terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Reflexões a propósito da pandemia e sobre outras coisas

 Não consigo evitar no atual contexto tomar alguns exemplos do combate à pandemia e tentar aplicá-los à questão dos transportes.

1 - A separação de percursos ou organizações - rapidamente se percebeu que devia haver hospitais especializados no tratamento do covid e outros para as outras doenças, para que não se agravasse a limitação de meios e suas consequencias. Lembrei-me disso, guardadas as devidas distancias porque as analogias não fazem lei, que as organizações ferroviárias devem ter as contabilidades separadas da operação e manutenção correntes relativamente aos orgãos de estudo e investimento de novos empreendimentos; deve haver um orçamento para a operação e a manutenção e outro independente para os estudos e projetos, quer se trate de um metropolitano (novas linhas), quer se trate da ferrovia de alta velocidade (uma linha existente não deve ser convertida em linha de alta velocidade porque os traçados de projeto são diferentes, como se viu nas autoestradas). O que não impede, obviamente, a colaboração e o controle mútuo, reforçando os critérios de qualidade da empresa mãe

2 - A ajuda médico militar da Alemanha - Não é vergonha, é simplesmente solidariedade, colaboração e troca de experiências. Costumamos dizer que o intercambio técnico, ou "benchmarking", é aprender uns com os outros. Tenho as melhores recordações das reuniões e visitas técnicas que tive com os homólogos dos outros metropolitanos. Falávamos de igual para igual, não havia supremacias, mesmo que a extensão das redes não fosse comparável.

3 - A oferta dos reformados - Não se sabe ainda se a oferta de um grupo de médicos reformados para apoio de retaguarda foi rejeitado. Se foi, é lamentável e, como diz o editorial do Público de 9 de fevereiro ( https://www.publico.pt/2021/02/08/sociedade/noticia/muros-resistem-pandemia-1949843  )

o país precisa de se livrar da burocracia imobilizante e da "cultura da licença e da religião do alvará", de se libertar de caciquismos, grupos restritos de influência e manipulação, de se abrir à colaboração e ao debate aberto e de não vir com hipocrisias de querer vacinar velhinhos mas desejar tê-los fechadinhos em lares sem perturbar a tomada de decisões dos detentores do poder. Também nos transportes podia dar-se mais ouvidos ao que os reformados do setor têm a dizer sobre os planos de investimento em infraestruturas de transportes, mas parece que ainda aqui as administrações não gostam de os ouvir.

4 - O público e o privado - No mesmo editorial, é também focada "a aversão  aos privados que cinco anos de influencia do Bloco e do PCP fez germinar". Infelizmente houve exemplos negativos, mas pode afirmar-se que nesses partidos e seus simpatizantes há quem defenda a colaboração entre o setor público e o privado, com a condição basica da transparência das contabilidades de um e outro. Desde o circuito dos lucros que vai a votos no Conselho da Europa a 25 de fevereiro de 2021 até ao debate público dos contratos das PPP. Não é o facto de uma empresa ser pública ou privada que determina o grau de qualidade da sua gestão, são as pessoas. O que condiciona a gestão pública é a cultura dos grupos restritos e de comissários políticos nas administrações, enquanto na privada são os favorecimentos, o cronicapitalismo, demasiadas vezes originada no poder político. O metropolitano de Lisboa tem gestão pública e tenho inteira confiança nos colegas que lá estão. Erros graves como o plano de expansão são consequencia da ingerência inadmissível do governo e da CML (apesar da lei da AR que mandou suspender a construção da linha circular e apresentar um plano de mobilidade para a AML). O metro do Porto tem operação privada (por concessão) e manutenção por terceiros (oficinas de Guifões da EMEF). Penso que não motivo para mudar nem um nem outro. Este assunto está relacionado com as diretivas comunitárias que, contrariamente a algumas interpretações, não proibem os Estados membro de terem os seus incumbentes nem obrigam à separação entre operação e infraestruturas ( obrigam sim às contabilidades separadas - coisa que no metro de Lisboa já se praticava há 15 anos para cálculo das taxas de uso ; e à liberdade de concorrência - coisa que se garante aplicando os critérios dos sistemas de qualidade, a transparência e divulgação das contas e o controle anti monopólios)

5 - A vacina russa - Não tenho simpatia nenhuma pelo senhor Putin e seus métodos, e penso que o comportamento do senhor seu ministro Lavrov foi inadmissível na receção a Josep Borrell em 7 de fevereiro, mas não deveria haver sanções económicas que prejudicam cidadãos inocentes de um lado e doutro ( basta ler David Ricardo e as suas vantagens comparativas nas trocas comerciais ), nem cair na divisão maniqueista dos bons e dos maus . Por maioria de razão, a UE já deveria ter avançado firmemente para a produção da vacina russa. Como disse Gorbachev, "a Europa é a nossa casa comum". E também como disse o meu colega do metro de Paris, numa das tais reuniões de "benchmarking", "nós, técnicos de nações diferentes, entendemo-nos melhor do que os políticos" .

6 - O nacionalismo das vacinas - A propósito da insuficiencia do financiamento e dos atrasos da vacinação nos paises mais pobres, o ministro norueguês do Desenvolvimento Internacional, Dag Inge Ulstein, declarou que  adiar a vacinação tem custos maiores do que aumentar o financiamento e que   "o nacionalismo das vacinas é tão  destrutivo como todas as outras formas de nacionalismo". A UE não está isenta de críticas, seja na sua política de aquisição de vacinas, seja na falta de firmeza na promoção dos investimentos, por exemplo em infraestruturas, como resposta até à pandemia. Mas os custos da saída da UE seriam muito piores.

7 - O confinamento e o mercado da Ribeira - Na reportagem do Publico sobre as consequencias da pandemia no mercado da Ribeira. há uma frase do reporte,Pedro Pincha, que diz muito: "Sem moradores, sem turistas, sem restaurantes, na Ribeira fazem-se contas à vida". A aposta no turismo desprezando a garantia de dar condições de habitabilidade a moradores contribuiu para esta situação. Por outro lado, a obrigação burocrática por parte da CML de só atribuir o apoio de emergência aos comerciantes com banca no mercado que morem em Lisboa revela o espírito de incompreensão do que é uma área metropolitana. No capítulo dos transportes, vamos ver como se vai sair a nova TML (Transportes Metropolitanos de Lisboa) que, sob tutela da AML, assumiu as competencias dos transportes na área metropolitana.


Sem comentários:

Enviar um comentário