sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

A nossa Transit Village



A nossa Transit village

 

 

O meu amigo que se especializou nas teorias da mobilidade urbana com meios ligeiros, refiro-me por exemplo aos elétricos (tramways) ou até ao metro de superfície, está sempre a recordar-me as vantagens e os sucessos dos municípios que aplicaram as ideias de Bernick e Cervero, que em 1997 publicaram a bíblia das Transit Villages.

De vez em quando mete-se num avião e vai a Paris, a seminários de promoção da teoria, ou a Karlsrhue e de lá regressa com a sua fé ainda mais consolidada.

Transit Villages, de tradução difícil, como sempre acontece quando poucas palavras tentam concentrar conceitos profundos e experiências de aplicação com impacto nas cidades.

Eu traduziria como Cidadezinhas em trânsito, embora não sejam as pequenas cidades, ou bairros suburbanos, ou vilas, que estarão em transito, mas sim as pessoas, que são o que deve interessar quando se estuda a mobilidade. Cidadezinhas com vida própria, que não sejam dormitórios, que tenham locais capazes de atrair e manter pessoas, de não ter apenas serviços para a manutenção da vida própria mas atrair empresas produtivas e geradoras de animação local.

Costumo dizer ao meu amigo que, sem desconsiderar a ideia Transit Villages, me inclino mais para o conceito TOD, Transit Oriented Development, que será mais abrangente, que também substitui a dispersão suburbana mas pela integração dos bairros por meios potentes como o metropolitano, subterrâneo quando a malha urbana é densa,  e complementado por meios ligeiros, como os elétricos (tramways), o LRT “light rail transit, e, preferência minha, cabinas autónomas requisitadas “a pedido”  em percursos segregados, além dos modos suaves, pedonal e ciclável, como qualquer presidente de câmara sabe. Ou talvez não, talvez nem todos os presidentes de câmara sejam adeptos das ciclovias, mas disso já falarei depois. Que qualquer cidadão ou cidadã tenha a uma distância cómoda um meio de transporte eficiente.

Mas voltando ao Transit Villages, sucedeu que há uns tempos me interessei pelo problema da expansão do metropolitano além de Odivelas até Loures. De onde se prolongaria, assim que se disponibilizasse financiamento, até à Malveira, onde se recolheria o fluxo  de passageiros rodoviários ou em automóvel privado do eixo da Ericeira, da linha do oeste de Torres Vedras,  Mas a opinião pública terá achado que o prolongamento de Odivelas a Loures deveria ser por uma linha de elétrico (tramway) ou metro de superfície (LRT). Tal como o meu amigo sempre disse.

Resolvi por isso dar um salto a Odivelas, para ver até que ponto ela já seria uma Transit Village. E também que tipo de meios de transporte se poderão adequar a todo o município e ao de Loures.

A estação de Odivelas está inserida numa encosta, com uma saída inferior para a correspondência com as carreiras rodoviárias, e uma saída superior que dá para uma praça pedonal e ladeiras também pedonais e ajardinadas para a praça de táxis e para o jardim encantado (é assim chamado), através dum túnel, sob a via rápida que serve a Ramada, a freguesia a norte de Odivelas, e acede à CREL. Gosto do projeto de arquitetura da estação e dos acessos.

Fui de manhã, com a ideia de tomar o pequeno almoço num café, observando o movimento. Assim foi, junto da estação, no plano superior da praça pedonal, uma simpática pastelaria. Enquanto passava os olhos rapidamente pelo jornal do dia pensei que a envolvente arquitetónica serviria perfeitamente de cenário para aqueles filmes sentimentais americanos para a televisão, ou mesmo franceses, pontos de encontro depois de anos de separação de quem se encantou durante 3 dias em Paris.

Achei que já era um bom argumento para validar Odivelas como Transit Villages  fazer-me lembrar Paris e os apaixonados por três dias.

Na mesa ao lado da minha, uma senhora ao telemóvel explicava que o andar tinha uma ótima exposição solar e vistas para as Patameiras e as colinas já de Lisboa. Era um pouco caro e ainda era preciso andar 10 minutos depois da estação de metro, mas valia o dinheiro. O bairro é muito bonito e tem restaurantes muito apreciados, vem gente de fora. A senhora seria promotora imobiliária por conta própria.

Na outra mesa, um homem instruía o interlocutor sobre como deveria responder á notificação da Autoridade Tributária. Será advogado.

Ao fundo da sala, homens com o aspeto de professores, almoçavam já, apesar de ainda ser cedo.

Um grupo de três senhoras entravam na pastelaria em amena cavaqueira a que juntaram a simpática funcionária (digo simpática porque se apressava a perguntar solicitamente o que desejava a quem se sentava) combinando qualquer coisa para depois da saída do trabalho, eventualmente relacionada com trabalhos de costura.

À minha frente, um casal, aparentemente na casa dos quarenta anos, pareciam personagens da trama que referi. Trocavam presentes, que ainda estávamos nas festas de Ano Novo, mas como se não se vissem há anos e como se depois daqueles breves instantes regressassem às suas casas e famílias.

Como dizia a senhora imobiliária, as urbanizações mais cotadas de Odivelas espalham-se pelas encostas acima, contornando as linhas de água de margens quase selvagens. Vale que o passeio a pé é agradável porque as avenidas têm passeios largos e os separadores são marcados por longas filas de palmeiras, da espécie washingtonia. Mas não há ciclovias, pode andar-se calmamente nos passeios. O que é natural, as ladeiras são íngremes, nalgumas ruas o declive chega aos 15%, por mais eletrificada que seja a bicicleta, é muito.  

Temos assim uma densidade elevada porque a urbanização baseia-se em blocos habitacionais com um número significativo de andares.  A tónica dominante é a do transporte individual, que a estação de metro ainda está longe. Mais para cima, no caminho para a Ramada, os Bons Dias e Caneças, o tipo de habitação é de menor densidade; possivelmente as pessoas, nos anos 60, quando a migração do  interior para a capital se agravou, terão construído as suas moradias sem projeto de arquitetura nem de infraestruturas nem plano de urbanização. Por maioria de razão, predomina o transporte individual. De vez em quando, passa um autocarro de uma de várias empresas de camionagem.

Como servir toda aquela área de terreno acidentado? Como reduzir a quota do transporte individual?

Bem, certamente que o meu amigo, inspirado nos sucessos de Karlsruhe, encontrará soluções, mas eu insisto, poderíamos definir uns percursos segregados para cabinas autónomas requisitadas a pedido a partir da internet ou das estações de metro, onde estarão sediadas frotas de aluguer, de bicicletas e automóveis e, naturalmente, os parques de estacionamento para o transporte privado. Isto é, onde outros municípios alegremente projetam ciclovias, reduzindo a largura das vias para automóveis, aqui poderiam projetar-se podlanes. Pod de casulo, ou cabina, e lane, ou via. Claro que para concretizar esta ideia seria necessário que o próprio metro desenvolvesse os estudos prévios de integração modal, modo pesado-modo ligeiro-modo muito ligeiro. 

Tenho de voltar a Odivelas, a nossa Transit Village

  


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