvalade e, em parte, de Telheiras, em comparação com o insucesso das urbanizações de Olivais, Portela e, em parte Alta de Lisboa. Isto pode ser opinativo, de facto, mas os mais de 60% de deslocações em transporte individual, que constituem um gigantesco desperdício energético são um fundamento real par corrigir a organização territorial da área metropolitana gravemente distorcida (tão gravemente que duvido que haja um modelo académico com eficácia para tratá-la). Trata-se de um numero que revela, como as análises médicas de um doente, a necessidade de intervenção.
Cumprimentos