Caro Henrique Raposo, comentário ao seu artigo:
Parece-me correta a interpretação em relação a
Hanna Arendt, mas confesso que não a li, apenas tenho lido umas recensóes. Mas
sobre Primo Levi li o Sistema periódico e discordo da interpretação, mas não
valerá a pena debater isso. Para mim o que poderia contrariar o caminho para o
abismo era o reconhecimento pelos cidadãos que lhe têm impingido versões da
História manipuladas e partir daí para um diálogo inter-religiões e
inter-culturas sem condições prévias e reconhecendo o direito a não ter
religião e a não ser violentado (live and let live).
Que autoridade moral tem a Europa para pregar democracia e valores humanos quando o seu colonialismo foi e é totalitário nomeadamente no médio Oriente?
Para só citar quatro casos, o bombardeamento de Alexandria descrito por Eça de Queiroz, o ataque a Galipoli, os testes de aviões bombardeiros no Afganistão nos anos 20 e a declaração Sykes-Picot. Claro que não justifica os atentados, mas são por sua vez atentados. Com que autoridade moral se pode criticar uma república islâmica quando governos ocidentais são governados por partidos confessionais como os democratas cristãos e os seus chefes de Estado são hereditários e até representantes de deus na terra? E pensar que há 100 anos as mulheres não tinham direito de voto em países europeus...Recordar ainda que as religiões abraâmicas, judaica, cristã, muçulmana, baseiam-se numa bíblia que descreve os atos triunfantes e os massacres cometidos pelo povo eleito sobre povos vizinhos, com a própria vitimização à mistura quando dava jeito (va pensiero, sul asa dorata). Pobre Hanna Arendt, cairam-lhe em cima, como cairiam em cima de mim se eu tivesse visibilidade.
Que autoridade moral tem a Europa para pregar democracia e valores humanos quando o seu colonialismo foi e é totalitário nomeadamente no médio Oriente?
Para só citar quatro casos, o bombardeamento de Alexandria descrito por Eça de Queiroz, o ataque a Galipoli, os testes de aviões bombardeiros no Afganistão nos anos 20 e a declaração Sykes-Picot. Claro que não justifica os atentados, mas são por sua vez atentados. Com que autoridade moral se pode criticar uma república islâmica quando governos ocidentais são governados por partidos confessionais como os democratas cristãos e os seus chefes de Estado são hereditários e até representantes de deus na terra? E pensar que há 100 anos as mulheres não tinham direito de voto em países europeus...Recordar ainda que as religiões abraâmicas, judaica, cristã, muçulmana, baseiam-se numa bíblia que descreve os atos triunfantes e os massacres cometidos pelo povo eleito sobre povos vizinhos, com a própria vitimização à mistura quando dava jeito (va pensiero, sul asa dorata). Pobre Hanna Arendt, cairam-lhe em cima, como cairiam em cima de mim se eu tivesse visibilidade.
Melhores cumprimentos
Artigo de Henrique Raposo:
Arendt e a questão muçulmana
A judia Hannah Arendt era e julgo que continua a ser uma figura odiada pela maioria dos judeus. Percebe-se porquê. Em primeiro lugar, a tese de Arendt sobre a banalidade do mal de Eichmann parece que retira – à primeira vista – o opróbrio à monstruosidade nazi. Os judeus queriam uma criatura alada, com chifres, cheirando a enxofre e comendo crianças judias ao pequeno almoço, mas Arendt deu-lhes um manga de alpaca. Queriam um Moloch, tiveram um funcionário. Em segundo lugar, Arendt recusou a vitimização absoluta e, mesmo perante o horror de Auschwitz, não deixou de fazer mea culpa. Isto é, não deixou de registar que, no cartório de Auschwitz, existe uma pequena percentagem de culpa judaica, que começa naquilo que ela considerava ser o quietismo inexplicável dos conselhos judaicos.
Tal como as comunidades judaicas do passado, as comunidades muçulmanas de hoje não aceitam a integração nos valores das cidades europeias, a começar na condição feminina
Mas o ponto mais interessante de Arendt nesta questão judaica está um pouco mais a montante. Tal como podemos ler em “As Origens do Totalitarismo”, os judeus tiveram uma quota-parte nas responsabilidades na criação do antissemitismo, porque recusaram sempre a assimilação e o contacto com o mundo “gentio”. Esta realidade também fica claro na autobiografia de Primo Levi, “O Sistema Periódico”: era claro que existia uma recusa consciente e voluntária de não diluição na maioria cristã ou nacional; os judeus até mantinham uma linguagem cifrada. “Repito: compreender não significa negar o revoltante”, diz Arendt em jeito de aviso aos estômagos mais sensíveis. Repudiar o nazismo não implica colocar a cabeça na areia e recusar compreender as raízes históricas do problema, não implica declamar que o nazismo foi feito por demónios inumanos que desceram à terra a partir de uma nuvem de mal.
Julgo que esta questão judaica do passado tem lições para a questão muçulmana do presente. Sim, é verdade que as duas questões não são simétricas. Para começar, não se conhece nos séculos XIX e XX uma vaga de ataques terroristas judaicos às cidades europeias. Ao contrário das comunidades muçulmanas europeias do nosso tempo, as comunidades judaicas dos séculos XIX e XX não criaram movimentos radicais e dispostos a cometer atos de terrorismo. O judeu era até visto como uma figura branda, cobarde e quietista – foi essa a essência do sionismo: nunca mais o judeu baixará a guarda! Existe porém um ponto em comum: tal como as comunidades judaicas do passado, as comunidades muçulmanas de hoje não aceitam a integração nos valores das cidades europeias, a começar na condição feminina. Enquanto este problema não for confrontado, a Europa continuará a caminho do abismo. Recusar confrontar o machismo e homofobia dos muçulmanos, só para dar dois exemplos, é que contribui para a islamofobia, não o inverso. Tem sido esta aliás a tese da Hannah Arendt desta questão, Hirsi Ali.
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