A nossa Transit village
O meu amigo que se especializou nas teorias da mobilidade
urbana com meios ligeiros, refiro-me por exemplo aos elétricos (tramways) ou
até ao metro de superfície, está sempre a recordar-me as vantagens e os
sucessos dos municípios que aplicaram as ideias de Bernick e Cervero, que em
1997 publicaram a bíblia das Transit Villages.
De vez em quando mete-se num avião e vai a Paris, a seminários
de promoção da teoria, ou a Karlsrhue e de lá regressa com a sua fé ainda mais
consolidada.
Transit Villages, de tradução difícil, como sempre
acontece quando poucas palavras tentam concentrar conceitos profundos e
experiências de aplicação com impacto nas cidades.
Eu traduziria como Cidadezinhas em trânsito, embora não
sejam as pequenas cidades, ou bairros suburbanos, ou vilas, que estarão em
transito, mas sim as pessoas, que são o que deve interessar quando se estuda a
mobilidade. Cidadezinhas com vida própria, que não sejam dormitórios, que
tenham locais capazes de atrair e manter pessoas, de não ter apenas serviços
para a manutenção da vida própria mas atrair empresas produtivas e geradoras de
animação local.
Costumo dizer ao meu amigo que, sem desconsiderar a ideia Transit
Villages, me inclino mais para o conceito TOD, Transit Oriented
Development, que será mais abrangente, que também substitui a dispersão
suburbana mas pela integração dos bairros por meios potentes como o
metropolitano, subterrâneo quando a malha urbana é densa, e complementado por meios ligeiros, como os
elétricos (tramways), o LRT “light rail transit, e, preferência minha, cabinas
autónomas requisitadas “a pedido” em
percursos segregados, além dos modos suaves, pedonal e ciclável, como qualquer
presidente de câmara sabe. Ou talvez não, talvez nem todos os presidentes de
câmara sejam adeptos das ciclovias, mas disso já falarei depois. Que qualquer
cidadão ou cidadã tenha a uma distância cómoda um meio de transporte eficiente.
Mas voltando ao Transit Villages, sucedeu que há uns
tempos me interessei pelo problema da expansão do metropolitano além de
Odivelas até Loures. De onde se prolongaria, assim que se disponibilizasse
financiamento, até à Malveira, onde se recolheria o fluxo de passageiros rodoviários ou em automóvel
privado do eixo da Ericeira, da linha do oeste de Torres Vedras, Mas a opinião pública terá achado que o
prolongamento de Odivelas a Loures deveria ser por uma linha de elétrico
(tramway) ou metro de superfície (LRT). Tal como o meu amigo sempre disse.
Resolvi por isso dar um salto a Odivelas, para ver até que
ponto ela já seria uma Transit Village. E também que tipo de meios de
transporte se poderão adequar a todo o município e ao de Loures.
A estação de Odivelas está inserida numa encosta, com uma
saída inferior para a correspondência com as carreiras rodoviárias, e uma saída
superior que dá para uma praça pedonal e ladeiras também pedonais e ajardinadas
para a praça de táxis e para o jardim encantado (é assim chamado), através dum
túnel, sob a via rápida que serve a Ramada, a freguesia a norte de Odivelas, e acede
à CREL. Gosto do projeto de arquitetura da estação e dos acessos.
Fui de manhã, com a ideia de tomar o pequeno almoço num
café, observando o movimento. Assim foi, junto da estação, no plano superior da
praça pedonal, uma simpática pastelaria. Enquanto passava os olhos rapidamente
pelo jornal do dia pensei que a envolvente arquitetónica serviria perfeitamente
de cenário para aqueles filmes sentimentais americanos para a televisão, ou
mesmo franceses, pontos de encontro depois de anos de separação de quem se
encantou durante 3 dias em Paris.
Achei que já era um bom argumento para validar Odivelas como
Transit Villages fazer-me lembrar
Paris e os apaixonados por três dias.
Na mesa ao lado da minha, uma senhora ao telemóvel explicava
que o andar tinha uma ótima exposição solar e vistas para as Patameiras e as
colinas já de Lisboa. Era um pouco caro e ainda era preciso andar 10 minutos
depois da estação de metro, mas valia o dinheiro. O bairro é muito bonito e tem
restaurantes muito apreciados, vem gente de fora. A senhora seria promotora
imobiliária por conta própria.
Na outra mesa, um homem instruía o interlocutor sobre como
deveria responder á notificação da Autoridade Tributária. Será advogado.
Ao fundo da sala, homens com o aspeto de professores, almoçavam
já, apesar de ainda ser cedo.
Um grupo de três senhoras entravam na pastelaria em amena
cavaqueira a que juntaram a simpática funcionária (digo simpática porque se
apressava a perguntar solicitamente o que desejava a quem se sentava) combinando
qualquer coisa para depois da saída do trabalho, eventualmente relacionada com
trabalhos de costura.
À minha frente, um casal, aparentemente na casa dos quarenta
anos, pareciam personagens da trama que referi. Trocavam presentes, que ainda
estávamos nas festas de Ano Novo, mas como se não se vissem há anos e como se
depois daqueles breves instantes regressassem às suas casas e famílias.
Como dizia a senhora imobiliária, as urbanizações mais
cotadas de Odivelas espalham-se pelas encostas acima, contornando as linhas de
água de margens quase selvagens. Vale que o passeio a pé é agradável porque as
avenidas têm passeios largos e os separadores são marcados por longas filas de
palmeiras, da espécie washingtonia. Mas não há ciclovias, pode andar-se
calmamente nos passeios. O que é natural, as ladeiras são íngremes, nalgumas
ruas o declive chega aos 15%, por mais eletrificada que seja a bicicleta, é
muito.
Temos assim uma densidade elevada porque a urbanização
baseia-se em blocos habitacionais com um número significativo de andares. A tónica dominante é a do transporte
individual, que a estação de metro ainda está longe. Mais para cima, no caminho
para a Ramada, os Bons Dias e Caneças, o tipo de habitação é de menor densidade;
possivelmente as pessoas, nos anos 60, quando a migração do interior para a capital se agravou, terão
construído as suas moradias sem projeto de arquitetura nem de infraestruturas
nem plano de urbanização. Por maioria de razão, predomina o transporte
individual. De vez em quando, passa um autocarro de uma de várias empresas de
camionagem.
Como servir toda aquela área de terreno acidentado? Como
reduzir a quota do transporte individual?
Bem, certamente que o meu amigo, inspirado nos sucessos de
Karlsruhe, encontrará soluções, mas eu insisto, poderíamos definir uns
percursos segregados para cabinas autónomas requisitadas a pedido a partir da
internet ou das estações de metro, onde estarão sediadas frotas de aluguer, de
bicicletas e automóveis e, naturalmente, os parques de estacionamento para o
transporte privado. Isto é, onde outros municípios alegremente projetam
ciclovias, reduzindo a largura das vias para automóveis, aqui poderiam
projetar-se podlanes. Pod de casulo, ou cabina, e lane, ou
via. Claro que para concretizar esta ideia seria necessário que o próprio metro
desenvolvesse os estudos prévios de integração modal, modo pesado-modo ligeiro-modo
muito ligeiro.
Tenho de voltar a Odivelas, a nossa Transit Village
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