sábado, 10 de outubro de 2020

O hidrogénio de Sines a Roterdam

 O clima de discussão sobre a estratégia do hidrogénio em Sines é razoavelmente confuso. Têm razão alguns criticos quando dizem que há tecnologias que não estão ainda comprovadas para a obtenção de alguns dos resultados propagandeados. Será um caso de velhos do Restelo, mas por um lado pensemos de que outra forma poderia Camões expor os argumentos que aliás vieram a comprovar-se válidos, e por outro, que um dos principios da prática de engenharia exige referencias concretas de bom funcionamento.

Mas vamos a uns cálculos, cuja correção desde já agradeço, quer quanto aos pressupostos, quer quanto ás deduções.

Parece que o objetivo é instalar centrais fotovoltaicas até 1 GW (julgo que 50 km2 chegam) e exportar por navio para Roterdam o hidrogénio produzido por hidrólise em Sines, como se fosse exportação de gas natural. Para além da exportação por navio pensa-se em misturar até 5% de hidrogénio nos gasodutos de gás natural.

Como para produzir 1 kg de hidrogenio (com poder calorífico de 38 kWh e a capacidade de produção útil de 10 kWh) são necessários 60 kWh no eletrolisador, temos que 1 GW instalado, considerando 1000 horas por ano, produzirá  109/60 = 17.000 ton H2/ano

Se considerarmos um navio com capacidade de 50.000 m3 de transporte de hidrogénio (parece que ainda não há, mas está a pensar-se construir) teremos, com base na capacidade dos depósitos de transporte por camião a uma pressão de 250 bar (36 m3 ~720 kg) uma capacidade por navio de 1000 ton H2.

Por outras palavras, 17 viagens por ano exportam a produção. 

Anota-se en passant que cada viagem de ida de 2200 km consome cerca de 66 toneladas de gasóleo pesado (o tal rico em enxofre), que a tecnologia dos scrubbers não será o mais desejável e que a propulsão por gás natural não deixa de ser poluente como a de qualquer combustivel fóssil.

Numa fase mais avançada, teremos navios com transporte de hidrogénio liquefeito o que exige arrefecimento a -253ºC e inclui razoáveis perdas no transporte (suponhamos 20%). Mas a capacidade será muito maior, uma compressão cerca de 800 vezes, o que dá, em vez de 1000 ton, cerca de 8000 ton

Contando com 20% de perdas, entrega-se no destino, por navio, cerca de 6500 ton de H2, mas em duas viagens está esgotada a produção anual.

Não sei se será rentável, se é razoável gastar 66 ton de gasóleo pesado em cada viagem em vez de simplesmente exportar a eletricidade e que na Holanda eletrolisem o que for necessário.

Na primeira hipótese, temos que 1 milhão de MWh /ano levaram a uma entrega, não contando perdas,de 17.000 ton H2 equivalentes a 170.000 MWh (rendimento de 17%).

Na segunda hipotese temos que, com menos viagens, a entrega foi de 13.000 ton H2, equivalentes a 130.000 MWh (rendimento de 13%).

Se exportássemos antes a eletricidade, contemos com 800 km para as transferencias transfronteiriças daqui à Holanda (a eletricidade não precisa de se transmitir ao longo de todo o caminho, compensa-se nas fronteiras) e perdas de 5%. Teremos  1 milhão de MWh/ano à partida e uma entrega de 950.000 MWh/ano  (rendimento de 95% e poupança das viagens com consumo de gasóleo pesado.


Pergunta-se, o que fazer perante o que parece um projeto energeticamente ineficiente?


Referências:

https://www.energy.gov/eere/fuelcells/hydrogen-delivery

https://www.fch.europa.eu/sites/default/files/Maritime%20hydrogen.%20The%20next%20big%20wave.pdf

https://www.rechargenews.com/transition/hydrogen-can-power-virtually-all-container-ships-crossing-the-pacific/2-1-767073

https://global.kawasaki.com/en/corp/newsroom/news/detail/?f=20191211_3487

http://www.hydroville.be/en/waterstof/7-roy/

https://1drv.ms/u/s!Al9_rthOlbwegg7pVFKMbf-8E96i?e=FQOlZj

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