sábado, 10 de outubro de 2020

O Tribunal de Contas e eu

 No meio do ruido do debate em torno do não prolongamento do mandato do anterior presidente do Tribunal de Contas, a voz num tom discreto do senhor Presidente da República dizia que a Constituição só prevê um mandato de 4 anos. É verdade, é o artigo 214.2, só fala em 4 anos, não fala em renovação de mandato. Se há dúvidas, altere-se a Contituição.

Confesso que tenho um certo preconceito contra tribunais e juizes. A experiencia que tive com duas juizas foi muito boa, uma delas deu-me razão num conflito com o Estado, só que, graças aos conhecimentos entre juizes e personalidades locais, o tribunal da Relaçáo da cidade de provincia em que decorreu o processo simplesmente anulou a sentença da juiza. No outro caso, em que tinha sido multado por excesso de velociadade, entreguei à juiza um pequeno cálculo em que demonstrava que pelo tempo de travagem após sinal de paragem do agente da GNR, que após uma ultrapassagem tinha reduzido a velocidade. A senhora juiza disse que não percebia os cálculos e que ia mostrá-los a quem percebesse. Uns dias depois recebi a informação de que tinha sido absolvido. 

Estas pequenas histórias servem para contar que não pode haver confiança nos grupinhos corporativos dos senhores juizes instalados. E que os senhores juizes não podem conhecer todas as razões matemáticas e físicas das coisas, pelo que têm de ter assessores e conterem-se quando falam de assuntos técnicos, entendendo assuntos técnicos como de engenharia, por exemplo de transportes.

E aqui entra o meu unico caso de contacto com o tribunal de Contas (unico se não contarmos o visto do Tribunal de Contas sobre um processo de adjudicação de um troço da linha circular do metro que uma lei da AR tinha mandado suspender). Por volta do anos 2004 recebi a visita de dois juizes que integravam uma equipa que fazia uma auditoria ao metropolitano (a qual não detetou irregularidades para além de os investimentos nas infraestruturas pesadas estarem alocados à empresa e não às contas públicas). Perguntaram-me com alguma arrogancia ou petulancia,  porque não tinhamos feito o concurso de sinalização logo para o troço Entrecampos-Campo Grande em vez de fazermos primeiro até à Cidade Universitária e só depois da Cidade Universitária para o Campo Grande, duplicando assim os custos fixos dos investimentos.

Concordei com eles, até porque recentemente o próprio presidente do metro , na cerimónia de inauguração do troço Campo Grande-Telheiras, tinha afirmado que não deviam fazer-se prolongamentos de apenas 800 metros. O que caiu muito mal na comunicação social, demonstrando assim que não tinham entendido a mensagem. Mas que é verdade, desperdiça-se a parte fixa do investimento, que é praticamente a mesma para uma extensão de 800 m ou de 4 km.

Nisso o Tribunal de Contas tinha razão, mas tive de lhes pedir, depois de ter passado dois dias no arquivo morto a recuperar documentos, que endereçassem as objeções aos senhores ministros da altura, uma vez que os toscos e a acessibilidade à estação Campo Grande só ficaram concluidos em 1993, entre outras razões porque o cálculo primitivo das estruturas do viaduto tinha sido demasiado otimista e teve de ser corrigido, enquanto a estação Cidade Universitária ficou pronta em 1988, tal como Colégio Militar.

Pareceram-me corretos, os dois juizes, e de facto no seu relatório nada havia sobre as sinalização dos troços Entrecampos-Campo Grande. Isto é, houve uma perda de tempo, do que até se poderá dizer, ainda bem.

Mas a questão permanece, a formação dos juizes do Tribunal de Contas, para apreciação de investimentos, devia ser reformulada. Muitas das vezes, as suas críticas são apenas um eco do sentimento que os comentários da internet expressam, crítcar por criticar, indução da perceção que os dinheiros publicos são mal gastos sistematicamente, quando são claros os beneficios dos investimentos em saneamento, educação e saude, pelo menos antes da troika eram (ver por exemplo

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2014/07/os-investimentos-publicos-em-portugal.html      )

Para além da formação, haverá que contar com a dotação de um corpo técnico com experiencia em obra ou fornecimentos  em investimentos públicos. A maioria dos senhores juizes nunca conduziu um processo de concurso, adjudicação e acompanhamento da obra ou fornecimento. Mais simples talvez será dispor de uma bolsa de seniores, mesmo reformados, que possa dar uma ajuda. Mas é dificil as instancias oficiais aceitarem que os velhos possam ter utilidade, quando agora sim, agora é que as novas gerações são as mais bem preparadas de sempre.

Não estamos portanto a discutir as coisas como devia ser, mas quem sou eu...

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