domingo, 12 de abril de 2020

Notícias da ferrovia por esse mundo fora...e por cá

 Com a devida vénia à Railway Gazette, comento algumas notícias recentes, as duas primeiras de grande interesse para os investimentos nacionais, embora não sejam fonte de esperança, as restantes para espreitar o que vai acontecendo lá por fora, nomeadamente as vantagens do sistema de autoestradas ferroviárias (solução para problemas das empresas de transporte rodoviário, que também seria bom aplicar-se em Portugal):


1 - UBS predicts post-pandemic shift from air to high speed rail

O consultor suiço UBS Research (grupo bancário e financeiro) elaborou um relatório intitulado "Por comboio ou por avião? o dilema do viajante depois do covid19 e no meio das preocupações com as alterações climáticas".
Uma das conclusões é que consumidores e governos provavelmente preocupar-se-ão mais com o significado de "ar limpo" (dados da UE: cerca de 430.000 mortes prematuras por ano devidas à poluição do ar).
Dados da União Europeia utilizados pela UBS:
A aviação representa:
  • 2,5 a 3% das emissões globais
  • 15% das emissões dos transportes
Em 2017 foram emitidas pelos transportes cerca de 4.500 milhões de toneladas equivalentes de CO2 , sendo:
  • 73% pelo rodoviário
  • 14% pela aviação
  • 13,5% pelo marítimo
  •   0,5% pelo ferroviário
Considerando os programas governamentais de descarbonização, é expetável uma transferencia do avião para o ferroviário de alta velocidade, pelo menos se os ditos governos acreditam nas leis da Física.
 A UBS prevê investimentos  em alta velocidade ferroviária de mais de 100.000 milhões  de euros na União Europeia e de igual valor na China, estimulando o crescimento da velocidade e da densidade populacional e industrial  servida.
A UBS  estima, por efeito multiplicador,  retornos da ordem de 40.000 a 60.000 euros em Espanha, França, Alemanha e Itália nos próximos 10 anos.
Segundo a UBS, isso pode abrandar o crescimento do tráfego aéreo para 4,6% por ano até 2028 (o que daria para a procura na área aeroportuária de Lisboa de cerca de 43 milhões de passageiros por ano, o que parece ser compatível com a capacidade do aeroporto do Montijo e da Portela; descansarão o governo e a Vinci com os atrasos na construção).
Numa sondagem a 1000 clientes de transportadores aéreas da UE e da China, a UBS concluiu que os viajantes tolerarão as seguintes durações máximas da viagem por comboio:

  • viagens de lazer -  5 a 6 horas  
  • viagens de negócios -  2 a 3 horas, podendo ir a 4 horas
Curiosamente, ainda segundo a UBS, na China verifica-se mais transferencia da estrada para o comboio do que do avião para o comboio.

Os números são encorajadores para os planeadores da ligação de alta velocidade Lisboa-Madrid. Apesar de deficientes negociações terem permitido levar a extensão da ligação até 715 km, isso significará para uma velocidade máxima de 300 km/h e média de 210 km/h, um tempo de percurso de 3 horas e 20 minutos; caso a velocidade máxima possa ser de 350 km/h e  a velocidade média de 245 km/h teremos um tempo de percurso de 2 horas e 50 minutos. Em termos energéticos, recordo a comparação comboio-avião Lisboa-Madrid em
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2010/09/madrid-lisboa-de-aviao-ou-de-tgv.html
e
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2017/04/investimentos-em-ferrovia-situacao-em.html




2 - EU funding to support Madrid – Lisboa link

Do programa de 1.400 milhões de euros do European Green Deal para 7 países foram alocados 264,95 milhões de euros à ligação de alta velocidade Lisboa-Madrid, segundo a comissária para a Coesão e Reformas Elisa Ferreira, em meados de março de 2020
(Ver também 
https://ec.europa.eu/regional_policy/pt/newsroom/news/2020/03/17-03-2020-eu-cohesion-policy-invests-over-eur1-4-billion-in-green-projects-in-7-member-states       )



Aparentemente uma boa noticia, verifica-se porem que essa verba se destina aos 179 km dos troços Plasencia-Caceres-Badajoz e aos estudos para a ligação Plasencia-Madrid via Toledo.
Está ainda por definir, visto não haver colaboração da parte portuguesa nesse sentido, a data de colocação em serviço da ligação Lisboa- madrid (715 km) segundo as normas da interoperabilidade (sinalização ETCS nivel 2, eletrificação 25 kVAC, bitola UIC), pelo menos nalguns troços. Para o serviço de passageiros poderia usar-se transitoriamente a solução eixos variáveis, e para as mercadorias percursos alternativos.
Segundo a noticia, em 2023 a ligação dita de alta velocidade (máximo 300 km/h, 25 kVAC e ETCS nivel 2) far-se-á em bitola ibérica (travessas polivalentes de fixações para 4 carris para futura mudança para bitola UIC) com o traçado de alta velocidade entre Plasencia-Badajoz Evora-Lisboa (e Madrid-Toledo) e linhas convencionais Toledo-Plasencia e Evora-Lisboa.
A noticia refere ainda o arranque das obras da ligação Sines-Badajoz, possivelmente em referencia ao traçado Evora sul-Caia em construção com travessas polivalentes e à proposta de inclusão no CSOP da ligação Sines-Grandola Norte para evitar os declives de Sines-Ermidas, julga-se que também com travessas polivalentes.

Não são boas notícias, porque o corredor Atlantico sul precisa de muito mais do que isso, sabendo-se que os traçados de alta velocidade e em bitola UIC permitem uma exploração do transporte de mercadorias mais rentável devido ao menor consumo de energia quando comparado com os traçados convencionais e devido às ligações transfronteiriças mais rápidas na entrada em França, no pressuposto das exportações para França, Alemanha e Europa central. Mais uma vez refiro a solução eficiente das autoestradas ferroviárias para transporte de reboque.
E o argumento vale tambem para o transporte de passageiros devido à desejável transferencia do transporte aéreo de curta distancia para o ferroviário.

Vê-se portanto com grande preocupação a estagnação em que caiu o projeto de interligações interoperáveis e eficientes à Europa e lamenta-se que a Comissão Europeia não faça mais do que comentar ou sugerir a aceleração do planeamento da parte portuguesa.
Como exemplo dessa complacencia, agravada por aparente aceitação acrítica das informações oficiais prestadas pelas entidades portuguesas da especialidade à Comissão Europeia, veja-se o relatório de 26fev2020 da Comissão sobre Portugal e o desenvolvimento  das recomendações:

Nas páginas 21 (recomendação 3) e 82/83 (recomendação 3) fazem-se as recomendações sobre os investimentos ferroviários. Na página 66 verifica-se o óbvio, que as questóes da  interoperabilidade ferroviária constituem um estrangulamento e que falta um planeamento estratégico para os investimentos e modernização da ferrovia e a coordenação com Espanha e França.
São palavras duras mas temperadas com a benevolencia de considerar que tem havido progressos.

Salvo melhor opinião, com os atuais procedimentos e estrutura das entidades que tratam do setor, sem, pelo menos, a criação duma entidade distinta da atual IP, não será possivel esse planeamento estratégico e manter-se-á a indefinição, a estagnação e a ineficiencia com as consequentes perdas de receitas. A exemplo  do que faz a Espanha, existe uma ADIF para a rede convencional, e existe ums ADIF alta velocidade, para as infraestruturas para a alta velocidade, e cada uma das entidades tem de ter o seu orçamento próprio, para que não se diga que não pode fazer-se linha nova porque o dinheiro foi todo para a modernização da linha antiga.

E é urgente planear os investimentos para o quadro 2021-2027 em articulação com o CSOP e com a sociedade civil. Um grupo de cidadãos vem desde 2017 fazendo formalmente, junto dos poderes políticos, propostas de atuação para concretização das ligações ferroviárias integralmente interoperáveis com a Europa. Ver por exemplo a sua discriminação e cronograma em
https://manifestoferrovia.blogspot.com/2018/03/1.html

Sugere-se começar pela renegociação do contrato Poceirão-Caia, cujo consórcio adjudicatário é credor de uma indemnização de 150 milhões de euros.
Por exemplo, nova ligação Sines-Poceirão em travessas de 3 carris (possibilidade de utilização por comboios de bitola ibérica ou UIC), Poceirão-Évora norte em bitola UIC em coordenação com o outro lado da fronteira, idem para a mudança de bitola ibérica para UIC no troço Évora norte-Caia.
Enquanto a bitola UIC não estiver disponivel em Evora norte-Caia e na terceira travessia do Tejo-Poceirão-Vendas Novas, serviço de mercadorias por Sines-Ermidas-Evora sul-Caia e serviço de passageiros com eixos variáveis Poceirão-ponte 25abril.

Como facto  positivo na comunicação da senhora comissária Elisa Ferreira, assinale-se a concessão de um cofinanciamento de 107 milhões de euros para a expansão do metro do Porto. Verifica-se assim que os colegas do metro do Porto preparam de forma melhor do que em Lisboa os seus projetos de expansão, pese embora a exiguidade do subsidio.

3 - Budapest cross-city upgrading gathers pace

Depois da construção da linha 4 do metropolitano de Budapeste que foi alvo de muita contestação (7,4 km, 1400 milhões de euros!), o governo hungaro pretende melhorar a travessia leste-oeste da cidade, libertando o tráfego interurbano e de mercadorias da passagem pelo centro da cidade. 
Na fase presente, está a ser lançado o concurso para a construção de um interface junto da estação Nepliget para correspondencia entre a linha 3 do metro, com a rede de elétricos e com a redes interurbana e suburbana. Seguir-se-á a quadruplicação da linha suburbana.



O objeto do concurso é  a remodelação da estação de Nepliget como interface entre a rede de metro, linhas de elétricos e a rede interurbana e suburbana; os algarismos nos círculos coloridos assinalam o número da linha de metro; a linha 1 foi a segunda linha de metro construida no mundo, em 1896, no tempo do império austro-hungaro



4 - Tokyu Corp completes platform edge door programme

A companhia japonesa de transportes suburbanos (64 estações) completou o seu programa de 5 anos para instalação de portas de cais por motivos de segurança.
Os incidentes com passageiros diminuiram de 131 em 2014 para 10 em 2019.
O sistema de portas de cais tem a grande vantagem de diminuir o risco de acidentes com passageiros com o fecho de portas dos comboios, e tem ainda a vantagem de reduzir a probabilidade de suicidios. No entanto é um sistema caro e em principio a sua fiabilidade é inferior à dos comboios. Mas seria interessante considerar um programa progressivo, distribuido ao longo dos anos, dada a redução dos riscos.





5 - Ukrainian Railways announces the open selection of candidates for the position of the CEO

A empresa pública de caminhos de ferro ucranianos (19.000 km de linhas, 7º maior transportador ferroviário mundial de mercadorias) anunciou um concurso público internacional para seleção do seu CEO.
Serão os consultores Boyden que conduzirão o processo.
O prazo para apresentaçao das candidaturas já terminou, mas os requesitos podem ser vistos em
https://www.uz.gov.ua/en/press_center/up_to_date_topic/512550/

Eis um procedmento interessante para evitar deixar as empresas públicas nas mãos de nomeados pelas suas ligações ao poder político e pouco conhecedores do negócio, embora se corra o risco de deixar o concurso deserto por excesso de exigencia.



6 - Brittany Ferries to launch Cherbourg – Spain rail motorway service

A companhia Brittany Ferries planeia lançar em 2021 um serviço de autoestradas ferroviárias de reboques não acompanhados desde o porto de Cherbourg, no norte de França, até Mouguerre, perto da fronteira com Espanha, cerca de 930 km.
O sistema de autoestradas ferroviárias, dada a sua eficiencia energética e a possibilidade dos reboque viajarem não acompanhados, parece ser um sistema ideal para ligação de Portugal à Europa central.
Inconvenientes: exige investimento em material circulante e adaptação de infraestruturas, como tuneis ou by-passes,e pressão diplomática sobre França para construção de nova linha de mercadorias entre Bordeus e a fronteira espanhola para não interferir com o tráfego de pasageiros.



Os vagões consistem numa plataforma que gira sobre um eixo vertical de modo a permitir o acesso dos reboques, puxados por um trator



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