sábado, 25 de fevereiro de 2017

Lisboa e o Turismo - cenas na Lisboa 2017

Joaquim, então serralheiro mecânico numa serralharia em Campolide, tocou há dois anos à porta de um pequeno prédio em Alfama, ali por baixo do miradouro das Portas do Sol.
Era o prédio onde viviam os pais, e que era propriedade destes, desde que há uns anos mais atrás a Caixa de Previdência que o detinha, o vendeu a preço simbólico aos inquilinos, tal como os outros seus prédios, numa campanha que visava a fixação das pessoas na cidade que se desertificava.
O pai de Joaquim, com os dinheiros do trespasse da sua mercearia, perto da linha do elétrico, que recebeu de Bachir, paquistanês empreendedor, não teve dificuldade em comprar a casa.
Mas a casa estava degradada,  a pobre mãe já denunciava sintomas de demência senil e cada vez se mexia pior.
Já não descia as estreitas escadas e era o pai de Joaquim que fazia as compras e assegurava o serviço da casa.
- Que bom que vieste, disse a mãe ao filho, embora já sem ter consciência de que havia 6 meses que ele não os visitava.
Já o pai, não podendo evitar o desconforto da longa ausência, foi ouvindo cabisbaixo a desculpa de que Joaquim morava longe, no Cacém, e que a serralharia estava com dificuldades, que já não pagava o salário completo, e muito menos os subsídios de férias e de natal.
Como era apenas serralheiro, não usava os termos mais pomposos dos economistas, que a serralharia, como PME, estava flexibilizando o relacionamento laboral com os seus funcionários, embora a realidade fosse mais comesinha, as grandes empresas já não faziam com ela subcontratações nem os particulares surgiam com as suas pequenas ideias de remodelações domésticas.
Joaquim explicou-se finalmente ao que vinha. Que a câmara tinha lançado um programa extraordinário de apoio a obras, o "o porreirismo municipal empresta primeiro e tu pagas depois".
Que era fácil, o pai só tinha de assinar, e com as obras podiamos vir morar para aqui, podemos fazer um andar no sótão, recuado.
A mãe, apesar de senil, não quis, e o pai, embora contrariado, talvez ela não quisesse estar perto da nora, não quis ir contra a sua vontade, com muita pena de não poder ter a neta perto.
Como se esperava, a mãe morreu no fim do seguinte período de 6 meses, o pai assinou o contrato e Joaquim tratou das obras.
No outro período de 6 meses a serralharia de Campolide fechou. Tal como no resto da cidade, o setor secundário continuou a esvair-se em Campolide. O pai de Joaquim, depois da morte da mulher, mantinha-se soturnamente no seu canto e a sua saúde consequentemente degradava-se, enquanto as obras se concluiam. Joaquim continuava no Cacém.
- Pai, já sei o que é o melhor para todos nós, encontrei um lar ótimo, aqui perto, podes continuar a encontrares-te com os teus amigos de Alfama.
E assim aconteceu, o pai foi para o lar, as obras foram concluidas, Joaquim, livre das obrigações da serralharia, dedicou-se a preparar o prédio para o alojamento local a turistas.
Hoje, dois anos depois do início desta história, o prédio gera receitas suficientes, com a sala comum que servira de armazém e o patiozinho no rés do chão, dois quartos com WC no 1º e 2º andares e uma suite com terraço no sótão com vistas para o Tejo, para pagar o lar, a renda do Cacém e um rendimento razoável a Joaquim.
A rua estreitinha do prédio está sempre cheia de turistas, com as suas malas com rodinhas, Bachir está contente com os negócios, As poucas vizinhas sobreviventes, que tanto gostavam de conversar à varanda com a mãe de Joaquim, queixam-se por vezes do barulho que os turistas fazem no patiozinho, em noites de primavera, verão ou outono, mas não se escandalizam com as respostas, talvez por não entenderem bem o inglês: "nós pagamos para poder fazer barulho". E nas traseiras do prédiozinho há um elevador de montagem compacta e expedita para todos os andares  e sótão, para os turistas não terem de carregar as malas, não precisarem de ir pela escada estreita. Por vezes, a neta visita o avô no lar, é um dia de alegria. Mas a assistente social que visita o lar diz que ele está deprimido, que não sai, e assim pode não viver muito mais.


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